Um dos principais trabalhos do Dr. Herbert Demel no Brasil era implementar a nova fábrica de Curitiba onde seriam construídos o Golf e Audi A3, carros com tecnologia avançada em relação aos modelos que construíamos até então. Nestes veículos eram usados, entre outros processos, a solda a laser — que funde duas chapas como se elas tivessem nascido únicas — no vulgo “jumbo”, que solda a carroceria completa com vários robôs numa só estação e numa só operação as chapas de espessura variável que ajudaram e muito a resolver problemas de deformação ou rigidez em lugares predefinidos para garantir a segurança passiva do veículo.
O projeto da fábrica de Curitiba em si era o que chamamos de “estado de arte”. Ela tem um núcleo triangular, que é o centro de comunicação, de onde saem as três alas principais: manufatura, pintura e montagem final.
O centro de comunicação, onde ficam os escritórios, restaurantes e administração, tem um centro a céu aberto com um ótimo jardim de bambus. Incrível. Aliás, a Volkswagen é especialista em construir fábricas simplesmente sensacionais como a fábrica transparente na cidade de Dresden, onde era produzido o Phaeton.
A Matriz voltou a se interessar pelo potencial da América Latina e definiu que haveria investimento em vários veículos como o VW Golf e Audi A3, mas também o Polo, que eles acreditavam poder substituir o Gol, e mais uma vez nós, brasileiros, requisitamos uma versão sedã, que seria o substituto do Voyage.
Quando vimos os números previstos para vendas dos novos carros, já sentimos um frio na barriga. Não conseguíamos entender como um carro tão caro de ser produzido e com tantos novos investimentos poderia vender o volume do Gol, que na época, vendia 70% em modelos de entrada, portanto muito mais baratos que o Polo.
Todos acreditavam que o Brasil seria um dos maiores produtores de automóveis, e com um potencial enorme de crescimento, o que até agora não acabou se concretizando.
Mas ordens não se discute e queríamos fazer a versão Sedan.
O maior desafio neste caso são as proporções do carro. O Polo era um carro mais alto e curto e relativamente estreito, com a área envidraçada mais estreita, e que, para atingir o volume para bagagens definido, precisava de um porta-malas mais alto que a linha inferior dos vidros laterais.
Para piorar, a cabeça do passageiro traseiro estava muito para trás e muito alta, o que leva o fim do teto bem para trás, dificultando muito a proporção. Todos estes elementos tinham indicadores de um perfil alto, estreito e curto, o que não é elegante para um sedã.
Na Alemanha, os sedãs só são construídos a partir da plataforma do Golf, justamente por este motivo. Mas lá eles tem muitas opções e tamanhos de plataformas adequadas para cada “body style”. No Brasil, sedãs pequenos eram históricos e desejáveis, já que atendiam principalmente as famílias, pela maior capacidade de carregar bagagens.
O clay do modelo para o Brasil foi feito na Alemanha, em uma ponte de trabalho dentro da ala de modelação principal do Design Center em Wolfsburg. Eu acompanhei a evolução do modelo de perto suportado por uma pequena equipe mista de modeladores e técnicos brasileiros.
O Warkuss trouxe para Wolfsburg o Sr. Pfefferle, que chegaria mais tarde à posição de
Designer-chefe da Audi. O Pfefferle era um mestre no desenvolvimentos das linhas e principalmente das superfícies. Com ele aprendi o que é uma tensão na curva de uma linha e uma aceleração na superfície.
Ele também me mostrou claramente como dominar um “highlight” numa superfície. O “highlight” é. numa tradução literal, a linha de luz, ou como a luz corre por uma superfície.
Não só a luz, mas também os reflexos dos arredores na superfície do carro, já que a superfície externa de um automóvel, por causa da pintura, é brilhante e atua também como um espelho.
A pintura do automóvel é brilhante para simplificar a limpeza, pois superfícies opacas, por serem cobertas por microtexturas que quebram a luz sobre a superfície, e por isso, encardem com rapidez e mancham e na maioria dos casos não se consegue limpar perfeitamente nunca mais.
Como eu sempre digo, você só percebe uma forma por causa da luz. Sem a luz, não existe forma, portanto uma escultura, seja ela de um humano, de um ornamento ou de um automóvel, só é percebida por causa da luz e da sombra, que é exatamente a falta da luz. A beleza do produto está em como você lida com estes elementos, a Proporção e a Escultura.
O modelo do Polo Sedan foi apresentado em Wolfsburg e recebeu aprovação, mais baseado na necessidade de substituir o Polo Classic e a lacuna do Voyage.
Quando acontece um programa assim, que na época era chamado já de carro mundial, muitas peças são importadas da Alemanha ou de outro ponto de fabricação através do mundo, sendo que a porcentagem de nacionalização das peças vai aumentando com o tempo, dependendo do sucesso ou não de um produto.
As peças específicas para um Sedan, partindo de um hatchback, no caso o Polo, são: teto externo, laterais, porta traseira, assoalho traseiro, bancos traseiros, revestimentos internos da parte traseira e revestimento do teto, painel traseiro interno, que fica atrás do banco, porta-pacotes, caixas de rodas, longarinas traseira, painel traseiro com reforços, para-choque traseiro, a suspensão que precisa ser modificada, lanternas traseiras, tampa do porta-malas, revestimento do porta-malas, para-choques, chicotes e equipamentos elétricos.
Uma bateria completa de novos testes tem que ser certificadas, como aerodinâmica, refrigeração da cabine, resistência estrutural e, principalmente, crash tests.
Muitos protótipos são construídos para as certificações e aplicações de diferentes motores e câmbio, e resistência estrutural, assim como peças de movimentação constantes quanto à entrada de pó e água.
Normalmente o modelo sedã também se diferencia do hatch através de rodas, cores e tecidos de revestimento e podem ter versões mais sofisticadas e equipadas.
O carro poderia não ser um exemplo de sedã, mas com uma proporção compacta e forte, com um acabamento muito bem feito e alta qualidade de construção, acabou por ser bem aceito por um “nicho” e se tornou um clássico no Brasil.
Nunca me esquecerei da cara do jornalista quando eu lhe expliquei o racional para se ter uma dobradiça pantográfica para abrir a tampa traseira. Na realidade, a dobradiça pantográfica tinha duas funções: permitir pela própria geometria que a tampa abrisse sem bater na cabeça de quem a acionasse, e não danificar objetos no porta-malas.
Porem era uma peca cara, feita de alumínio o que era raro neste tempo e definitivamente um desperdício para um sedã A0.
Embora eu estivesse envolvido em toda esta atividade, lá no fundo eu tinha uma imensa vontade de criar um produto original, que realmente atendesse á necessidade dos carro de entrada no Brasil.
Nos sabíamos que o Polo nunca substituiria o Gol, pelo menos em termos de volume e
popularidade, e então, num happy hour em um boteco em Santo André, eu e o Gérson Bsronr começamos a imaginar o que seria o substituto ideal para o Gol. O que deveria ter o Gol do futuro para que ele fosse um passo à frente em termos de supercompacto para a família brasileira. E foi assim que nasceu o projeto 249 “Tupi”, que contarei na sequência desta série de matérias.
Um micro-sketch para ilustrar o Volkswagen Polo Sedan.
LV