Minha paixão pelas estradas vem da infância. As viagens que fazíamos em família, nos anos 1970 e 1980, permaneceram registradas para sempre em minhas lembranças. Os destinos eram variados, contudo o mais marcante foi para o litoral de Santa Catarina em 1978.
Naquela época, além de viajar eu adorava ouvir as histórias que meu pai contava sobre as suas inúmeras viagens de Sorocaba, SP, ao Pantanal mato-grossense entre as décadas de 1960 a 1980, com seus os carros preferidos: Vemaguet, Kombi e Caravan. Grandes aventuras. Sem dúvida que esse contexto influenciou as escolhas e preferências ao longo da minha vida.
Assim, desde a década de 1990 venho convivendo quase diariamente com as estradas. Não importa se por estudo, trabalho ou lazer; sozinho, com amigos ou família; carro novo ou antigo. Por quase três décadas, o prazer de dirigir é vivenciado em grande parte nas nossas estradas.
Porém, há muito anos que eu venho planejando realizar uma viagem longa, em apenas um dia, de carro pelas rodovias dos Estados Unidos. Quem nunca sonhou em experimentar a sensação de liberdade das highways americanas, como a da foto de abertura, retratadas de forma tão sedutora através de filmes, músicas e livros?
Nesse sentido, em meados do ano passado, a National Strength and Conditioning Association (NSCA) divulgou que o Congresso de 2018 seria realizado em julho, e em Indianápolis, estado de Indiana, no EUA. Foi uma ótima notícia, pois eu havia acabado de concluir um estudo sobre os efeitos do exercício físico na pressão intraocular de pacientes com glaucoma, o qual eu pretendia apresentar num congresso internacional.
Contudo, os meus olhos brilharam mesmo, ao saber que o evento seria em Indianápolis, uma cidade que, por um destes caprichos do destino de tempos em tempos aparece pelo meu caminho.
Comentei com minha esposa e ela ficou empolgada. A data do Congresso em julho de 2018 era perfeita, pois coincidiria com as nossas férias. Também seria uma excelente oportunidade para aproveitar e fazer uma surpresa à nossa filha, que já vinha nos pedindo, como presente de aniversário, para conhecer o “mundo mágico” de Walt Disney.
Imediatamente, as ideias começaram a surgir e eu fui pesquisar a distância entre Indianápolis, no estado de Indiana, e Orlando, na Flórida, para verificar a possibilidade de otimizar os compromissos acadêmicos com o desejo da minha filha de conhecer o Walt Disney World, e o meu sonho de realizar uma grande viagem de carro pelas rodovias dos EUA. Naquela tarde de domingo começou a se desenhar uma das melhores aventuras em família que realizaríamos.
A distância de 1.555 quilômetros entre Indianápolis e Orlando, com tempo estimado de viagem, sem interrupções, de 14h27min, me pareceu perfeita. Consultei minha esposa — já sabendo que a resposta seria positiva — se ela estaria disposta a percorrer pouco mais de mil e quinhentos quilômetros de carro em talvez um ou no máximo dois dias. Com um sorriso ela me respondeu positivamente e achou ótima a ideia.
Nas semanas subsequentes começamos a procurar os melhores preços e condições de passagens áreas e aproveitamos também para nos organizarmos em relação ao roteiro da jornada.
Conseguimos uma passagem área com ótimas condições, ou seja, na data desejada, com a partida e o retorno pelo Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas, SP, sem escalas e, principalmente, com um bom preço. Contudo, para garantir esse pacote “ideal” o trajeto deveria ser Campinas-Orlando-Campinas. Isso modificaria “um pouco” nossos planos, pois a principio o planejado seria desembarcar em Indianápolis, passar os dias do Congresso por lá, depois descer de carro até Orlando, curtir a Disney e embarcar de volta para ao Brasil.
Mas, não encaramos essa alteração de planos como um problema, mas sim como uma oportunidade de curtir ainda mais as estradas americanas, ou seja, seriam percorridas aproximadamente 1.600 km a mais do que o previsto inicialmente.
Após receber a comunicação da Comissão Científica da NSCA aceitando o meu trabalho, realizamos a inscrição no Congresso, compramos as passagens áreas e os ingressos para visitar os parques em Orlando, e fizemos as reservas dos hotéis. E, sobretudo, fizemos a reserva de um dos principais personagens dessa viagem: o carro.
