Vamos a mais um causo do Afrânio Benzaquem de Souza, desta vez com um final incrível, onde um Fusca vira protagonista de uma solução surpreendente.
SALVO POR UM… FUSCA!
Por Afrânio Benzaquem de Souza
Minha experiência automobilísica foi quase toda obtida num Fusca, que adquiri novo, em 1970, com o qual cheguei até 1999. Rodei, nesses anos todos, sem nenhum contratempo sério.
O mesmo não aconteceu com um carro da minha mulher. Em 1980, ela foi contemplada, num consórcio, com um utilitário que chamarei de Belindra. Esse carro, desde novo, tinha uma tendência a indicar a temperatura do motor um tanto elevada. Isso foi reclamado na concessionária e considerado normal.
Um ano depois, fiz uma viagem ao interior, 500 quilômetros pela BR-101, até Canavieiras. A temperatura, no limite do aceitável. Contudo, confiei na informação anterior.
Mas, na volta, a 150 quilômetros de Salvador, num domingo à tarde, a coisa degringolou-se. Ouvi um repentino barulho de válvulas batendo e jatos de vapor saíam do capô. O motor fervia e resfolegava. Era próximo à cidade de Cruz das Almas.
Não havia comércio aberto e um mecânico improvisado fez um conserto no radiador. Durou exatos trinta quilômetros. Aí começou a minha odisseia. Parava o carro, esperava esfriar um pouco, pegava um galão de água nos córregos e nas casinhas de beira de estrada, alimentava o radiador avariado e avançava cinco ou seis quilômetros. Enquanto isso, pensava em meu Fusca, que nunca dera vexame em viagem e prescindia daquele refrigerativo artefato… O pior é que já anoitecia e tinha a mulher e mais três crianças no carro.
Aos trancos e barrancos, cheguei a um posto Esso e um gerente de nome Rômulo interessou-se pelo meu problema. Disse ter um amigo na cidade próxima, Feira de Santana, 27 quilômetros distante, proprietário de uma loja de autopeças. Ofereceu-se para levar-me, gratuitamente, na caminhonete do posto. Aquilo foi um achado!
Chegamos na hora exata em que o comerciante cantava “parabéns pra você”, pelo aniversário do filho, no pavimento de cima do mesmo prédio, que também era a loja. Ele desceu prestimosamente, revirou caixas e prateleiras, mas não encontrou o radiador daquele malfadado veículo. Contei até dez para manter a calma e não dar um troço…
De volta ao posto, vínhamos os dois silenciosos e introspectivos. De repente, Rômulo falou: “Acho que já tenho a solução. Vou lhe emprestar o meu carro… É um Fusca…”
Quase não acreditei! Mas como?!… Tentei resistir… Você não vai precisar dele? “Nesse momento, quem precisa é você… Pegue o carro, bote sua família e termine sua viagem… Nem necessito dele de volta amanhã… Resolva como quiser…” Foi o que me respondeu. Não perguntou meu nome, endereço nem telefone. Por minha livre iniciativa, entreguei um papelzinho com os dados a um funcionário seu.
O Fusca era branco, 77 ou 78. Na verdade, o ano nem contava, pois era como um anjo a me acolher. Foi a direção mais leve que fiz até hoje. Rodei os 100 quilômetros restantes como se flutuasse entre nuvens… Quase acreditei que o carro tinha asas… Cheguei em casa descansado e exultante!
No dia seguinte, voltei com o radiador. Aos meus agradecimentos, Rômulo respondia impassível e quieto, sorrindo de leve, de vez em quando. Como se ações desse tipo fossem, em sua rotina diária, comuns. Sujeito extraordinário como aquele nunca mais eu vi!
Enfim, proprietários de Fuscas têm muito a dizer, partilhar, transcender… Em horas precisas e raras, a comunicação pode surgir. Isso pode vir, telepaticamente, no verdadeiro silêncio do ser…
Mesmo que o papo simplesmente comece por um radiador furado… dum carro outro qualquer!
O Afrânio já é nosso bom conhecido, já que contribuiu com vários causos muito bons, escritos primorosamente. Mas para que não o conhece ainda e seus dados podem ser vistos no causo ELES TÊM ARTES… DO CÃO! , os outros causos dele são: ECONOMIA… DE MENTIRINHA , VACAS AFETUOSAS . Fico muito grato com esta participação do Afrânio, a quem agradeço.
AG