Tive a oportunidade de andar alguns dias em Portugal com um Captur 110 dCi versão Exclusive. Claro que o carro fornecido para avaliação pela Renault portuguesa era movido a “gasóleo”, como eles chamam o óleo diesel na Terra de Camões, e pude constatar na pele tudo que poderá ser perdido se a moda de tentar acabar com os carros movidos a diesel vingar na Europa.
Diga-se de passagem, uma moda como a maioria das invenções que nascem de cabeças nocivas: ilógica e ambígua. Se (ou quando) acontecer, o prejuízo será de todos. Sem entrar em detalhes do quanto de energia se despende para carregar um carro elétrico, a forma como essa energia elétrica para abastecer uma frota muito maior do que hoje será gerada, e o que será gasto para ampliar a infraestrutura para a maioria dos veículos se tornarem elétricos, dá para começar a imaginar que o impacto no meio ambiente será grande. Não tenho a pretensão de me estender nesse assunto polêmico, mas tenho certeza que o mundo será mais complicado, e não tenho certeza se haverá menos danos ao nosso planeta sem o diesel. Talvez ninguém tenha.
Em Portugal o preço do óleo diesel nem é tão mais baixo, 1,30 euro por litro contra 1,50 euro da gasolina, em média, mas os números baixos de consumo agradam muito no caso do Captur.
Alguns números podem explicar melhor o que digo, e eles começam pelas velocidades de rodovia e rotação do motor — observadas pelo conta-giros, depois de alguns segundos estabilizado na velocidade — em sexta marcha:
120 km/h – 2.250 rpm
145 km/h – 2.500 rpm
155 km/h – 3.000 rpm
Deu para anotar alguns consumos durante a avaliação. Entre 120 e 140 km/h, velocidade de fluxo normal de viagem em boas rodovias portuguesas, sem o stress brasileiro de policiamento eletrônico, consome 6 litros a cada 100 km, igual a 16,7 km/l. Mais devagar um pouco, sem passar dos 120 km/h, faz mais de 18 km/l, com números muito parecidos a esse em cidade. Andando em boas ruas e avenidas, com bastante fluxo de carros e sem paradas excessivas, 17 km/l é fácil e normal. No centro antigo de Lisboa, com ruas pequenas, muitos carros e pedestres, semáforos, subidas e descidas fortes, 15 km/l.
De acordo com o quanto se pisa, a luz verde no centro inferior do quadro de instrumentos muda para amarelo e laranja, para indicar que o consumo está aumentando e que se deve acelerar menos para ser econômico. Isso é igual nos Renault aqui também, tanto Captur quanto no Kwid, assim como a luz indicativa que pede troca de marcha no quadro de instrumentos do painel.
Algumas velocidades no velocímetro digital e rotações, no conta-giros à esquerda são visíveis nas fotos abaixo.
Mas motor é só consumo? Claro que não, precisa ser gostoso de acelerar e de subir e descer rotação. O K9K me agradou sempre. Desenvolvido pela Renault em conjunto com a Nissan, é suave, gira com um mínimo de vibrações, e tem potência suficiente em todos os giros, facilmente indicada pelo valor de torque máximo, 26,5 m·kgf de 1.750 rpm a 2.750 rpm, um resultado fabuloso para um motorzinho tão pequeno.
Muito desses ótimos números é devido ao uso de turbocompressor Borg&Warner de geometria variável, com aletas que se movem e fazem o ar passar por uma das duas volutas da carcaça. Há também trocador de calor ar-ar, além de trabalhar com injeção direta na câmara de combustão, para a melhor queima possível de diesel, e um mínimo de emissões de gases poluentes.
Para os adeptos em saber também o quanto um motor polui, ele é certificado Euro 5 e 6, sendo produzido em ambas versões de acordo com o mercado a que se destina, e não há a mínima presença de fumaça ou de cheiro de diesel queimado, seja frio ou depois de aquecido, nem em garagem em subsolos de edifícios como a do hotel em que fiquei.
É uma delícia de acelerar, mesmo não tendo mais de 3.000 rpm para explorar. É pouco? Você prefere motor girador, que vai lá em cima em um extenso conta-giros, varrendo a escala? Para isso há várias outras opções da Renault, um Mégane R.S. é um deles, ou algo mais barato, um Clio R.S.. O Captur é um carro multiuso, não um esportivo, não é para andar com o ponteiro abanando como um leque. E mesmo sem fazer isso, anda bem. De 0 a 100 km/h, leva 11,4 segundos e chega a 180 km/h.
Se aceleração a partir da imobilidade não é muito empolgante, a facilidade de retomar velocidade através das marchas ou apenas acelerando mais sem baixá-las quando isso é possível devido ao turbo, demonstra a capacidade do motor em carregar o Captur. É sempre tranquilo conduzi-lo, mesmo forçando um pouco uma marcha alta. Usando-se o câmbio da forma mais correta, o carro segue célere e sem fazer o motorista querer mais aceleração num uso normal.
