Voltando do trabalho, ao parar a Royal Enfield Classic 500 num sinal de avenida, emparelhei com uma Honda trail, a XRE 300. Perguntei ao piloto se poderíamos “tirar uma arrancadinha daqui ali, só 1ª e 2ª marchas”, porque eu estava testando a moto e precisava de um parâmetro comparativo. Topou, claro, e em seguida elogiou a beleza da “Royal” e perguntou se era antiga. O farol era demorado e deu tempo de dizer rapidinho que era nova, feita na Índia, uma “quinhentas”.
O farol abriu e partimos. Saltei na frente, mas a minha 1ª marcha “acabou” antes da dele, pois a potência máxima da Royal Enfield vem a baixas 5.200 rpm, sendo que a rotação de potência máxima da XRE 300 é bem mais alta, 7.500 rpm, e pelo jeito suas relações de transmissão em 1ª parecem ser semelhantes. Então, na minha troca de 1ª para a 2ª ele ainda estava esticando a 1ª, e emparelhou e começou a me passar, mas não abriu muito, porque quando foi a vez dele trocar marcha, colei nele, e daria para seguir assim, creio eu, colado nele. Porém já era momento de frear para outra espera de farol.
O cara tocava bem, tirou o que dava da Honda, e eu sei que tirei o que dava da Royal. Não era necessária outra arrancada para confirmar o resultado. E aí é que ele gostou ainda mais da “lindeza”, pois viu que além de bela ela anda muito bem. Agradeci pela colaboração e lá foi ele se embrenhando no trânsito como um passarinho se embrenha a milhão na mata densa, e eu segui sossegado na minha.
O motociclista da Honda regulava em peso comigo. A potência máxima da Classic 500 é 27,2 cv a 5.200 rpm e ela pesa 183 kg. A XRE 300 tem 25,4 cv a 7.500 rpm e pesa 146 kg. Portanto, a pouca potência que eu tinha a mais não bastaram para compensar os 40 kg a mais de peso. O resultado da “arrancadinha” bateu com o esperado diante destes números. Numa estrada, onde o peso perde relevância e o que vale é potência contra arrasto aerodinâmico, elas devem andar bem juntas, sendo que a Royal deve ser um pouco mais veloz, com final real de ao redor de 135 km/h ou pouco mais.
Mas o leitor sabe que não são só as arrancadinhas e a velocidade final que uma moto tem para nos dar; esses são só dois dos inúmeros itens num grande todo, e só os coloco aqui para que o leitor tenha uma ideia do quanto de desempenho esperar desta belezura.
De antemão aviso que volta e meia vou chamá-la de linda porque a acho linda mesmo, e pronto. Ela é um dos bons exemplos de que não é preciso um veículo ter linhas futuristas para que caia no gosto do público. A linha inteira dos MINI, a Triumph Bonneville e as Harley-Davidson são outros bons exemplos. Já é passada a hora dos designers de automóveis seguirem o exemplo dos designers de motos e terem mais coragem, ousarem mais e saírem da mesmice. O mercado de motos está muito mais bacana que o de carros. Talvez o perfil do comprador seja mais entusiástico.
A Royal Enfield Classic 500 é caso único no mercado. Ela não é como a Triumph Bonneville, que nos anos 1970 teve a fábrica fechada e anos atrás os novos donos da marca a reeditaram. Mas a reeditaram totalmente modernizada, projeto novo. Da antiga tem o aspecto e muito do comportamento e espírito, mas é outro projeto e todo moderno, fora que muito mais potente.
Já a história desta Classic 500 é diferente: em 1956 a Royal Enfield começou a fabricá-la na Índia e era praticamente igualzinha a esta, quadro igual, ciclística igual. Só o motor era menor, com 350 cm³. Passados poucos anos venderam a fábrica a empresários indianos e estes continuaram fabricando-a sem alterações. E assim seguiu imutável por décadas. Na Índia fizeram o mesmo com bicicletas, por exemplo, e lá se encontra delas novas iguaizinhas às inglesas da época da 2ª Guerra. Lá a Royal Enfield ficou para uso comum e era relativamente barata, pois usava ferramental antigo e tinha custos amortizados.
