O segredo do último Fusca finalmente revelado
A história recente do Fusca no Brasil oculta aspectos que, se não fosse a existência de verdadeiros detetives automobilísticos, se perderiam no limbo das chamadas lendas urbanas. Para complicar mais ainda esta situação, em muitos casos as informações ficam ocultas e apesar de pesquisas exaustivas vários aspectos permanecem condenados ao campo das hipóteses. Esta situação, por sua vez, fomenta mais ainda o surgimento de outras lendas urbanas.
Esta matéria vai apresentar o resultado que o perspicaz pesquisador automobilístico André Hak Joo Chun conseguiu alcançar em busca da verdade sobre o seu Fusca placas CGB 4645 chassi 9BWZZZ113TP006619 que é o último Fusca fabricado (ou montado) no Brasil (o número 6619 será usado para identificar este carro no restante deste trabalho).
Todo o trabalho de pesquisa feito até agora pelo André mostra como é complexa a procura de dados que envolvem a fabricação de carros pela Volkswagen do Brasil, em especial quando estes carros são, de alguma forma, “especiais”. Não há dúvida que o último dos últimos é um Fusca muito especial, principalmente quando o caro leitor e a cara leitora progredirem no relato do André que será publicado adiante e observarem que a documentação deste carro leva a entender que ele surgiu depois do encerramento da fabricação de Fuscas no Brasil.
O André, além das pesquisas em banco de dados e outras fontes, se vale dos contatos com as pessoas que de alguma forma podem ajudar na formação deste gigantesco quebra-cabeça. Mesmo estando baseado atualmente em Munique, na Alemanha, ele já contatou milhares de pessoas no Brasil por telefone e pela internet. E foi assim que nós nos conhecemos.
Como este é um assunto complexo, e por respeito ao trabalho do André, o material que ele enviou será publicado como recebido, e que, sem dúvida alguma, traz consigo uma boa dose de polêmica, mormente devido à dificuldade de obtenção de todas as confirmações que seriam necessárias neste caso. Seguramente poderemos ver que tudo foi resultado de muita pesquisa, investimento em tempo e dinheiro e, sobretudo, paciente perseverança.
HISTÓRIA PRÉ-6619
Contada por André Hak Joo Chun
No início dos anos 2000, eu acabei adquirindo um Fusca “Itamar” branco 1993. Comprei o carro porque estava novo e porque eu o achava lindo (não tive histórico prévio com Fuscas, pois nunca entrou um Volkswagen arrefecido a ar na casa dos meus pais). Esse carro viu meus filhos nascerem e sempre íamos à loja de doces com o Fusquinha.
Já em 2014, recebi uma proposta de transferência para a Alemanha e acabei vendendo o “Itamar”. Nunca fui a encontros nesses mais de 10 anos que fiquei com o meu. E, na verdade, eu não entendia nada de Fusca.
Já instalado na Alemanha. meu filho mais velho, que já morava por lá, se lembrou das voltas de Fusca e me perguntou: “Por que você vendeu nosso carro? O dinheiro estava fazendo falta?” Isso doeu. Fui atrás do meu antigo Fusca, mas não quiseram me vender o carro de volta, mesmo com a oferta de um valor acima daquele pelo qual eu o havia vendido. Sem a opção de ter meu antigo Fusca de volta pensei: “Vou atrás de um Fusca Série Ouro”. Assim o fiz e comprei um Série Ouro cor prata pela internet, compra virtual mesmo.
Com este Fusca Série Ouro eu fui conhecendo amigos como Hamilton e Fernando, que de cara me disseram que existiam poucos Série Ouro brancos e que eram cerca de 50 (até aquele momento pensei que só houvesse Prata, Dakar e verde Nice). Também me disseram que existiam Fuscas Série Ouro pretos que haviam sido feitos para a diretoria. Hamilton tinha escutado que eram três e Fernando, que eram de cinco a dez.
