Como eu já disse, designers de interiores de automóveis são “moscas brancas”, muito difíceis de se encontrar, mesmo na Europa, mas no Brasil são raríssimos. Nosso grupo no Brasil, pelo tamanho compacto, todos designers competiam em qualquer categoria, exterior ou interior.
Alguns tinham mais facilidade e “queda” para os interiores, e acabava tocando os projetos meio que na marra.
Isso porque o trabalho do interior não aparece como o do exterior. Você fica brigando por “picuinhas” e são dezenas de grupos de engenharia nas suas costas querendo definições e modificações a todo minuto. A vida se torna uma reunião contínua, e este não é o perfil dos designers.
O interior de um automóvel é complexo porque tem que atender muitas necessidades — técnicas, mercadológicas, funcionais e de produção.
Não é como esculpir uma grande forma aerodinâmica e ficar “afinando”os High Lights da carroceria com os modeladores (exterior), mas juntar os dois mundos.
As grandes formas (painel de instrumentos, revestimentos de porta, teto) e uma complexa rede de pequenos detalhes e peças sofisticadas que devem estar na posição correta, enfrentar sistemas de produção e montagem muito complicadas, prezar pela ergonomia e, além de tudo, ser agradável e bonito.
Eu diria que somente o painel de instrumentos demanda mais trabalho do que todo o exterior completo.
A sequência de trabalho é parecida com o do exterior, porém a complexidade de montagem de todas peças de interior é sempre um grande desafio, que devemos construir por partes.
O primeiro grande desafio é definir um tema, uma forma que faça sentido e que seja harmônica na totalidade do interior.
Nós temos dois temas básicos que dividem todos os painéis de instrumentos. O “Driver-oriented” (aquele que é orientado para o motorista) e o Simétrico, que é mais democrático, conservador e equilibrado.
Normalmente os “Driver-oriented” são para carros esportivos e o simétrico, para carros de passeio ou de família.
Mesmo assim, sempre entregamos duas propostas e quase sempre se trata de uma “Driver-oriented” e outra não.
Os designers sempre tentam encontrar novas formas que abracem os instrumentos combinados, controles, sistema de som, de ar, e se “espalhe” através dos revestimentos de porta e console central.
O motorista é o grande senhor do automóvel e todos outros passageiros estão em uma segunda categoria, com menos responsabilidade de conduzir.
Todos os comandos devem estar estrategicamente posicionados para serem acionados com os dedos e à mão (e pés para os pedais). Todos os comandos devem ser visíveis e identificados por um “ícone”, um ideograma, que deve ser iluminado à noite.
Cada componente ocupa uma área tridimensional, um espaço específico, e devem ser
posicionados de maneira que o motorista não precise afastar as costas do encosto do banco para acioná-los ou visualizá-los.
A grande peça, corpo do painel, é uma das mais complicadas de serem manufaturadas devido à alta complexidade de sua ferramenta de injeção, já que ela vai servir também de base para fixação da maioria dos componentes do painel.
Pela frente ela é até simples, mas por trás é um grande emaranhado de suportes e reforços, berços para receber os vários sistemas que compõem todos os controles do automóvel.
A primeira peça a ser respeitada para a construção é o que chamamos de reforço central do painel, peça em aço que atravessa o carro na transversal, de coluna A a coluna A na altura da base da coluna de direção.
Esta travessa (que não se vê) vai fazer parte da estrutura mais profunda do automóvel, tendo função muito importante para a segurança da cabine, seja para absorver impactos ou sustentar, por exemplo o airbag, coluna de direção, sistema de ar, pedaleira, etc.
Normalmente nenhum comando que você toque vai fixado direto ao corpo do painel, mas sim numa moldura que, esta sim, se fixa ao painel. Portanto, quase sempre você tem o comando (por exemplo, os controles dos faróis) que estão fixados numa moldura que é fixada no painel.
Portanto, são diversas peças que têm que se encaixar com tolerâncias de milésimos de milímetro.
A maior “tralha” sob o painel é o sistema de ar. Além de enorme caixa “geradora” de certo volume, é a velocidade de ar que será distribuído através de tubos quase orgânicos para ocupar o máximo de volume dentro de pouquíssimo espaço.
Além disso, este sistema pode gerar muitos ruídos de ar, que são indesejáveis, mas impossível de evitar. Porém assobios não são admitidos, em nenhuma velocidade de vazão.
Uma boa ventilação interna é um elemento de segurança muito importante porque além de refrigerar ou aquecer, ainda é responsável por desembaçar os vidros em situações de clima úmido, neve e outros.
Por isso, desenhar em detalhes as saídas de ar é por si só um grande desafio. Estas peças são complexas pelas várias peças móveis e têm que ter a dimensão exata de vazão para evitar ruídos e mau aproveitamento do sistema.
Sempre tentamos fazer uma união visual interessante entre porta e painel, mas é uma área complicadíssima para o “matching”, que é a precisão de encaixe entre todas as peças vizinhas.
Por isso, uma solução muito usada é a desconexão do desenho do painel com o da porta, como uma saída para aumentar a tolerância, fazendo com que as variações entre as peças não sejam visíveis.
Além do painel e os revestimentos de portas nós ainda temos os revestimentos de colunas (A,B,C), console central, bancos, revestimento do teto e carpete.