Acontece que, com o passar do tempo, de antiga ela foi virando clássica, e caiu nas graças dos motociclistas de raiz do mundo todo. Foi virando “cult”, “cool”, além do que é bonita mesmo. As vendas cresceram, o que os encorajou a fazer algumas melhorias pontuais na moto. Criaram mais um modelo, a Classic 500, aumentando a cilindrada para 500 cm³ (499 cm³), injeção no lugar do carburador, freio dianteiro a disco e partida elétrica. Basicamente isso e mais nada.
As vendas cresceram ainda mais. Montaram nova fábrica. Lançaram outro modelo, a Continental GT, uma café-racer de babar, que sobre ela conto depois, logo mais, quando a pegar para um teste no uso. E a marca continua crescendo e lançando outros modelos.
Portanto, pilotar a Classic 500 é viajar no tempo, é sentir uma moto realmente dos anos 50, o que nos ensina outro modo de pilotar uma moto, um modo mais calmo, frequentando uma faixa de giro mais baixa do que a que se usa nas motos modernas. Era assim que se andava de moto nessa época, quando sair de moto era algo para curtir e não um meio de transporte. Era “Vou andar de moto” e não “Vou de moto”, o que é muito diferente.
Quando eu tinha lá meus 20 anos, meu amigo Topeira me emprestou sua prancha Channin para surfar umas ondas. O mar estava de médio para grande e a Channin, uma clássica monoquilha de 7 pés e 4 polegadas, me encantou. Ela já tinha um shape considerado antigo para a época, um pouco lenta para manobras, porém era veloz, muito veloz, fluida, deliciosa. Consistente, fazia curvas abertas, curvas limpas. Gamei no primeiro drop. Passei a precisar do jeito dela. Era uma prancha professora que iria me ensinar a surfar como se deve surfar, com classe.
Conclusão: fiquei seis meses aporrinhando o Topeira até que ele ma vendesse, e ela está comigo há uns 40 anos e continua me ensinando a surfar, porque nunca se aprende tudo sobre nada.
Porque citei a Channin se estou escrevendo sobre moto? Porque passear com a Classic 500 me trouxe a Channin à memória. Elas são correspondentes em suas devidas áreas, água salgada e asfalto. Considero essa moto como uma professora que há de ensinar quem deseja aprender a pilotar moto como se deve, a ser motociclista e não motoqueiro. Não é moto para costurar feito louco buzinando bíbíbí entre carros parados com motoristas assustados.
Também não é moto para pegar estrada a 160 km/h, protegido por redoma, sem sentir vento na cara e peito, e tendo um motor que de tão liso e suave mal sentimos sua vibração sob o traseiro; não é potente a ponto de precisar de controle de tração para minimizar que pilotos com mais ímpeto que conhecimento se esborrachem numa largada ou saída de curva. Em suma, não é moderna, não anda feito um jato, não isso e nem aquilo; ela é só uma moto que a gente não consegue deixar parada por muito tempo na garagem porque é uma belezura gostosa que parece estar sempre se insinuando pra gente pedindo a montemos para nos divertirmos.
E já que eu tinha que fazer fotos e filmá-la, no domingo cedo saí de fininho, deixei minha mulher dormindo e fugi com a ansiosa Royal. Disse-lhe que a levaria para passear no Pico do Jaraguá, o que a fez tremer de alegria, porque é disso que ela gosta, pegar estrada cedo e sumir no mundo só ela e a gente.
Na rodovia Anhanguera mostrou potência suficiente para nos dar a segurança de nos desembaraçarmos de situações que requerem consistente aceleração. Sua velocidade de conforto em cruzeiro é ao redor de 110 km/h (no velocímetro). A essa velocidade e em 5ª e última marcha a vibração do motor monocilíndrico não incomoda e nem provoca a tal coceira em nossos fundilhos, e ela se mostra bastante estável, bem plantada.
A essa velocidade se vai longe sem cansaço e sem drama, com tranquilidade bastante para apreciarmos a paisagem e sentirmos os aromas do campo. De 120 km/h para cima a coisa vai se tornando mais nervosa, com a vibração do motor subindo e começando a incomodar, e a aerodinâmica já passa a aliviá-la do chão; não a temos mais tão bem plantada e a tocada fica um pouco instável. Que dá para seguir assim dá, mas aí seria uma farra passageira. Não é condição a ser mantida por muito tempo, mas agrada sentir seu ímpeto.