A escolha do automóvel foi baseada em três aspectos: prazer em dirigir, diária compatível ao orçamento e porta-malas razoável para bagagem de dois adultos e uma criança. Um bom sedã seria o ideal. Assim, a categoria Full Size, porte grande, se configurou como a melhor opção para mim. Segundo o site da locadora poderia ser um Chevrolet Malibu ou similar.
A minha expectativa também era de alugar um carro legal, o qual eu não tivesse outra oportunidade de dirigir aqui no Brasil. É claro que em um Ford Mustang ou Dodge Challenger a diversão seria maximizada, mas aí a relação custo-benefício seria inviável.
Desembarcamos no aeroporto de Orlando por volta das 18 horas do dia 9 de julho último após uma viagem tranquila e com pouca turbulência. Após os procedimentos imigratórios, fomos imediatamente procurar pelo balcão da locadora. Após uma espera entediante de quase uma hora, consegui fazer o check-in e o carro disponível me agradou bastante: Mazda6 sedã 2.5 Skyactiv-G automático na cor branca.
Uma boa escolha
Este Mazda tem ficha técnica bem interessante: motor 4-cilindros, 2.488 cm³, taxa de compressão 13:1, 186,5 cv a 5.700 rpm e 26,1 m·kgf a 3.250 rpm, câmbio automático de 6 marchas com opção de modo Esporte e troca de marchas pela alavanca. Segundo os dados de sites especializados, a aceleração 0-100 km/h é feita em 7,8 segundos e a velocidade máxima, 223 km/h. Consumo estimado, 11/ 14,8 km/l cidade/estrada e tanque de combustível de 62 litros.
No interior, confortáveis bancos de couro e bom espaço para os passageiros (entre-eixos de 2.830 mm). Ar-condicionado bizona, partida com chave presencial, aviso luminoso e sonoro de ponto cego nos retrovisores, câmera de ré, sistema de som com tela tátil LCD de 7 pol. HD, rádio/toca-CD, duas portas USB, Bluetooth, 11 alto-falantes BOSE, controle de áudio e de velocidade de cruzeiro no volante, porta-malas de 419 litros, oito bolsas infláveis, direção eletroassistida, suspensão dianteira McPherson e traseira multibraço, pneus 225/45R19, freios a disco ventilados dianteiros e traseiros. Ou seja, uma configuração perfeita para curtir as estradas.
Ao chegarmos ao estacionamento do aeroporto para retirada do Mazda, no número de vaga que deveria estar o nosso carro encontramos um Mustang conversível! No momento até passou pela minha cabeça que o Papai Noel existia, mas logo percebemos que se tratava de um equívoco e que o Mazda estava nos esperando em outra vaga. Mesmo não sendo o Mustang a primeira impressão que o carro me passou foi muito positiva, me agradaram muito as suas linhas elegantes de sedã com aparência de cupê.
O hodômetro indicava um pouco mais de 29.000 milhas (46.000 km) e o olhando de perto o carro parecia ser realmente muito interessante. Com as nossas bagagens devidamente acomodadas no porta-malas, seguimos para o hotel, pois no dia seguinte logo cedo seria a nossa esperada viagem Orlando-Indianápolis.
Eu estava um pouco apreensivo, principalmente se a minha filha de seis anos suportaria tantas horas no carro. Mas, caso a viagem se tornasse muito cansativa e entediante ou insegura, pararíamos para dormir em alguma cidade no caminho e faríamos o percurso em dois dias.
Por outro lado, eu estava confiante de que tudo seguiria bem, pois desde que minha filha era bem pequena fazemos viagens relativamente longas — anualmente viajamos de carro para Balneário Camboriú ou Blumenau, em Santa Catarina.
Sair cedo
A estratégia que funciona muito bem conosco é sair bem cedo e fazer a primeira “perna” do trajeto a mais longa possível. Como nossa filha tem o hábito de acordar relativamente tarde, por volta das 10 horas da manhã, isso proporciona um ótimo rendimento em distância percorrida sem interrupção.
Outro aspecto que considero fundamental é o conforto da “cadeirinha”. Para quem gosta de viajar e tem crianças é essencial investir nesse acessório. Preferi embalar e despachar a nossa própria cadeira para criança a arriscar comprar outra nos EUA. Além do fator tempo e preço, eu não queria correr o risco de não encontrar o modelo a que minha filha estava adaptada. Com certeza valeu a pena esse trabalho.