O visual do compartimento de bagagem também é de responsabilidade dos designers de Interior, serviço que ninguém no estúdio gosta de fazer, já que não da “Ibope”, mas sim muito trabalho para ser definido em detalhes.
A área de Interior Design cresce cada vez mais em disciplinas, responsabilidade e volume de trabalho, e nela encontramos contradições e evolução muito rápida da tecnologia
Passamos muitos anos aperfeiçoando a arte do toque (haptics) e principalmente do “feeling” dos acionadores, seja eles uma alavanca de câmbio, um seletor gangorra de painel, ou um comando giratório, acionamento de trinco, enfim, a precisão de acionamento de um comando.
Procuramos a precisão de posição da função, através de “cliques” que podem ser sentidos nas pontas dos dedos, pouco esforço para acionamento, ruído mínimo de acionamento, pega ideal através da introdução de texturas e muitas outras técnicas que ajudem a demonstrar a qualidade do sistema.
Hoje existe a tendência dos acionadores mecânicos desaparecerem do mapa graças às telas táteis, a não ser os comandos que estão localizados no volante e coluna de direção.
Com as telas táteis todos oscomandos podem sair de um mesmo lugar (tela) e você não precisaria mais ter um ”device ”, um dispositivo para cada função.
A tecnologia digital vem há uma década dominando completamente a maneira como o homem se comunica com o automóvel.
Na última década surgiram novas áreas dentro do Interior Design, com o “infotainment center” que agrega as funções de rádio, internet, navegador, e comunicação em redes exclusivas.
Normalmente estes dispositivos são “black box” que significa que a companhia recebe o produto fechado e quem o desenvolve, fabrica e distribui é o fornecedor. Porém, o visual final das informações, a “linguagem de Design” e funções necessárias são de responsabilidade do Design e da área de Elétrica da engenharia.
O carro elétrico e principalmente os autônomos abriram novas portas para o interior do carro do futuro, e já que não haverá mais a posição de “piloto” nem uma posição fixa para os ocupantes, o interior do carro poderá ser considerado como uma peça de arquitetura, privilegiando o espaço e Estilo, abrindo um mundo de novas possibilidades.
Pontos de atenção no desenvolvimento: os modelos de Design passam por um rigoroso exame feito por especialistas de todas as áreas de engenharia responsáveis pelas peças, entre eles elétrica, segurança, acabamento, que têm a missão de encontrar eventuais problemas que acabam sempre achando. E dá-lhe modificações!
Mas, é assim que funciona. Evolução através do teste até a certificação de cada peça.
Tudo se inicia com uma forma lúdica, para terminar com um dos conjuntos de peças que melhor representam como produto o nível de desenvolvimento do ser humano.
O interior de carros de alto nível e luxo são verdadeiras obras-primas, displays de tecnologia ao dispor do ser humano.
Vamos lembrar que estamos falando nesta disciplina (Exterior Design) somente sobre as formas das coisas e não do tratamento de superfície, que é desenvolvida pela área de Color & Trim.
O timing do interior é mais apertado, já que os Designers e técnicos, que trabalham em equipes desde o início, dependem das informações do modelo de Exterior para definirem certas áreas. É por este motivo que as apresentações de interior são defasadas do exterior.
Outro motivo para separar as duas, a princípio, é o volume de informação que torna as reuniões sem fim, muito desgastantes e confusas.
O interior completo demora ao redor de quatro anos para ser produzido, dois na construção e dois na confecção de ferramentas e meios de montagem, logística das peças e treinamento do pessoal.
O designer de interior está muito ligado ao Product Design, que seria design de produto, já que ele não tem nada a ver com formas aerodinâmicas, fluidas, mas muito mais técnicas, funcionais e sensíveis ao toque, o que aproxima as duas disciplinas.
Quando você está dentro de um automóvel existem sensações e condições que só se encontram ali.
Para começar, dentro de um automóvel você está protegido do mundo externo, na sua
temperatura preferida, protegido de água, pó, poluição (se tiver um bom filtro de entrada de ar) com som estereofônico de alta qualidade, e conectado com o mundo.
Na tela do seu carro você pode acessar e-mails, imagens ao vivo, mapas, comunicação oral, confortável, se locomovendo a 150 km/h com uma sensação de segurança que só um bom automóvel pode lhe dar.
Com leves toques de pé ou na ponta dos dedos, você pode se arremessar em segundos a velocidades assustadoras.
Não existe outro lugar onde você possa ter este conjunto de sensações e vantagens.
No início da nossa conversa eu me propus a falar sobre o que faz um “Interior Designer”, mas acabei mais por abordar no que ele tem que se preocupar.
Ele é o cara que vai cuidar para que você se sinta confortável e seguro dentro de um carro. Cuidar para que se houver um acidente, todo equipamento de segurança esteja posicionado corretamente, ângulos de superfície devidamente dentro dos padrões de segurança para evitar ferimentos, além de oferecer um ambiente silencioso, confortável e bonito.
O tema Design de interior é muito extenso e fascinante, principalmente quando se entra a fundo nas bases técnicas que regem todas estas disciplinas. Portanto, vamos deixar detalhes para outra ocasião e garanto tem muita novidade para mostrar nos próximos anos.
LV