Pesquisando na internet verifiquei que a voz corrente dizia que os Fuscas Série Ouro iam do número de chassi 5000 ao 6500 e também que haviam 250 na cor Dakar. Com tudo isso em aberto, eu decidi ir atrás de informações corretas sobre estes carros. Sim, pois eu decidi que se realmente existissem Fuscas Série Ouro pretos e brancos eu iria tentar comprar um de cada para mim. Seria melhor ainda se os respectivos números de chassi fossem mais altos.
Isso posto, fui atrás das informações reais e lancei mão de diversos meios, tais como sites pagos que fornecem informações gerais do carro a partir dos números de chassi; e com isto acabei investindo um bom dinheiro nestas pesquisas. Através deste expediente eu consegui montar a lista de produção dos Fuscas Série Ouro, e o resultado resumido desta pesquisa é o seguinte:
– A numeração de chassi dos Série Ouro não começa no número 5000, mas sim depois do número 5200 e a numeração não termina em 6500, mas passa de 6600;
– O número de Série Ouro produzidos não chegou aos 1500 propalados. Na verdade, não chegou a atingir nem 1400;
– Não havia registro de Série Ouro preto. O último Fusca preto produzido foi o chassi 4936, fora da numeração de Série Ouro, e em contato com o proprietário, foi possível ver que ele era um Itamar comum;
– Foram feitos apenas 170 na cor Dakar e não 250 como tinha sido dito para mim;
– Existiam pouco mais de 110 Fuscas brancos e não apenas 50 como também era dito.
Existem muitos outros detalhes que foram pesquisados, mas listá-los aqui certamente seria demasiado extenso. Como não existiam Série Ouro pretos, eu resolvi ir atrás de um Série Ouro branco, infelizmente, eu não encontrei nenhum nas condições que eu buscava (é sabido que quase todos, senão todos, os Série Ouro brancos foram parar nas mãos das estatais paranaenses).
Em paralelo, fui avançando com a lista chassi a chassi e quando terminei, o que me chamou a atenção é que a denominação “Fusca Série Ouro” não ia até o último chassi. Tinha um Fusca denominado “VW FUSCA 1600” lá no final da lista, como se pode ver na tabela abaixo (extrato da tabela que eu compilei como descrito acima):
Até então, pensava-se que o último Fusca que saiu da linha de produção era um Série Ouro. Diferentemente do que ocorreu na produção do Última Série, em 1986, quando foram fabricados os 850 Últimas Séries intercalados com Fuscas “normais”, num total de 3.000 chassis produzidos desde o primeiro Última Série até o final da fabricação desta primeira fase. Na produção dos Série Ouro foi fabricado somente este tipo de carro, à exceção das primeiras unidades que dividiram a linha com 10 Fuscas “Itamar normais”, mas depois a produção de Séries Ouro foi contínua até o final da produção.
Na foto abaixo, que mostra o final da linha de produção do Fusca “Itamar”, foi tirada no dia 25 de junho de 1996 para registrar o final da linha de produção destes carros, aparece um Série Ouro branco; estes entraram em produção no quarto e último dia de produção. Estima-se que até o fim da produção, que ocorreu entre o dia 29 e 30 de junho, ainda devam ter passado por este portal no máximo 320 Fuscas, considerando a média de 72 carros dia.
Já se sabia que, no quesito documentação, não havia lá muita homogeneidade. Por exemplo: o meu Fusca TP006218 constava como Série Ouro no documento, já no certificado de meu Fusca TP005631, embora com a nota fiscal mencionando ser um Fusca Série Ouro, constava apenas VW/Fusca 1600. Diante dessa falta de homogeneidade, eu presumi que o Fusca 6619 poderia vir a ser um Série Ouro, porque depois de montar cerca de 1400 Série Ouro seria difícil que ainda tivessem sobrado peças em estoque para montar um outro “Itamar”.
Outro detalhe que me chamava a atenção foi a letra inicial da placa do 6619, pois todos os Série Ouro brancos que levantei tinham placas iniciadas com a letra A (emitidas no estado do Paraná) e o 6619 começava com a letra C. Seria o 6619 um raro Série Ouro branco que não tinha parado nas mãos de estatais?
