É fascinante o mundo da pesquisa em jornais e periódicos antigos. Pouca gente sabe, mas existe todo um mundo digitalizado ao alcance de todos na forma de acervos de jornais digitalizados! E mergulhar nesse mundo, além de fascinante, para quem gosta, vicia. Sempre acha alguma coisa para pesquisar.
Para a realização da matéria sobre Jimmy Doolittle e a sua importância na história da aviação, recorri ao acervo do jornal O Estado de S. Paulo (acervo digitalizado desde 1875, disponível para a assinantes) e aos arquivos do jornal Correio Paulistano, disponibilizado em versão digital na internet pela Biblioteca Nacional. E como acabamos consultado um pouco de tudo, acabamos pesquisando sobre outros assuntos, deparando-me com uma série de anúncios e notícias sobre o mundo dos automóveis, num fascinante viagem no tempo que, entre outras coisas, nos mostra que se muita coisa mudou, outras nem tanto…
Para compartilhar a viagem nesse espaço, vali-me de algumas propagandas e notícias veiculadas nos jornais Correio Paulistano, A Gazeta de São Paulo, Lavoura e Commercio e Diário Nacional.
ANÚNCIOS
Nesta propaganda institucional de 1929 é exaltado o tamanho da General Motors, ressaltando que somente uma empresa que “faz compras em quantidades enormes”, adquirindo “melhor qualidade por preço muito baixo”, algo que ocorre com “todos os outros materiaes: vidro, madeira, motores e rodas”.
Esse caminhão de 1929 tinha como destaque a introdução no mercado do motor de 6 cilindros “pelo preço de um caminhão de quatro”
Esse motor já vinha com válvulas no cabeçote e bomba de aceleração no carburador, algo até então inédito. Esse seis-em-linha é o precursor dos motores GM 6-cilindros imortalizados entre nós com o Opala, picapes série 10 e 20, Silverado e Omega.
Interessante dessa propaganda é a ênfase na questão dos “6 freios”: Um por roda além do freio de estacionamento com ação nas rodas traseiras, com lonas independentes dos freios de serviço. Ressalta também a facilidade de regulagem dos freios através de porcas externas, uma facilidade até mesmo para as senhoras, e a presença de para-brisa “triplex”que não desprende estilhaços em caso de acidente.
Um carro que usava esse esquema “6 freios” era o Vectra “A”: além dos freios a disco nas 4 rodas, o freio de estacionamento, de sapatas convencionais, atuava dentro uma pequena campana acoplada aos discos traseiros, mesma solução do Omega.
Outra propaganda institucional da General Motors ressalta o desenvolvimento dos motores de partida na indústria, nos laboratórios da Delco. Também fala do aperfeiçoamento de algo inventado até então, há pouco tempo: o câmbio sincronizado. E de uma “tampa de cylindros”, o nosso conhecido cabeçote.
Nestes dois anúncios, a Theodor Wille & Cia. Ltda. ressalta a beleza, a distinção e os aperfeiçoamentos dos Pontiacs.
No primeiro, em especial, alguns detalhes de ordem técnica saltam à vista: motor 8-cilindros em linha, Starterator (partida e acelerador combinados no pedal do acelerador) e finalmente o interessante Gaselector, um avanço (literalmente) para a época.
Naquele tempo, a gasolina não tinha um número de octanas definido, variando conforme a procedência da matéria-prima. Era comum abastecer o carro e o motor enfrentar a temida detonação (“batida de pino”), um fenômeno então há pouco compreendido. Assim, a solução encontrada para emprego de qualquer gasolina era regular o avanço inicial de ignição, adiantando-o para combustíveis melhores ou atrasando-o para combustíveis inferiores. Esse controle era feito diretamente no distribuidor onde havia a régua do Gaselector. Bastava afrouxar os parafusos da base do distribuidor e ajustar por tentativa e erro visando obter o maior avanço sem ocorrência da detonação.
A Fiat, representada pelas Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo, ressaltando o baixo consumo de seus carros. Também foi mote da campanha de lançamento do Fiat 147, 50 anos depois.
Neste anúncio do Oldsmobile chama a atenção, além das inovações técnicas como os freios hidráulicos e a carroceria totalmente em aço, o apelo pelo status em possuir um veículo Oldsmobile.
