Esta matéria é mais uma que foi sugerida por um dos leitores assíduos desta minha coluna no AE, cujo pseudônimo é “Mr. Car”. Ele aproveitou a matéria “Ultrapassando as 100 postagens” para colocar a sua dúvida/sugestão de matéria.
Ele escreveu o seguinte: “Em tempo, Gromow: conhece alguém que tenha uma Kombi transformada em motorhome, e que possa falar sobre ela, especialmente sobre o comportamento dinâmico? Acho muito bacanas, mas vejo dois problemas: nas que aumentam sua altura, como fica a questão da estabilidade? E em todas elas, como fica a questão do desempenho? A motorização original me parece muito pouca para a Kombi carregar uma “casa” no lombo. Também tem as questões das suspensões e dos freios: são feitos reforços? Creio que uma Kombi destas daria uma bela e interessantíssima matéria. Pense no assunto. ”
Eu topei o desafio e parti para o trabalho de colher dados para a matéria que ele sugeriu. A esta altura ele estava se referindo ao assunto como se existisse somente um tipo de aproveitamento da mecânica da Kombi e da Kombi em si para veículos destinados a acampamentos e aventuras. Só que não!
Vou me restringir tanto aos veículos nacionais que foram construídos para serem motor-casas (nome brasileiro de motorhomes, que consta dos certificados de veículos homologados, conforme definido pelo Código de Trânsito Brasileiro), como os que foram adaptados. O que existe no exterior daria um outro tanto de assunto a ser comentado. Mesmo assim, como o campismo em moto casas não é tão difundido, acredito que muitos de meus leitores e leitoras ficarão surpresos com a diversidade deste tipo de veículos que foram fabricados ou transformados no Brasil.
Pesquisando o assunto, comecei a desbravar esta realidade muito particular, que é composta por tribos de proprietários que se reúnem, se comunicam por grupos de WhatsApp e Facebook, além de sites específicos na internet, como se pode ver na foto de um dos encontros anuais do “Safaristas” – proprietários da versão Safari das moto casas fabricadas pela Karmann-Mobil:
Para poder colher dados para a matéria eu preparei um questionário e parti em busca de proprietários de moto casas para obter as respostas. O processo de se conseguir respostas para este questionário é que é o desafio deste trabalho. O Eduardo Gedrait Pires, do Sampa Kombi Clube, colocou seus sócios à disposição, contatos através de grupos específicos no WhatsApp, indicações, corpo a corpo e contatos pessoais.
Mas como existem vários tipos de moto casas a solução a seguir foi dividir a matéria em capítulos, e vamos seguir a seguinte sequência:
• Transformação Carbruno
• Construção Karmann-Mobile tipo Touring
• Construção Karmann-Mobile tipo Safari
• Transformação usando Kombi com teto elevado da Karmann-Ghia feita pela Minimax – Kombi Caracol
• Transformação de furgão da Marcopolo-Ivel por terceiros – Motorhome Marcopolo Kombi Invel
Sem esquecer que também existem transformações artesanais que também vamos ver; é realmente um mundo em si.
Transformação Carbruno
A primeira moto casa a ser pesquisada é a transformação feita pela Carbruno. A Carbruno S.A. Indústria e Comércio, de São Paulo (SP), era localizada na Estrada das Lágrimas, 3477, São João Clímaco. Foi um importante fabricante de “carrocerias sob encomenda para veículos em geral“, muito atuante entre os anos 50 e 70 e uma das pioneiras na adaptação de veículos, principalmente ônibus, picapes e VW Kombis, para utilizações especiais. Sua produção tipo consistia da transformação de utilitários em caminhonetas, ambulância, “radiopatrulha”, postos de atendimento médico, estandes de vendas e oficinas móveis. Foi de sua autoria a Kombi adaptada em motor-home apresentada pela Volkswagen no I Salão do Automóvel, em 1960.
Algum tempo depois a Karmann-Ghia do Brasil, fundada em 1960, também passou a oferecer uma conversão exatamente igual a esta, fato que, na época, levantou suspeitas de plágio. Possivelmente a própria Volkswagen do Brasil fomentou esta situação para poder oferecer um produto a partir de dois subfornecedores diferentes.