Poderia o Fusca 6619 ser produzido antes do 6618 ou mesmo antes de começar a produção dos Série Ouro? Conversando com dois amigos que foram engenheiros da Volkswagen, eles disseram que essa possibilidade não era plausível, pois a linha era única e a produção dos chassis não tinha como sair da sequência cronológica. Logo, 6619 foi montado depois do 6618.
A curiosidade me atormentava muito e eu consegui o sonhado contato com o dono do 6619 em meados de 2016. Depois de me apresentar, mesmo morando em Munique, o Dr. Marcos me atendeu de maneira extremamente gentil, e me explicou como adquiriu o carro. Mostrou-me que o 6619 não era um Fusca Série Ouro e também que o carro não se encontrava à venda (balde de água fria…). Após longa conversa, relatei a ele minhas pesquisas e descobertas e pelas fotos do carro o mesmo se mostrava impecável e em excelente estado de conservação! Ele estava com somente 12.411 km o que era atestado pelos pneus Firestone F560 originais, todos datados de 1996.
O Dr. Marcos utilizava o carro nos fins de semana e o deixava numa garagem individual sem chances de tomar “portadas” de outros veículos. Neste ínterim, o carro não saía na chuva em hipótese alguma. Ele tinha adquirido o carro em 2015 e havia rodado apenas 200 quilômetros.
As conversas regulares com o Dr. Marcos sobre Fuscas continuaram por meses, e ao expor detalhes dos Fuscas Série Ouro o Dr. Marcos acabou por se interessar pelo modelo e me revelou que venderia o Fusca chassi 6619 mediante a possibilidade de o substituir por um Fusca Série Ouro extremamente original. Por sorte, eu estava tratando a compra de um Série Ouro impecável com o Sr. Germano (chassi 5460) e mediante meu interesse no 6619, cedi a compra do 5460 para o Dr. Marcos e adquiri dele o sonhado Fusca 6619.
Todos meus amigos do grupo de Série Ouro não me apoiaram e me disseram que eu era louco em pagar uma fortuna por um carro baseado em pesquisas sem confirmação. Eles tinham razão mesmo, ainda mais porque com o dinheiro investido (hoje eu considero o dinheiro gasto um investimento) era possível pegar um Série Ouro Dakar.
O Fusca chassi 6619: histórico do último Fusca produzido no Brasil
Agora, com o Fusca em minhas mãos, eu precisava desvendar alguns enigmas:
Por que esse carro tem chassis mais alto que os Série Ouro?
Em que condições esse carro havia sido produzido?
Por que foram fazer um “Itamar normal” e não um Série Ouro?
Para aumentar a minha curiosidade, um amigo meu, que trabalha na Volkswagen há quase 30 anos, confirmou ter presenciado a desativação da linha de montagem do Fusca “Itamar” logo após a passagem do último Série Ouro.
Resolvi começar a análise pelo manual do 6619, que fica comigo aqui na Alemanha (assim como o documento de transferência) e pude ver que houve dois proprietários antes do Dr. Marcos, que foi o terceiro:
Sabendo o nome dos proprietários, comecei a pesquisa sobre o primeiro deles, o Sr. Itagyba Nogueira de Sá, e descobri que ele havia nascido em 1907 e que tinha falecido em 2000.
Pesquisei em várias fontes de informação: no Facebook, no Linkedin, na internet e na lista telefônica… Tentei achar informações que me dessem algum indício que pudesse me levar aos Nogueira de Sá, sem sucesso algum.
Outra coisa que chamou a atenção no manual foi a entrega do carro datada de 30 de agosto de 1996, fato bastante raro pois no dia 10 de julho a Volkswagen já havia entregue as cartas aos proprietários dos Fuscas Série Ouro, indicando que tudo tinha sido vendido. Meu amigo Che tem um Série Ouro único dono, chassis acima de 6000 e a retirada dele se deu no fim de junho de 1996. Era o indício de que algo especial aconteceu com o 6619.