Acompanha o tráfego com facilidade também em estrada, e só numa autoestrada na Alemanha poderia ter hipotéticos problemas se o motorista insistisse em ficar na esquerda todo tempo (coisa que não se faz em lugares com trânsito organizado). Sem problemas no mundo real, portanto.
O motor é o 1,5 dCi (diesel common rail injection ), designação K9K versão 636. Com bloco de ferro e cabeçote de alumínio, pesa 145 kg com os acessórios e tem 1.461 cm³ exatos, 76 mm de diâmetro do cilindro por 80,5 mm de curso do pistão. Taxa de compressão de 15,5 para 1, e apenas duas válvulas por cilindro. Como são apenas duas para menos complexidade e custo, a Renault evoluiu há cerca de quatro anos o injetor e a calibração eletrônica de comando, passando a ter duas injeções sequenciais em vez de apenas uma no ciclo motor (ou de potência), de forma a melhorar a queima do óleo diesel. Explicando de maneira simples, uma pequena injeção que começa rapidamente a queimar diesel e outra maior logo em seguida, para mais energia na explosão, isso em milésimos de segundo e diretamente na câmara de combustão, injeção direta, portanto.
Essa foi apenas uma das várias melhorias que essa família de motores vem adotando desde 2001 quando foi lançada para equipar vários modelos da Renault e posteriormente Nissan, num total de mais de 10 milhões de motores até agora, sendo produzido na Índia, Turquia e Espanha, também para a Mercedes-Benz, que os instala com a denominação OM607 nos classes A, B e CLA. O K9K está na quarta geração.
Instalado no Captur e com a calibração de ECM específica para ele fornece 110 cv a 4.000 rpm. Acoplado a um câmbio manual de seis marchas que tem carcaça de alumínio e comando por cabos muito bem projetados e levíssimos, a caixa pesa 41 kg, tem ré sincronizada e a sexta bem longa, mas que o turbo faz muitas vezes ignorar que estamos nela, permitindo acelerar até mesmo em subidas razoáveis. Em qualquer subida “monstro” nas estradas ou ruas foi muito bem, e mesmo em primeira, nada de desconforto com a embreagem.
Há um hill holder providencial, que freia o carro e o segura parado em rampas, ótimo para manobras em balizas apertadas nos centros históricos tanto da capital portuguesa quanto de Sintra, pequena cidade medieval que tem ruas onde até mesmo um cavalo precisa manobrar para dobrar algumas esquinas.
O Paulo Keller havia me dito sobre o aperto dessas ruas e eu não havia acreditado muito, mas senti in loco a dificuldade do lugar, inclusive numa delas definida como de mão dupla onde se pode estacionar de um dos lados — uma impressionante loucura das autoridades de trânsito — que faz as pessoas de diversas nacionalidades conversarem e discutirem o que fazer com seus carros para não passar o dia por ali. É divertido por alguns minutos, desde que não se tenha horário a cumprir.
Esse panorama rapidamente apreciado me foi muito rico, com muitas informações chegando a todo tempo enquanto dirigia o Captur, e ele não me incomodou nem me preocupou um segundo sequer. Carro bom é assim mesmo, mais ajuda do que atrapalha.
Internamente, um pouco menos de espaço que o Captur feito no Brasil, pelo entre-eixos 67 mm menor (2.616 contra 2.673 mm). Para entender melhor as diferenças, veja a matéria que conta a história do estilo do Captur. O porta-malas também é menor, com o comprimento total do veículo de 208 mm a menos (4.121 contra 4.329 mm). A diferença é razoável, são 437 litros no Brasil, e 377 na Europa. Uma bela vantagem para o carro brasileiro.
Altura total também é diferente, 1.619 mm para o brasileiro e no da Europa, 1.566 mm, uma diferença de 5 centímetros que dá para perceber fácil quando se fica ao lado de ambos, e o peso de 1.190 kg, contra os 1.273 kg da versão brasileira mais leve, o 1,6 de câmbio manual.
Nosso carro tem também tanque maior, 50 litros, necessários devido ao maior consumo com nossa gasolina alcoolizada ou com álcool, de menores eficiência energética do que a gasolina pura e o diesel que existem em quase qualquer lugar do mundo, menos no Brasil (sim, o país é abençoado, mas a cultura local o estragou). O carro que andamos tinha tanque de apenas 45 litros, mas cobre facilmente mais de 800 km em uso normal com esse volume.
Internamente também há diferenças. Os bancos tem capas com zíperes, removíveis para limpeza ou para renovar o interior com padrão diferente quando cansar. Não foi considerado algo que o cliente padrão brasileiro faria, por isso não foi adotado aqui, mas é uma solução bem interessante, e que gera satisfação para o dono de um carro já mais utilizado, e até mesmo uma razoável valorização com uma troca de capas antes da venda como usado.