Seguindo a proposta desta matéria, fui atrás de pessoas que pudessem responder ao questionário e neste caso eu recebi respostas do amigo Fábio de Cillo Pagotto, filho do primeiro dono da Kombi da imagem destacada, que andou muito nesta Kombi desde menino. E também consegui respostas do amigo Zé Ricardo (José Ricardo de Oliveira), atual dono desta Kombi, que fez nela uma restauração primorosa. Inclusive, já está planejada uma matéria específica sobre esta moto casa tão especial. Seguem algumas fotos desta Kombi-Camping depois da restauração:
Vamos aos comentários do Fábio:
No aspecto do comportamento dinâmico, o Fábio comentou: “No caso da adaptação da Carbruno, o comportamento não muda muito, a não ser pelo peso extra, que torna o veículo um pouco mais lento na aceleração e requer mais cuidado nas frenagens. O motor 1200 sofre um pouco. A parte boa é que fica um pouco mais macia e muito mais silenciosa que uma Kombi normal. ”
Sobre a influência do peso adicional, e, dependendo do caso, da altura adicional, o Fábio ponderou que “O desempenho e as frenagens são afetados devido ao peso adicional. Quanto à altura, no caso da Turismo da Carbruno, apenas o bagageiro pode “enroscar” em árvores ou dificultar a entrada em garagens mais baixas. ”
Segundo o Fábio, “Este veículo é basicamente uma Kombi e não é necessário nenhum cuidado adicional ao dirigir. ”
Ao ser perguntado se o motor recebeu algum tipo de preparação para aumentar seu desempenho, disse o Fábio: “Não, era o motor original, mas, depois de alguns anos, meu pai trocou-o por um 1500 e melhorou muito o desempenho (inclusive por usar o câmbio do 1200 – mais curto) mas o consumo aumentou muito e a autonomia acabou sendo prejudicada. “
A suspensão não recebeu nenhum tipo de reforço e/ou retrabalho, disse.
No quesito cuidados adicionais em termos de segurança e de eventual risco adicional aos passageiros, o Fábio ponderou: “Atualmente teríamos muitas restrições quanto à segurança, por exemplo, não existiam cintos de segurança para nenhum dos ocupantes. E hoje não teríamos segurança em estacionar como antigamente, em uma praia na orla, por exemplo. “
Segundo o Fábio, não é necessário nenhum cuidado adicional nas manutenções, tampouco revisões estruturais especiais.
Dada a experiência do Fábio com este carro, ao se referir ao passado ele não tem como informar se existe algum aumento de custos por ser um carro transformado, tipo IPVA, seguro, quando comparado com um carro normal.
Os pais do Fábio não usaram esta Kombi no que chamamos, hoje em dia, de aventuras maiores. Segundo ele “Esse carro foi usado pelo meu pai apenas em “aventuras” curtas, mas que na época não eram usuais.”
Concluindo a sua participação neste trabalho, o Fábio deixou o seguinte comentário:
“A Kombi foi utilizada para camping, ou motorhome, moto casa ou mesmo como “dormitório temporário” em diversos lugares do planeta. Na Alemanha, inicialmente existia a versão ‘Camping’ e, depois destaque para a Westfalia que possuía um teto escamoteável que permitia que um adulto ficasse de pé e aumentava a ventilação e área interna. Da mesma forma sabemos de empresas transformadoras na Holanda e Inglaterra. Os surfistas americanos, em especial na Califórnia, adotaram a Kombi como estilo de vida para explorar as melhores praias sempre ‘morando’ na Kombi.”
No Brasil, a empresa Carbruno que, originalmente, era fabricante das famosas “Camas Bruno”, cujo dono tinha proximidade com o presidente da Volkswagen brasileira, F. W. Schultz-Wenk, apresentou a Kombi Turismo no I Salão do Automóvel, no Ibirapuera, em 1960. Era baseada no projeto da Camping alemã, com excelente acabamento e versatilidade. Foi capa da Quatro Rodas nº 7 com o casal John Herbert e Eva Wilma, artistas em grande evidência na época, acampando numa praia.
Infelizmente, hoje o campismo está em baixa no país. Temos pouca infraestrutura de campings para receber e pouca segurança em estacionar em outros lugares, como postos de gasolina ou mesmo estacionamentos. Outro fator é a legislação que obriga habilitação especial para conduzir um motor home ou trailer com reboque.
Já para o Zé Ricardo esta Kombi é um carro de coleção e ele a tem há pouco tempo, sendo que sua experiência é baseada nas viagens que fez para participar de eventos. Aliás, a foto de abertura mostra a Kombi que agora é dele exposta na área externa do Salão do Automóvel de 2016, num evento patrocinado pela Volkswagen; mas no final do dia ela passou para a parte interna do salão e passou a comemorar o fato de ter voltado ao salão 56 anos depois!
Existem várias transformações semelhantes de Kombis para moto casas e certamente estes comentários podem ser considerados para estes veículos, guardadas as respectivas proporções. No caso trata-se de uma Kombi T1, e se for uma Kombi T 1,5 ou uma T2 já com motor arrefecido a água a motorização já é bem melhor.
Navegador das partes desta matéria:
Parte 2 – Karmann Mobile Touring
Parte 3 – Karmann Mobile Safari
Parte 4 – Kombi Caracol da Minimax
Parte 5 – Marcopolo-INVEL
AG