Sem maiores informações do primeiro proprietário, fui atrás do segundo, o Sr. Casimiro Payá, que deixou o número de seu celular no manual, o que facilitou a minha vida. A conversa, em resumo, trouxe a informação de que o Sr. Casimiro não conheceu o Sr. Itagyba, mas soube da existência deste carro através de um gerente da Sabrico que lhe deu os detalhes do Fusca que tinha sido posto à venda. O Sr. Casimiro relatou um fato muito importante, que me permitiu sonhar um pouco mais alto: ele contou que quando foi buscar o carro, ele viu um quadro com logo da VW com agradecimentos ao Sr. Itagyba. Pena que ele não se lembrava do que estava escrito no quadro que não lhe tinha sido entregue.
A esta altura passei a saber da metade da vida desse carro, de abril de 2006 até meados de 2015: o Sr. Casimiro Payá rodou 2.700 km nos nove anos em que teve o carro, que sempre fez todos os serviços em concessionárias Volkswagen (o que sempre foi comprovado por carimbos no manual). Em tempo, ele havia revelado que decidira vender o 6619 porque já não aproveitava mais os carros antigos e que nenhum dos filhos quis ficar com ele — para sorte minha. Pelas informações disponíveis naquele momento, fomos levados a entender que o Sr. Itagyba tinha sido um alto executivo da Volkswagen. Mas isto ainda não respondia à questão do porquê o carro saiu depois dos Série Ouro. A especulação que o Sr. Itagyba tivesse sido um alto executivo da Volkswagen, a contar pela carta, esbarrou numa questão crucial: seria possível ele estar trabalhando aos 89 anos de idade?
Abaixo uma foto de 2015, no momento da venda do Sr. Casimiro ao Dr. Marcos, de Londrina. O carro tinha 12.150 km:
Passaram-se uns meses e num belo dia consegui achar documentos de inventário do Sr. Itagyba. Lá era mencionado o nome de uma das filhas, que era a inventariante. O nome dela é Maria Lúcia, o que me levou a encontrar homônimos. Numa tentativa de falar com a Sra. Maria Lúcia, filha do Sr. Itagyba, acabei falando com uma outra Sra. Maria Lúcia que não era filha do Sr. Itagyba, mas que tinha um livro sobre a família Nogueira.
A Sra. Maria Lúcia (homônima), então, me enviou algumas páginas com os descendentes do Sr. Itagyba:
Com esse livro acabei sabendo de todos os filhos e netos do Sr. Itagyba, o que me permitiu chegar ao seu neto, Sérgio, e foi a partir daí que consegui o contato com os atores vivos da história do 6619. Por fim!
Sérgio se lembrava muito do Fusca e imediatamente me colocou em contato com sua mãe, a Sra. Maria Lúcia (dessa vez a real, não a homônima) que possuía muitos detalhes desse Fusca, inclusive umas fotos que a VW deu para a família logo depois da entrega festiva do carro.
Disse que o carro foi entregue com um grande laço vermelho (como se pode ver na imagem de abertura desta matéria). Ela, então, me disse que iria procurá-las e que enviaria cópias digitalizadas para mim.
A Sra. Maria Lúcia me disse também que o pai dela nunca tinha trabalhado na Volkswagen. Como o Sr. Casimiro mencionou um tal quadro, aproveitei e indaguei a Sra. Maria Lúcia sobre ele e ela me respondeu: “Tem sim. É um que ficava no escritório do papai”. Meu caro amigo Gromow: fiquei em êxtase, o coração disparou e os dias e as noites não passavam. Simplesmente não conseguia dormir.
Me recordo de ter tido que ir para a empresa muito cedo, porque eu teria uma reunião via internet com nossa subsidiária australiana e, depois, eu tinha que ficar até um pouco mais tarde para uma reunião com nossa subsidiária brasileira.