Partirmos de Orlando uma hora além do que havíamos planejado, ou seja, por volta das 7 horas da manhã. O dia estava perfeito, ensolarado e com a previsão de tempo bom durante todo o trajeto. A rota sugerida pelo GPS era pelas Interstates I-75N e I-65N, porém havia alguns trechos em obras. Passaríamos por cinco estados: Flórida, Geórgia, Tennessee e Kentucky antes de entrarmos em Indiana.
Foi somente após umas duas centenas de quilômetros percorridos na estrada, a qual parecia se perder no horizonte, que a “ficha começou a cair”: finalmente lá estava eu vivendo a experiência esperada há muito tempo. Com certeza as influências de Hollywood faziam-me sentir como em um filme em Ultra HD em quatro dimensões.
Realmente, as Interstates, as rodovias federais de lá, são um cenário perfeito para se dirigir, ainda mais quando estamos embalados por uma boa trilha sonora ao lado das pessoas que amamos. Nada mais pertinente do que o título de uma matéria do Arnaldo Keller no AE, “Dirigir com a família a bordo, algo emblemático”.
O Mazda6 cumpria muito bem o seu papel e estava me conquistando a cada quilômetro. Realmente, o seu conforto e desempenho eram muito agradáveis. Eu procurava me manter 8 km/h por hora acima do limite de velocidade da rodovia (112 km/h) o qual me pareceu pelos menos 15 a 24 km/h abaixo da velocidade natural para aquela estrada. De fato, mesmo mantendo 120 km/h eu ainda era ultrapassado por quase todos os carros. Os motoristas andavam bem acima dos limites estabelecidos.
Após percorrer 480 km sem interrupções em um pouco mais de quatro horas, paramos para abastecer e almoçar. A primeira média de consumo foi excelente: 33 litros (praticamente meio tanque), ou seja, uma média de 14,6 km/l e por apenas o equivalente a 95 reais.
O ritmo de viagem ia muito bem até chegarmos a Atlanta, na Geórgia, isso por volta de três da tarde. Tráfego intenso, pesado e congestionado. Em alguns momentos ficamos parados, presos no trânsito por vários minutos, além de muitas obras pelo caminho, o que nos atrasou bastante. Demoramos horas para percorrer poucos quilômetros. Em dado momento o GPS indicou algumas rotas alternativas, que apesar de aumentar a distância , ganhamos em velocidade média.
Após nos livrarmos do trânsito de Atlanta chegamos ao estado do Tennessee e lá encontramos paisagens muito bonitas. Especialmente a região de Chattanooga, às margens do Rio Tennessee, é um lugar lindo. Curtimos muito essa região e anotamos que voltaremos em outra oportunidade para passar alguns dias por lá. A essa altura havíamos percorrido um pouco mais de 800 quilômetros. Paramos novamente para um descanso e reabastecimento.
Nesse sentido, é impressionante a quantidade de postos de combustível, lojas de conveniências, fast-foods e hotéis ao longo das rodovias em que passamos. A sensação de segurança que isso transmite a quem está trafegando pela estrada é notável. É bom nos sentimos no controle para poder reabastecer, se alimentar, ir ao banheiro a praticamente qualquer momento da viagem sem nenhuma preocupação e, principalmente, com segurança.
Avançamos por pouco mais de 250 quilômetros, passamos por Nashville, ainda no Tennessee. E e ainda estava claro. Aliás, o pôr do sol, praticamente às 21h30, foi um belo espetáculo. Além disso, esse momento foi crucial para decidir se continuaríamos ou pararíamos. Estacionamos em uma loja de conveniência, “esticamos” as pernas, jantamos e decidimos seguir em frente e encarar mais quase 500 quilômetros.
Aproveitamos para reabastecer e garantir combustível suficiente para seguir sem interrupções a última etapa da viagem. Percorremos alguns quilômetros e a filha, que já estava com sono, dormiu direto, o que para ela foi ótimo.
Seguimos atravessando a noite e quando chegamos a Louisville, no estado de Kentucky, quase na divisa com o estado de Indiana, ficamos impressionados pela beleza e imponência da iluminada ponte The Big Four. Atravessar por aquela ponte foi marcante, assim como margear o Rio Tennessee. Interessante que a partir daquele ponto, faltando apenas um pouco mais de 150 quilômetros para chegar ao nosso destino, foi realmente o momento mais difícil da viagem. Ali eu me senti cansado e a rodovia estava monótona, o que contribuía mais para a sensação de fadiga. Mas minha esposa, como uma ótima navegadora, me ajudou a superar os minutos finais da jornada, com um bom e revigorante bate-papo.