No painel, a maior diferença é o porta-luvas do tipo gaveta, diferente do nosso clássico pivotante, onde a tampa desce ao abrir. Molduras azuladas nesse modelo, nada cromado no interior, o fazem mais jovem sem perder a classe, combinando formidavelmente com a pintura azul e teto prata, este último ajudando o trabalho do ar-condicionado nesse verão europeu 2017 anormalmente quente.
Aliás, foi pelo excesso de insolação que não consegui fotos do interior com a qualidade necessária, e das várias que tirei do painel, nenhuma era digna de ser publicada para nossos leitores. Por isso escolhi uma foto de arquivo da Renault. Peço minhas desculpas.
As rodas têm o mesmo desenho das usadas no Brasil, mas são menores, 16 polegadas, com pneus 205/55R16 e suspensões iguais conceitualmente — McPherson na frente e eixo de torção atrás — mas diferentes em detalhes e calibrações de elementos elásticos pelo menor peso do carro e por serem mais similares às do Clio atual, mas tão confortáveis quanto do Captur brasileiro.
O volante de direção é regulável também em distância, uma vantagem sobre o carro local que tem apenas variação na altura, sendo ainda mais fácil se sentir bem acomodado e confortável.
Há várias opções de cores internas e externas, numa grande gama de variações. Cores que fazem o interior mais animado estão disponíveis, como o azul claro do carro avaliado, quanto laranja.
E o Captur vende muito bem onde foi originado. Foram 215.679 unidades em 2016 na Europa, um número considerável e que o faz ser uma visão relativamente comum. Em Portugal a Renault é líder de mercado, e continua aumentando sua participação, em grande parte graças ao Captur, um carro que se provou agradável tanto aqui quanto do outro lado do Atlântico, colocando o mercado brasileiro em igualdade de produto.
A grande diferença acaba mesmo sendo o combustível utilizado, e me deixa abismado que possam existir pessoas e entidades que desejem o fim do diesel para os veículos.
Talvez o Brasil tenha sorte num futuro a médio prazo, e o alvo da produção e venda desse tipo de motor possa ser nosso país, desde que se convença o governo federal.
Não custa nada ser otimista.
FICHA TÉCNICA – RENAULT CAPTUR DIESEL 110 DCI | |
MOTOR | |
Tipo | K9K 636, 1,5 dCi, L-4, comando por corrente, 2 válvulas por cilindro, Diesel |
Instalação | Dianteiro, transversal |
Material do bloco/cabeçote | ferro fundido/alumínio |
N° de cilindros/configuração | 4/em linha |
Diâmetro x curso (mm) | 76 x 80,5 |
Cilindrada (cm³) | 1.461 |
Aspiração | Turbocompressor de geometria variável |
Taxa de compressão (:1) | 15,5 |
Potência máxima (cv/rpm) | 110 / 4.000 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) | 26,5 m·kgf / 1.750 a 2.750 |
N° de comando de válvulas/localização | 1 /cabeçote |
Formação de mistura | Injeção direta na câmara |
TRANSMISSÃO | |
Rodas motrizes | Dianteiras |
Câmbio | TL4, manual 6 marchas à frente e uma à ré |
Relações das marchas (:1) | 1ª 3,727; 2ª 1,497; 3ª 1,323; 4ª 0,975; 5ª 0,763; 6ª 0,638 ré 2,545 |
Relação de diferencial | 3,56 |
FREIOS | |
De serviço | ABS com EBD |
Dianteiro (Ø/espessura, mm) | Disco ventilado, 280/24 |
Traseiro (Ø, mm) | Tambor, 229 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | McPherson, braço triangular inferior, mola helicoidal e amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira com assistência elétrica variável |
Voltas entre batentes | 2,7 |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 10,4 |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio 7J x 16 |
Pneus | 205/55R16 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.190 |
Carga máxima | 553 |
Peso bruto total | 1.743 |
Reboque máximo sem freio / com freio | 630 / 900 (só com motorista) |
CARROCERIA | |
Tipo | Monobloco em aço, 4 portas, 5 lugares |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | 4.121 |
Largura sem/com espelhos | 1778 / n.d. |
Altura | 1.566 |
Distância entre eixos | 2.616 |
Bitola dianteira/traseira | 1.531 / 1.516 |
Altura do solo | 170 |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,354 |
Área frontal calculada (m²) | 2,230 |
Área frontal corrigida (m²) | 0,789 |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas (banco ereto/rebatido) | 377 / 1.235 |
Tanque de combustível | 45 |
DESEMPENHO | |
Velocidade máxima (km/h) | 180 |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 11,4 |
Aceleração 0-1000 m (s) | 33,1 |
Relação peso-potência (kg/cv) | 10,8 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL (observado) | |
Cidade (km/l) | 17 |
Estrada (km/l) | 19 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 na última marcha (km/h) | 50,1 |
Rotação do motor a 120 km/h em 6ª (rpm) | 2.390 |
Rotação do motor na veloc. máxima (rpm) | 3.590 |
PREÇO (em Portugal, euros) | 24.830 |
GARANTIA | |
termo | 5 anos |
JJ