Já na empresa, no dia 1º de agosto de 2017 às 10h02 no horário do Brasil, no meio de uma das reuniões começaram a chegar algumas mensagens no meu WhatsApp vindas do grupinho que a Sra. Maria Lúcia havia criado para envolver a família no contato comigo. Eu estava num desespero enorme, querendo ver o que chegava e ainda tinha que falar sobre assuntos profissionais. Dei uma pequena olhada no visor e me deparei com essa foto:
Olhei a foto acima de relance e fiquei em êxtase na reunião toda, que por sinal não acabava nunca!!!!
Depois de um século a reunião terminou e, claro, fiquei por horas vendo as fotos (faltei à aula de alemão). Depois de examinar as fotos, detalhe a detalhe, fui agradecer a Sra. Maria Lúcia e ao Sérgio por um presente tão maravilhoso como este e recebi a seguinte resposta:
Aproveitei para contatar o neto Sérgio para ver como esse carro havia ido parar nas mãos do avô dele e ele me respondeu assim: “Ah, acho que pode ser que meu tio, o Ricardo, que trabalhou na Volkswagen, tenha conseguido o carro”.
Então o Sérgio fala de mim ao tio dele, Ricardo Luiz dos Santos Carvalho, e este enviou um e-mail contando como o carro acabou sendo entregue a seu sogro, Sr. Itagyba. A história toda pode ser lida neste importante e-mail de 8 de agosto de 2017 reproduzido abaixo:
Boa parte do quebra-cabeça foi resolvido: o Sr. Itagyba, do alto de seus 89 anos, solicita um Fusca ao seu genro, Ricardo L. S. Carvalho, que nesse tempo trabalhava num posto do alto escalão da Volkswagen do Brasil (diretor jurídico e de Relações com o Governo e Indústria), e dada a grande amizade com o Miguel C. Barone (vice-presidente de Vendas e Marketing da Volkswagen do Brasil), a fabricação do 6619 iria acontecer. O alto executivo da Volkswagen que o Sr. Casimiro mencionava acabava de o ter determinado.
Esse pedido do Sr. Itagyba seguramente deu lugar a uma bela dor de cabeça ao Sr. Ricardo L. S. Carvalho e ao vice-presidente Miguel C. Barone, porque a linha de produção simplesmente não existia mais e tampouco havia Fuscas em estoque mais. Daí a data de entrega do 6619 ser tão depois da linha de produção ter sido desmontada.
O carro é então produzido, fora da linha e enviado à concessionaria Sabrico, que faz a revisão de entrega dele no dia 30 de agosto de 1996, conforme anotado no manual do carro (vide foto acima).
Uma das muitas curiosidades desta história é que o 6619 foi faturado diretamente pela Volkswagen, conforme indica pesquisa feita em um dos sites pagos que eu consultei. Em regra, a nota fiscal é emitida pela concessionária e não diretamente pela Volkswagen do Brasil:
Este fato é confirmado pela cópia do Certificado de Registro do Veículo, quando o carro estava no nome do Sr. Itagyba Nogueira de Sá, conforme a reprodução abaixo:
O carro ficou uns dias na concessionária para ser licenciado e emplacado, fato que ocorreu no dia 13 de setembro de 1996 (curiosamente, sexta-feira 13). A pesquisa foi aos mínimos detalhes:
Pesquisa do dia no qual o 6619, placas CGB-4645, foi emplacadoNessas condições, o Sr. Itagyba recebeu o carro através da concessionária Sabrico da avenida Antártica, que era a concessionária mais antiga e mais tradicional da Volkswagen no Brasil (se bem que a partir de 2001 a Sabrico já estava fora do Grupo Brasmotor) e que, além do mais, ficava nas proximidades da residência do Sr. Itagyba (ele residia em Perdizes). Uma combinação bastante feliz para a cerimônia de entrega de tão importante carro.
