Uma disciplina que normalmente é pouco conhecida e valorizada dentro da área de Design é o “Color & Trim”, que podemos traduzir como cores e revestimentos, mas o nome, que parece até simples, não demonstra o enorme trabalho que esta área realiza para o automóvel.
Imagine uma casa construída, paredes em tijolo à vista, contrapiso, sem janelas, pisos, azulejos, carpetes, janelas, metais, jardim, pintura…
Pois é, o trabalho do designer de color & trim se aproxima do de um decorador (Arquitetura), só que para o automóvel, com todas suas limitações técnicas e de segurança.
Na parte externa do carro, o trabalho principal está em definir as cores externas, tratamento da superfície das rodas e calotas (pintura, polimento, cromo) e algumas áreas em peças não pintadas que recebem texturas. No mais são os tratamentos de superfície de emblemas e logotipos ou outros específicos para peças aplicadas, como espelho retrovisor, antenas, limpadores…
Agora, a encrenca mesmo está no interior.
Cada milímetro de superfície visível recebe algum tratamento, ou revestimento. O mais caro, sem dúvida, são os tecidos de revestimentos dos bancos e portas, mas tem também o carpete do assoalho e porta-malas, o revestimento do teto, que tem um processo chamado tecido não tecido, as grandes peças plásticas que são o corpo do painel de instrumentos, revestimentos de portas, colunas, porta-chapéu, caixas de roda traseiras.
Depois vêm os itens e comandos, que implicam em toque: revestimento do volante ou a textura ideal para melhor pega, tratamento dos trincos, botões giratórios que normalmente exigem texturas profundas para melhor “grip”, região de suporte dos braços, botões e acionadores (alavancas), e assim vai.
É indiscutivelmente uma área ideal para mulher que, com sua sensibilidade e energia, além de contrabalancear o ambiente do estúdio, mostram como aliar moda e técnica de maneira exemplar. Já nos estúdios de “shape” (forma) mulheres são raras.
Quando trabalhei em Potsdam fui o único líder que contratou uma Designer de Exterior para trabalhar nos meus temas.
Na área de modelação mulheres são raras, mas tivemos uma estagiária (Telma) que veio recomendada pela escolinha da VW para estagiar em nossa modelação e que no final se tornou uma Designer de C&T de nível internacional.
A equipe de Color & Trim trabalha em parceria com os grupos de Shape Exterior e principalmente com o Shape Interior. Forma é uma coisa, tratamento da superfície é outra.
As imagens que vocês vão ver vieram de uma de muitas apresentações sobre Design que eu fiz durante minha carreira na Volkswagen.
O Designer de C&T tem que estar antenado na moda e, como todo designer, também na arte, arquitetura e produtos.
A moda anda em ciclos, quatro vezes por ano, porém existem estimativas do que virá a ser moda em dois anos ou mais, isso porque tudo depende da capacidade de produzir pigmentos para as cores e andar em compasso com novas tecnologias, dentro de cada ramo da disciplina.
Então você tem que estar por dentro do que esta acontecendo e também do que vai acontecer no futuro.
Para isso usamos sites de estudiosos de tendências ligadas à moda, arquitetura e arte.
Baseados nestas tendências, C&T gera “briefings” que serão distribuídos aos fornecedores de tecidos (por exemplo) que, por sua vez, desenvolvem dezenas de propostas que vão ser filtradas e apresentadas à diretoria para decisão.
O desenvolvimento e testes de uma nova cor pode levar um ano e meio ou mais. As tintas automobilísticas são extremamente resistentes e demandam alta tecnologia de fabricação e aplicação.
Todo ano fazemos propostas para troca de algumas cores, mas é muito difícil aprová-las, justamente pelo custo envolvido, não só pelo desenvolvimento e implementação, mas porque novas cores sempre vêm com custo maior, e aí vem o aspecto financeiro, que em um negócio está em primeiro lugar.
Para começo de conversa, as cores mais vendidas são o branco, prata, preto e variações de cinza, portanto, cores neutras. É uma constante nos “clinic tests” (500 pessoas na pesquisa) perguntar:
— Você gosta desta cor X?
A resposta é “sim, adoro.”
— Compraria um carro desta cor?
“NÃO”…
No Design temos os pintores de modelos que além de profissionais destacados pela qualidade do serviçoainda devem ser “coloristas”, isto é, capazes de criar ou copiar cores novas ou semelhantes. São profissionais que vêm da fábrica ou da área de Protótipos que, além de profissionais de primeira linha, são criativos e enfrentam qualquer parada para que o modelo fique pronto, na hora certa, perfeito para o chefe apreciar.
Quem já apresentou vários modelos para o Dr. Martin Winterkorn sabe do que estou falando.
Baseado na cor principal, seja externa ou interna (cor ambiente), como do painel e outros revestimentos “plásticos”, existem vários desenvolvimentos paralelos à cor externa principal, cores estas que devem ter harmonia com o elemento principal e seus detalhes.
Você sabia que dividimos as cores ambiente em duas categorias de cinza, a quente e a fria?
As quentes recebem sempre uma porcentagem de vermelho (chamada popularmente de “bege”),e as frias, uma porcentagem de azul. Cores quentes com frias são incompatíveis.
Um banco sem o seu revestimento (capa do banco) tem um aspecto inaceitável, seja pela aparência, seja pela resistência.
Existem dentro da área de Design os tapeceiros, verdadeiros alfaiates, que criam, através de “patches”, a capa do banco, como se fosse um terno bem ajustado.
Estes profissionais são “moscas brancas” e estão em extinção. Vieram da linha de montagem e se tornaram pessoas muito importantes dentro do Design.