Enfim, próximo à uma hora da manhã do dia 10/7, após 18 horas de viagem, chegamos ao hotel! Ao olhar no hodômetro para registrar a quilometragem notei que havíamos percorrido exatamente 1.007 milhas (1.611 quilômetros). Pode parecer uma bobagem, mas foi muito legal ver aquele número, pois o significado de ‘Mil Milhas’ para os autoentusiastas transcende a mera quantificação de uma distância entre dois pontos.
Na verdade, essas duas palavras remetem às lendárias provas longas, as quais por décadas foram realizadas em Interlagos, além de remeter à Mille Miglia, na Itália, conhecida como a prova de estrada mais bonita do mundo. Guardada as devidas proporções, o número mágico tornou a viagem Orlando-Indianápolis ainda mais especial para mim.
Por mais paradoxal que possa parecer, antes de ir dormir realizei, na academia do hotel, 15 minutos de exercícios aeróbios de intensidade leve-moderada. Fiz os exercícios não exatamente porque sou um “rato de academia”, mas porque na verdade, esse procedimento é interessante para melhorar a circulação após passar tantas horas na posição sentada e ainda melhora a recuperação muscular. O meu corpo agradeceu no dia seguinte. O ideal nesses casos é usar um equipamento denominado Elíptico, pois movimenta simultaneamente as pernas e os braços.
Acordamos animados com a nossa agenda já organizada para a semana, pois ficaríamos em Indianápolis apenas alguns dias, sendo o compromisso principal na cidade a apresentação do meu trabalho no NSCA Conference.
Indianápolis é a capital do estado de Indiana. Com uma população de aproximadamente 865.000 habitantes, é mundialmente conhecida como a “Capital Mundial do Automobilismo”. A tradicional prova 500 Milhas de Indianápolis, realizada no lendário Indianápolis Motor Speedway (IMS) desde 1911, é a grande responsável pela fama dessa cidade localizada no nordeste dos EUA
Essa foi a minha quarta visita à “Capital do Automobilismo”. Exatamente na noite anterior ao embarque para os EUA eu li a belíssima história do editor Douglas Mendonça intitulada “Em Indianápolis com Émerson Fittipaldi” publicada no AE (mais uma coincidência). Sobretudo, a leitura dessa matéria é uma motivação para eu escrever e compartilhar com os leitores do AE sobre as experiências que vivi naquela cidade com o clima mais autoentusiasta que eu já conheci em minha vida. Mas essas experiências ficam para outro dia, senão a “história de leitor” de hoje vira livro.
Finalmente, após cinco anos estávamos de volta a Indianápolis, uma cidade que na minha infância parecia tão inatingível e que hoje se tornou tão familiar. Novamente, aproveitamos para visitar o IMS, bem como o Indianapolis Zoo, The Children’s Museum, Hard Rock, White River State Park, entre outros locais interessantes. E também, como já se tornou tradição, participar do Congresso de Medicina do Esporte.
Estava nos meus planos visitar a Dallara Indy Car Factory e dar uma volta em um Indy Car de dois lugares, mas não consegui, infelizmente. Essa vai ficar para a próxima.
Mas Indianápolis sempre me reserva alguma surpresa e nesse ano não poderia ser diferente. Um dos meus objetivos nessa viagem até lá também era visitar e conhecer a Pit Fit Training, um dos únicos centros de treinamento físico especializados em pilotos de automobilismo no mundo. Algumas semanas antes eu havia entrado em contato, por e-mail, com a Pit Fit Training para agendar uma visita durante o período que eu estaria na cidade. O próprio presidente da empresa, o simpático Jim Leo, me respondeu dizendo que eu seria bem-vindo, porém me disse que a Centro de Treinamento deveria estar vazio no dia que agendamos, pois os pilotos estariam embarcando para a corrida de Toronto. Como combinado, no dia 12 de julho às 9 horas eu estava lá para conhecer a estrutura daquele centro de referência.
Fui atendido pela simpática secretária que me indicou que o Jim deveria estar no salão de exercícios físicos. Realmente a sala era enorme e repleta de equipamentos específicos e ao fundo da sala estava um rapaz deitado fazendo um alongamento e um professor auxiliando. Presumi que fosse o Jim, fui até ele e me apresentei ao professor, também muito atencioso e simpático, que me disse o Jim haver saído por um minuto e logo voltaria. Ainda me perguntou se poderia me ajudar em algo. Nesse momento eu disse que era brasileiro, e então eu percebi que o rapaz que estava deitado fazendo o alongamento olhou para mim e então, para minha surpresa, era o Tony Kanaan!!