Todas as fotos a seguir foram enviadas pela Volkswagen para o Sr. Itagyba e eu as recebi da Sra. Maria Lúcia, que as digitalizou e enviou por WhatsApp:
Por se tratar de um carro singular, uma cerimônia é realizada, com direito a um belo e importante quadro (o tal quadro que o Sr. Casimiro dizia) mais à direita da foto abaixo:
Foi dado início às cerimônias e a carta emoldurada, o tal quadro, foi lida para o Sr. Itagyba por Gustavo Schmidt, gerente-geral da área de Vendas da Volkswagen do Brasil. Ele era subordinado ao Sr. Miguel C. Barone e estava representando a Volkswagen naquele evento. Na foto abaixo os presentes na entrega do 6619:
Além disto, o livro “A História de um Símbolo” foi oferecido ao casal. Seguiu-se um brinde pela entrega do carro.
E o carro foi então inspecionado pelo Sr. Itagyba, pela esposa, a Sra. Brasília Rodrigues de Sá e a filha Maria Lúcia. A filha Maria Helena também esteve presente na solenidade de entrega.
A importante carta da Volkswagen, emoldurada, que formou o quadro que o Sr Itagyba recebeu, tem os seguintes dizeres:
Quero acreditar que os dizeres” Mais do que simplesmente vender um produto, a entrega do último Fusca, ao amigo e aliado Sr. Itagyba…” expressem por si só o fator histórico atrelado ao 6619. Ele simplesmente encerra a produção do ícone Fusca no Brasil.
Também tive acesso à muito bem-redigida carta de agradecimento do Sr. Itagyba, reproduzida abaixo:
Chamo a atenção para a menção ao último Fusca que o Sr. Itagyba também faz em sua carta: “… no ato da entrega do último Fusca…”
Tendo recebido o carro, a Sra. Brasília passou a usá-lo em seu cotidiano, pois o Sr. Itagyba raramente dirigia. O motorista da família usava o carro também, e não raro o Sr. Itagyba pedia ao motorista para fazer caminhos que davam algumas voltas no bairro das Perdizes. Um dos destinos frequentes era o restaurante Macedo, onde ele gostava de almoçar; este restaurante da rua Monte Alegre funciona até hoje.
Sr. Itagyba veio a falecer no dia 14 de dezembro de 2000 e a Sra. Brasília, depois de tramitado o inventário, passa ser a nova proprietária do 6619, conforme o documento abaixo, datado de 23 de julho de 2003:
A Sra. Brasília continuou utilizando o carro, levando sobretudo netos e bisnetos à escola, fazendo compras de supermercado, até vir a falecer em dezembro de 2004; ou seja, o carro até então não foi usado como carro de coleção.
O 6619 ficou com a família até abril de 2006, quando os herdeiros decidiram vender o carro ao Sr. Casimiro Payá e o documento é assinado pela Sra. Maria Lúcia Nogueira de Sá, que representava o inventário de sua mãe:
No momento da entrega do carro para o Sr. Casimiro os membros da família Nogueira de Sá registram o fato com as seguintes fotos:
Em tempo, pouco depois de pegar o carro, o Sr. Casimiro Payá enviou-o para a Sabrico para uma revisão no dia 04.09.2006 e o carro tinha apenas 9.449 km, como registrado no livreto de revisões:
Com isso a história desse carro se fecha e essa bela história vem a coroar o fim da produção de um carro muito presente em todo o cotidiano de boa parte do povo brasileiro após quase 50 anos de andanças por todos os cantos do Brasil. Cabe aqui relembrar a oportuna passagem da carta da Volkswagen citada acima:
“Tão simples como a mecânica que move esse produto,
e não menos eficiente e duradoura.”
“O Fusca mais do que qualquer produto, cumpre à risca
A vocação Volkswagen, de que todo carro tem que ir onde
Seu dono deseja. – E o Fusca vai…”
Na segunda parte desta matéria vamos ver detalhes do 6619 que tornam este carro cada vez mais intrigante à medida que se esmiúçam estas características mais a fundo.
Para fechar esta primeira parte com chave de ouro aí vai uma foto com parte da coleção do André:
Nota de esclarecimento
Nesta matéria nós nos ativemos ao 6619 que é o Último Fusca Sedan Brasileiro e isto é atestado por uma carta assinada pelo vice-presidente de Vendas e Marketing da Volkswagen do Brasil, Sr. Miguel Carlos Barone – conforme documento reproduzido na matéria.
