Dinâmica da largada remete ao filme “Sully”, de Clint Eastwood. Ferrari vive replay do GP da Espanha em 1975. Pai de Max desabafa no Twitter.
Passados mais de dois dias desde que foi dada a largada para o Grande Prêmio de Cingapura, ainda se discute quem foi o culpado pelo “strike” que facilitou a vida de Lewis Hamilton, cada mais líder do Campeonato Mundial de F-1, agora com 28 pontos de vantagem sobre seu mais direto concorrente, Sebastian Vettel. O alemão é apontado pela maioria das pessoas como culpado de um acidente típico de corrida que, ao contrário do que afirmou o amigo Luís Roberto durante a transmissão da prova pela TV Globo, não foi a primeira catástrofe do gênero na história da Ferrari. Niki Lauda e Clay Regazzoni se envolveram em acidente semelhante no GP da Espanha de 1975, disputado no circuito de Montjuich (veja capa da revista italiana Autosprint ao lado).
Chegar à F-1 é coisa para poucas pessoas, raras até, basta considerar o número de garotos — e hoje em dia várias garotas —, que iniciam carreira no kart aos 5 ou 6 anos de idade e sonham em chegar à categoria. Mesmo assim, esses poucos e raros não deixam de ser humanos passíveis de cometer erros.
Vendo e revendo o acidente por diversas câmeras, de bordo e fixas, pode-se concluir que o maior erro cometido foi de comunicação: creio que Vettel e seu companheiro de equipe Kimi Räikkönen esqueceram de avisar Verstappen que cada um iria ultrapassá-lo por um lado da pista… Clique aqui para analisar pelo vídeo e pela sequência das fotos 1, 2 e 3.
Em uma inédita largada em piso molhado no circuito de Marina Bay, Vettel arrancou melhor que Verstappen (com quem dividia a primeira fila) e foi para a esquerda tentando se posicionar para primeira curva; ao mesmo tempo o holandês esboçou bloquear a passagem do alemão e se descuidou do ataque de Räikkönen.
Räikkönen também largou melhor que o piloto da Red Bull e, ao notar que a pista livre à sua frente ganhou largura inesperada, capitalizou toda a tração disponível em uma parte da pista pouco usada nos treinos. É lícito considerar que os dois pilotos da Ferrari consideraram a possibilidade de arrancar melhor que o adversário da Red Bull ao discutir a estratégia de largada antes do início da prova.
Ocorre que tudo isso aconteceu em questão de segundos e, mesmo que o sorocabano Djalma Fogaça (piloto experiente e que não gosta de facilitar a vida para nenhum concorrente, inclusive seu filho…) tenha apontado o dedo para Vettel, não custa lembrar que quando Räikkönen e Verstappen se tocaram o alemão já era líder sem que, aparentemente, o SF70H #5 tivesse tocado o RB13 nº 33. É indiscutível que essa manobra deixou uma avenida digna do aterro do Flamengo para Hamilton, como afirmou Fogaça, mas quem já viu o holandês pilotar na chuva certamente não agiria diferente nas circunstâncias, especialmente Vettel, piloto longe de ser um cavalheiro da estirpe de Daniel Ricciardo.
A dinâmica do acidente faz lembrar a saga de Chesley Sullenberger, experiente comandante da US Airways que salvou a vida de todos os 150 passageiros e cinco tripulantes a bordo de um Airbus A-320-214 ao pousar nas águas do rio Hudson, dia 15 de janeiro de 2009, em Nova York. Após decolar do aeroporto de La Guardia os dois motores do N106US foram danificados depois que o avião colidiu com um bando de pássaros. Ao invés de seguir as sugestões de controladores de voo que estavam em terra e desconheciam o cenário de potencial sinistro, “Sully”, como o comandante é conhecido por seus pares, confiou em sua avaliação e, sobretudo, sua experiência.
A grandeza do ato de Sullenberger não pode ser comparada com o prejuízo da Ferrari, mas o comandante chegou a ser questionado judicialmente por não ter escolhido o que auditores teóricos consideraram ser a melhor opção: voar até um aeroporto próximo. Ocorre que tal conclusão foi atingida após infinitos ensaios e com ajuda de computadores; enquanto o comandante daquele voo 1549 viveu o problema em tempo real e, com apenas uma chance de agir, cumpriu o que se esperava dele sem uma única perda humana. A analogia, porém, se aplica ao acidente de Cingapura: Vettel, Verstappen e Räikkönen tiveram escassos cinco segundos para definir suas ações e, neste quadro, quem teve seu carro atingido por último foi o alemão.
O GP de Cingapura teve outros elementos dignos de nota: o rendimento de pilotos como Carlos Sainz (quarto colocado), Jolyon Palmer (sexto) e Stoffel Vandoorne (sétimo). Curiosamente os três estão diretamente envolvidos no principal anúncio feito no fim de semana: a associação da Renault com a McLaren e a nova parceria da Honda com a equipe Toro Rosso. O mexicano Sérgio Pérez, que terminou em quinto, também foi confirmado para mais uma temporada na equipe Force India. O resultado da corrida de Marina Bay Cingapura e várias outras provas você pode conferir aqui.
Sainz, talvez aliviado de ter resolvido o destino próximo de sua carreira, conseguiu seu melhor resultado na F-1, o que aumenta as expectativas do que poderá obter na equipe Renault em 2018. Palmer, agora oficialmente ciente que não permanecerá na equipe francesa (provavelmente sequer na F-1) finalmente voltou a marcar pontos, a segunda vez que isso acontece em sua carreira na categoria.
O renascido Vandoorne até então jamais tinha apresentado rendimento tão próximo ao seu companheiro de equipe Fernando Alonso. Finalizando, nunca o conjunto McLaren-Honda foi tão competitivo! Em resumo, nada como trabalhar com vontade depois de resolver incertezas. Esta história seria bem diferente e o pódio até poderia ter sido ocupado por Vettel, Räikkönen e Verstappen. Bastava terem combinado com o holandês…
WG