De fato, quando eu me aproximei para conversar com o treinador eu não prestei atenção na pessoa que estava fazendo os exercícios de alongamento. Bom, nem preciso descrever o que significou para mim um aperto de mão e a troca de algumas palavras com um dos mitos do automobilismo mundial. Confesso que fiquei um pouco perdido em estar ali com o Tony em uma situação totalmente inusitada. Claro que contei a ele que há cinco anos atrás eu havia assistido, a poucos quilômetros de onde estávamos naquele momento, a vitória épica dele na 500 Milhas de 2013. Realmente, foi inacreditável.
Uma pena que não consegui registrar o momento tão especial com uma selfie, pois o meu celular havia ficado no carro. Mas aquele foi, sem dúvida, mais um momento inesquecível que Indianápolis me proporcionou.
Em alguns minutos o Jim retornou e dedicou quase uma hora do tempo dele para me mostrar todos os equipamentos específicos de treinamento físico para os pilotos, bem como os aparelhos muito interessantes para desenvolver e melhorar o tempo de reação, as salas de fisioterapia, nutrição e simuladores de corrida. Como tenho um projeto de desenvolver algo parecido aqui no Brasil, foi valiosa a visita ao Pit Fit Training, além da oportunidade de ter conhecido o Tony Kanaan, que por sinal,segundo o Jim Leo, é o piloto mais dedicado aos treinamentos físicos que ele já treinou.
A volta
Após todas essas aventuras, ainda restavam mil e seiscentos quilômetros de volta a Orlando. Partirmos no domingo 15 de julho às 6 horas da manhã. Na estrada, dessa vez resolvi acompanhar o ritmo dos outros carros e às vezes até ir ainda um pouco mais rápido. Com uma média de velocidade mais elevada, conseguimos um ótimo rendimento na “primeira perna”: completamos 720 quilômetros em pouco mais de cinco horas, com a maior tranquilidade! O céu estava nublado e a temperatura em torno de 23 ºC estava muito mais agradável do que na viagem de ida, na qual chegou ao pico de 38 ºC.
Contudo, por volta de meio-dia começou a chover e em certos momentos muito intensamente a ponto de começar a comprometer a visão, porém como Boris Feldman descreveu em recente coluna no AE, “Norte-americanos: imprudente como os brasileiros”, o sistema de escoamento é perfeito garantindo uma boa aderência. Aliás, o tapete negro foi uma constante durante toda a viagem. No entanto, diferente da percepção do Boris, pelo menos por onde trafeguei o que me chamou a atenção foi justamente a civilidade do convívio entre os motoristas.
Em nenhum momento me deparei com imbecilidades tão comuns por aqui como, por exemplo, motoristas acelerando “lado a lado” tentando evitar serem ultrapassados ou que seguem no “vácuo” do carro à frente com sinalizações de farol alto e setas, bem como as famosas fechadas e freadas propositais ou mudanças de faixa sem sinalização e ultrapassagens pelo acostamento. Sem dúvida, a qualidade da viagem, sem essas tensões desnecessárias impostas pela má educação da maioria dos motoristas brasileiros, melhora significativamente.
Seguimos em frente, em Atlanta mesmo sendo domingo ainda sim encontramos um tráfego intenso ao chegar à cidade. Contudo, nessa viagem fizemos apenas três paradas durante o trajeto e trafegamos em uma velocidade média acima do limite de velocidade de 112 km/h, mas com segurança, respeitando a velocidade natural da rodovia, portanto chegamos em Orlando após 15 horas da nossa partida de Indianápolis, ou seja, ganhamos três horas em relação à viagem de ida.
Já muito próximo a Orlando, um pequeno susto. Já era noite e eu estava a em torno de 135 km/h, quando de repente me chamou atenção no retrovisor o acendimento repentino das luzes de um giroflex. Imediatamente, reduzi a velocidade para 112 km/h (sem frear, para não “entregar” que vinha rápido) e fiquei esperando o carro de polícia me alcançar e mandar eu parar no acostamento para me dar a multa.