Na lista de proprietários de Oldsmobile, conhecidos nomes da elite paulistana dos anos da década de 1930, entre eles grandes cafeicultores (como Antenor de Lara Campos, Adalgisa Santos Dumont, Domingos Assumpção), empresários e políticos (como Francisco Salles de Oliveira, Wallace Simonsen e Paulo Machado de Carvalho), um notário importante (Octavio Uchôa da Veiga) e mesmo o loteador de bairros como Jardim América e Cidade Jardim (Horácio Sabino).
Nesta notícia, veiculada no jornal Correio Paulistano, os resultados de prova São Paulo-Ribeirão Preto-São Paulo ocorrida em 1 e 2 de outubro de 1924. O veículo Marmon realizou o trajeto no tempo de 4h50’10”. A volta foi feita em 5h05′.
Considerando as estradas da época bem como os carros, a prova, além de ser de resistência, foi feita em tempo recorde, lembrando que esse tempo cronometrado foi dos veículos em movimento, pois houve uma parada compulsória na cidade de Araras.
Contribuiu muito para a pontuação do vencedor o fato de este ter conservado os lacres, no capô, na tampa do radiador e nos pneus. Ou seja, não houve a necessidade de parar para adicionar água, outro feito notável para a época. Essa prova rendeu, para a Cássio-Muniz outros frutos, como um filme documentário narrando o reide realizado com um Oldsmobile apenas em terceira marcha (a última) por diversas cidades da região da Mogiana, estado de São Paulo. O filme foi exibido no mais tradicional cinema de São Paulo da época, o Cine República.
Essa prova também serviu para divulgar a qualidade dos lubrificantes. A empresa Assumpção & Cia aproveitou para divulgar sua representação dos lubrificantes Veedol, uma marca que existe até hoje em muitos países, menos no Brasil (www.veedol.com).
Aproveitando a deixa dos lubrificantes…
A Anglo-Mexican Petroleum Company, precursora da Shell produzia a gasolina Energina e o famoso (para a época) lubrificante Swastika. Inclusive o símbolo da Anglo-Mexican era a cruz suástica, um símbolo religioso-místico empregado desde a Era do Bronze e que no século 19 e início do século 20 carregavam, o simbolismo de “boa sorte”. Somente com a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha nos anos 1930 é que a cruz suástica adquiriu o sentido negativo atual e é um símbolo banido em muitos países. Note que suástica do lubrificante era orientada para esquerda, enquanto a da Alemanha era para a direita.
A própria Anglo-Mexican, na década de 1930, por motivos óbvios, abandonou a suástica (e o próprio lubrificante “Swastika”) e adotou a concha, símbolo da empresa até os dias atuais.
OS PROBLEMAS COMUNS
Muitos problemas de antigamente são desconhecidos hoje. Ferrugem, regulagem de distribuidor para não haver detonação, problemas no sistema de arrefecimento são questões praticamente desconhecidas atualmente. Todavia, outras dificuldades até hoje permanecem e não fosse a grafia antiga e a menção a marcas de automóveis inexistentes atualmente caberiam perfeitamente nos dias atuais.
Furto de automóveis já era notícia há exatos 90 anos e em quantidades até expressivas, se compararmos com a frota da época.
Estradas malprojetadas e malconservadas também eram alvo das manchetes de jornal. O emprego de normas arcaicas em sua construção também era motivo de queixa dos usuários e despertava a atenção dos jornalistas que publicavam essas manchetes, diferentemente do que vemos hoje, com jornalistas achando tudo correto o que os governos (em especial, os de esquerda) fazem e culpando a grandeza derivada (e amorfa) “velocidade” pelas mazelas do trânsito.
Por fim, governo sedento por dinheiro também não é exclusividade da Nova República. Lá na década de 1930, o Governo do Estado de São Paulo anunciava a venda de títulos da dívida pública (conhecidas por “Paulistinhas”), buscando atrair poupadores também com sorteios de prêmios.
Naquele tempo, o principal concorrente dos governos pelo dinheiro dos poupadores era as empresas que emitiam debêntures com sucesso e havia franco comércio de títulos. Hoje, o mercado secundário de títulos é fraco e o governo continua sedento por dinheiro, só que agora ele não anuncia mais nos jornais: toma diretamente na fonte, na medida que a principal aplicação financeira hoje, no Brasil, ainda são os títulos da dívida pública.
Por aí se vê que muita coisa evoluiu. Mas outras que deveriam ser lembranças de um passado remoto ainda sobrevivem e com mais força do que naquele tempo…
DA