Freia muito bem. Freio a disco na dianteira e a tambor na traseira dão perfeitamente conta do recado. Usa bons pneus nacionais Metzeler (divisão da Pirelli) e há o opcional ABS (R$ 1.000), coisa que dispenso para motos, pois não quero me ver sem o recurso de travar o freio traseiro em certos casos. Esta não tinha ABS. Ótimo.
Agora, o que mais me agradou foi sua ciclística; o modo como faz curvas, como deita e como levanta. Centro de gravidade baixo, parece que ela lê nosso pensamento e já vai deitando com suavidade, dócil e prestimosa. Durante a freada sua massa se desloca para a dianteira, a frente afunda um pouco, o pneu dianteiro ganha aderência, e basta uma inclinação do corpo, apoiando mais peso sobre um lado do guidão, para que ela deite bem equilibrada para dentro da curva.
A curva sai limpa, perfeita, traço de compasso, e levantá-la para alinhá-la com a reta, ou passá-la para o lado oposto é algo suave, leve, ainda mais se acompanhado de aceleração bem dosada. Foi feita para isso. Eu poderia passar o dia inteiro com ela naquele idílio de subir e descer a serra do Pico, não fosse eu casado.
Os pedais não são retráteis, são fixos. Deveriam ser retráteis, pois hoje os pneus que usa têm muito maior aderência que os usados há 60 ou mais anos, época de seu projeto, então hoje a moto pode deitar muito mais. Em vista disso, e do piso não completamente seco, evitei abusar das curvas da subida ao Pico.
Ela não tem conta-giros. Não precisa. A injeção corta no limite de segurança para o motor. O motor tem concepção antiga. Não é para giro alto. Sua potência vem muito do torque, que é alto, 4,2 m·kgf a 4.000 rpm, então sua tocada é para ser em giro baixo e médio, aproveitando a boa potência em baixa, e assim se vai rápido e com conforto, com tempo para saborear a moto.
Ela pouco sente o peso do garupa. Há um opcional de banco garupa que vai separado do selim do piloto. Com ele, ela aceita levar nossa mulher ou namorada com suficiente conforto. Elas só não conseguem esconder os ciúmes.
Principalmente sabendo que a “rival” custa só R$ 19.900.
AK
FICHA TÉCNICA ROYAL ENFIELD CLASSIC 500 | |
MOTOR | Monocilindro, quatro tempos, arrefecido a ar, válvulas no cabeçote |
Cilindrada: (cm³) | 499 |
Diâmetro x curso: (mm) | 84 x 90 |
Taxa de compressão: (:1) | 8,5 |
Formação de mistura | Injeção eletrônica no duto |
Potência cv/rpm | 27,2/5.200 |
Torque (m·kgf/rpm) | 4,21/4.000 |
Bateria (V/A·h) | 12/14 |
DESEMPENHO E CONSUMO | |
Consumo de combustível (km/l) | 27 a 30 |
Velocidade máxima (km/h) | 135 |
DIMENSÕES, CAPACIDADES, PESOS | |
Comprimento (mm) | 2.160 |
Largura do guidão (mm) | 800 |
Altura (mm) | 1.050 |
Entre-eixos (mm) | 1.370 |
Tanque de combustível (L) | 14,5 |
Peso (kg) | 183 |
CONSTRUÇÃO | |
Chassi | Quadro em berço simples tubular de aço, com motor integrado à estrutura |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Telescópica de 35 mm de diâmetro, amortecimento hidráulico e 130 mm de curso |
Traseira | Balança articulada, duas molas com amortecedores pressurizados concêntricos com 5 regulagens de pré-carga da mola e 80 mm de curso |
FREIOS | |
Dianteiro (Ø mm) | Disco/280, pinça 2-pistões, acionam.hidráulico |
Traseiro (Ø mm) | Tambor/153, acionamento mecânico, a varão |
PNEUS | |
Marca | Metzeler |
Dianteiro 90/90-18 | 90/90-18 |
Traseiro 110/80-18 | 110/80-18 |