Mas, por um motivo qualquer o policial apenas me advertiu — ou teria me cumprimentado, como que dizendo tudo bem? — acionando brevemente a sirene do seu belo Dodge Charger ao passar por mim e seguir em frente, provavelmente a mais de 160 km/h. Foi o suficiente para eu ficar nos 112 km/h até o final daquela etapa…
Em Orlando curtimos muito o restante da viagem nos Parques da Disney e ainda tivemos um momento autoentusiasta muito legal no sábado à noite, ao visitar a Old Town, que por sinal também já foi tema de uma matéria hoje no AE Classic. Fiquei admirado com a qualidade do Encontro de Carros que eles realizam por lá e principalmente pelo o clima peculiar do lugar, sem dúvida valeu muito a pena ter conhecido Old Town.
Ao todo em 15 dias percorremos exatos 2.401 milhas, ou 3.041 quilômetros, o Mazda6 deixou saudade com seu ótimo nível de conforto, segurança e desempenho. Além disso, o consumo, em média 12,3 km/l, foi excelente. Gastamos apenas US$ 202,00 (R$ 800,00) de combustível (para 2.401 milhas) e um pouco mais de R$ 51 de pedágios.
Não apenas números
Mas uma viagem não se quantifica apenas por números. Trouxemos em nossa bagagem muitas histórias. É disso que se trata uma viagem, não é por acaso que frequentemente ao AE publica matérias tão emocionantes sobre as estradas como, por exemplo, “Mil quilômetros de Chevrolet Camaro V-6 nos EUA”, do editor Marco Aurélio Strassen; “Argentina e Chile em 11.000 km” do leitor Pedro Mazza; “Viagem a Ushuaia” por Lucas Guimarães, também leitor; ou mais recentemente a comovente história do amigo Douglas Loiola, “Pesadelo na estrada”, que felizmente, apesar da irresponsabilidade de um motorista de caminhão, terminou bem.
Além disso, Bob Sharp e outros editores do AE, mais os colunistas como Nora Gonzalez, Ronaldo Berg e outros do AE, em várias oportunidades nos conduziram a lugares e emoções que somente as estradas podem nos levar.
Sem dúvida, esta foi uma das melhores viagens da minha vida. O fato de termos passado tantas horas agradáveis dentro de um carro nos mostra o quanto estamos no caminho certo. Voltamos revigorados e nos conhecendo ainda mais do que um mês atrás, evoluímos e estabelecemos novos laços.
Vários amigos e conhecidos, quanto me perguntam sobre as nossas férias e descobrem que percorremos mil milhas em um dia por duas vezes em menos de uma semana, me olham com uma expressão de espanto, não conseguem se conter e acabam comentando: “Mas então, vocês perderam dois dias de viagem!?” ou ainda “Como vocês “aguentaram” ficar tanto tempo dentro de um carro!?” Até mesmo uma cunhada exclamou sem pensar muito antes: “Que horror!”
Eu nem tento responder as esses questionamentos. Normalmente, quem tem esse tipo de pergunta não é capaz de entender nenhum argumento autoentusiasta e vivem em seus mundinhos pós-modernos assépticos e sem graça. Não são capazes de entender que o tempo e o cansaço dependem do quanto temos de paixão pelo que fazemos e acreditamos.
Na verdade, aqueles não foram dias perdidos da viagem e muito menos um horror. Para nós foi uma experiência inesquecível, ganhamos. Além do prazer intrínseco que dirigir nos proporciona, quantas vezes ao ano temos a oportunidade estar por tanto tempo tão próximos das pessoas que mais amamos em nossas vidas?
Percorrer mil milhas de Orlando a Indianápolis e depois retornar para Orlando, pelas I-75N e I-65N, me permitiu vivenciar situações com minha família de uma forma singular e que nenhuma rotina de aeroporto e a previsibilidade de um voo de duas horas poderia se igualar.
Nada supera um automóvel em relação a conexão entre os passageiros e o motorista. Tivemos tempo o suficiente para contar histórias, conversar sobre nossas vidas, apreciar a paisagem e fazer planos, enfim, mais que viajar de uma cidade a outra fizemos uma viagem ao nosso interior.
Com certeza, daqui a 40 anos a minha filha não iria se lembrar de mais um entre tantos voos em sua vida, mas, sem dúvida, irá se lembrar dessa viagem de mil milhas.
Assim como eu me lembro de em 1978 percorrer a BR-116, na época conhecida como “Rodovia da Morte”, em uma Caravan Comodoro marrom Monterey com meus pais para passar as férias em Piçarras, SC.
Marcelo Conte
Jundiaí, SP