Existem números de chassi posteriores ao 6619?
A resposta é sim e são quatro, mas a mera numeração de chassi não reflete a “misteriosa” realidade destes carros. Este é um assunto que também vem sendo estudado pelo André Chun há quase dois anos, e será divulgado em detalhes quando se tiver um nível de informações precisas.
O que se pode afirmar é que 3 destes carros são carros transformados para cabriolés pela Sulam e que todos as tentativas de se obter dados de um quarto foram infrutíferas até o momento, pois este carro foi roubado. As placas destes carros foram levantadas pelo André através da lista de chassis que ele fez, e terminou por divulgar em seus grupos de internet (WhatsApp). E para conseguir estes dados foi feito um outro trabalho de detetive que não tinha como ser feito por outra pessoa que não estivesse tão engajada como ele está. Hoje em dia, de posse das placas, qualquer um pode conferir os dados destes carros através, por exemplo, do SINESP Cidadão.
Voltando um pouco no tempo, vamos até o ano de 1993 quando se preparava a volta do Fusca à linha de fabricação. O presidente Itamar Franco, mentor desta volta, exigiu que a reinauguração da linha de montagem fosse feita do modo mais próximo da inauguração da fábrica em 19 de novembro de 1959 com a presença do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Para atender a mais esta demanda de Itamar Franco foi necessário arranjar quatro Fuscas cabriolé, pois na inauguração de 1959 foi usada esta quantidade de modelos desse tipo.
Quatro carros da pré-série (ou seis – item que está sendo levantado) foram enviados para a Sulam (que retomou este tipo de serviço para atender à Volkswagen do Brasil) e foram devidamente transformados. No fim das contas, por conturbações sindicais, somente o azul claro foi usado na cerimônia de inauguração da linha de montagem do Fusca em 23 de agosto de 1993.
O Fusca azul foi regularizado e vendido para o presidente Itamar e hoje faz parte de seu acervo histórico. Os outros três designados para a inauguração ficaram pela fábrica. A atual linha de pesquisa leva em consideração as suposições de ex-funcionários da Volkswagen que sugerem que, quando o Fusca saiu definitivamente de linha, estes carros acabaram sendo “regularizados” e receberam números de chassi posteriores ao 6619. Mas estes carros eram “antigos” na fábrica. Neste caso, conforme o atual estágio dos estudos, seus números de chassi não correspondem à ordem cronológica de sua fabricação
Além do mais, não seria razoável para uma empresa como a Volkswagen do Brasil entregar a carta do “Último Fusca” ao Sr. Itagyba e com sessão solene se o carro não fosse efetivamente o último
Como dissemos, a existência destes carros era conhecida antes da elaboração desta matéria, mas como a nossa convicção mostra eles não são posteriores ao 6619. Estes quatro carros são os seguintes:
6620 – Roubado em 1999
6621 – Registrado inicialmente no nome do Comandante Rolim Amaro
6622 – Registrado no nome do Pierre-Alain de Smedt, presidente da Autolatina
6623 – Pertencente ao acervo da Fábrica Anchieta
Observação final:
Como este ainda é um assunto controverso – e que está em estudo inconcluso, inicialmente preferimos deixá-lo fora do contexto da matéria, e preferimos nos ater à parte da história reportada na Parte 1 – que é completamente documentada.
Esta nota de esclarecimento atende a um comentário de um de nossos leitores, Português Alves, a quem agradecemos. Mas, agora, decidimos colocar estes esclarecimentos no corpo da matéria para disponibilizar estas informações para todos nossos leitores e leitoras.
Oportunamente, dependendo do avanço dos esclarecimentos, voltaremos a falar destes conversíveis.
Link para a Parte 2
AG
(Atualizada em 10/01/18 às 10h00, inclusão de Nota de Esclarecimento acima)