Não existe escola que ensine esta profissão, mas o que mais se assemelha a ela é realmente de um costureiro de alta moda.
O banco de Design, acaba virando o padrão de aparência, e nossos tapeceiros têm também a missão de transformar os “patches” em um desenho técnico, que será a base para o desenho final da capa do banco de engenharia.
Este desenho final é entregue aos fornecedores de capas, que devem seguir o padrão de design à risca.
Bancos são conjuntos completos comprados e entregues “just in time” à linha de montagem.
Os tecidos atuais são uma verdadeira maravilha tecnológica em termos de resistência à perda de cor e rompimento de fibras, além de serem laváveis e anti-inflamáveis.
A cada ano os grande produtores de tecidos para a indústria automobilística vêm com novidades de construção que podem proporcionar ótimos efeitos visuais, seja pelas cores ou, ultimamente, pela capacidade de criar desenhos tridimensionais.
O toque é sempre importante, mas tecidos de toque mais macio, mormente de pelos laminados, são incômodos em condição de calor, além de reterem poeira mais facilmente. O toque acaba sempre sendo um compromisso entre conforto e resistência.
Cada tecido escolhido para compor as capas de bancos e revestimento parcial de portas, quando aprovado definitivamente pelo laboratório central de engenharia e qualidade, gera uma amostra-padrão que é emitida pelo laboratório e aprovada pelo Design, fica como documento de aparência, em ambiente protegido, enquanto o modelo de automóvel estiver sendo produzido.
Ninguém pode mudar a aparência sem autorização do Design, engenharia, e laboratórios de qualidade.
No lançamento do up!, como exemplo, tínhamos cinco modelos de bancos, com aproximadamente 15 tecidos diferentes, inclusive o couro artificial, que ajudamos a desenvolver no Brasil.
Neste caso especifico, seguimos exatamente o padrão que veio da Alemanha mas oferecemos também modelos mais em conta para nosso mercado, além de desenvolver algumas propostas de redução de custo que foram adotadas pela Matriz.
O “problema com os alemães” é que eles não brincam em serviço. Tudo tem que ser do bom e do melhor, e para nós (Brasil) o que é bom é caro.
Temos ainda grandes áreas revestidas, sejam com carpetes de grande durabilidade e revestimento do teto, que é composto de uma película rígida com um “tecido não tecido” acoplado. Parece um tecido tramado, mas na realidade não é.
A aparência final do material é feita por um “carimbo” que imprime um padrão de desenho, normalmente padrões pequenos que se assemelham a uma trama.
A grande vantagem desta combinação é justamente o peso, no caso uma peça grande, mas muito leve e mais barata do que um tecido tramado.
As texturas, muito aplicadas às peças plásticas, são um ponto importante no quesito aparência e toque. As peças plásticas sem texturização têm um toque desagradável, barato, e com marcas de fluxos de injeção.
A texturização de pecas plásticas também funciona muito bem contra riscabilidade, que sempre foi um problemas para peças que não recebem nenhum tipo de proteção, como pintura.
As texturas podem ser “mecânicas”, baseadas em padrões geométrico,s ou baseadas em pele. As mecânicas, embora bonitas e modernas, não funcionam bem se a superfície for muito elaborada, com muita curvatura ou mudanças de direção. Os padrões geométricos tendem a se deformar.
Já as texturas baseadas em pele têm um toque agradável, e por não terem padrão geométrico e sim aleatório (como a nossa pele), se comportam perfeitamente em qualquer situação de superfície.
Os processos modernos de texturização implicam realizar vários procedimentos de corrosão controlada da superfície das ferramentas de injeção, possibilitando assim a quebra de picos, o que torna a textura suave ao toque e permite trabalhar com brilho e não brilho para também gerar padrões visuais.
Muitas pessoas nunca repararam nas texturas do seu próprio automóvel, mas depois de alertá-las sobre isso percebem a importância que elas têm no visual do carro.
Nesta imagem voe pode ver o lado externo de uma ferramenta de injeção de um para-choque traseiro em processo de texturização.
A superfície da ferramenta é isolada pela tinta vermelha, menos a parte a ser texturizada. Então o técnico aplica filmes que permitem que a superfície exposta, que foi também protegida com líquido sensível a luz específica, seja mais tarde sensibilizda e corroer a parte que não o foi.
Depois disso a ferramenta é mergulhada em ácido, que vai corroer somente os pontos deixados abertos, que vai gerar a textura negativa.
Quando a peca é extraída da ferramenta ela virá com a textura positiva que é a condição final da peça.
O destino final das propostas de Color & Trim traduz-se através do “Interior Buck” que é um modelo de Design, feito em clay em escala 1:1 (peças grandes, como painel e revestimentos de porta), e peças pequenas em materiais duro (hoje todas criadas usando de impressão 3D) que representam a superfície e também as cores pretendidas.
Em alemão se chama “sitzkiste”, ou caixa de sentar, porque o exterior do modelo é realmente uma caixa, modular, onde se pode agregar também o banco traseiro, compartimento do porta-malas e em alguns casos até o teto, para representar a forma final desta região também. Você pode desmontar qualquer um dos elementos (painel, console, portas, etc) e trabalhar mais confortavelmente na bancada ou na ponte de trabalho.
Sempre se apresenta no mínimo dois modelos para a diretoria, assim ela pode escolher o tema que entenda como melhor.
Cabe-nos fazer com que as duas propostas sejam boas, já que se por uma infelicidade nossa proposta preferida for recusada, ainda teremos um boa proposta para o carro.
LV