Chegamos à Polônia dirigindo, vindos da vizinha Eslováquia. Para nosso azar, tivemos uma fina e persistente chuva quase o tempo todo na estrada no primeiro dia. Cansativo, para dizer a verdade, pois vínhamos de uma longa caminhada pela cidade de Liptovský Mikuláš (ainda na Eslováquia) e outra de mais de 2 quilômetros e mais de 3 horas dentro da lindíssima Caverna da Liberdade (também na Eslováquia) —sem contar a pirambeira da subida a pé, pois apesar de ser uma caverna subterrânea sobe-se muito até entrar na montanha. Como já disse, viagem de cabrito esta nossa. Aliás, pensando bem, todas são já que faz tempo que não vou à Disney….
O problema da chuva e de chegar à noite a uma cidade que não se conhece era um pouco pior desta vez ,pois nosso hotel era no casco antigo de Cracóvia, exatamente na Praça do Mercado, que é fechada aos carros. A opção que tínhamos era um estacionamento a “somente” 600 metros de nosso destino. Ou seja, dá-lhe empurrar malas embaixo de chuva pelo meio de um parque e de ruas de paralelepípedo ou pedras. Oquei, nem tudo nas minhas viagens é idílico. São Pedro ainda não é tão amigo assim da Noratur e acho que faltou da minha parte uma conversinha prévia sobre este quesito. Já anotado para a próxima.
Mas não dá para reclamar do tempo, pois tivemos apenas dois dias de garoa esparsa ao longo de toda a viagem. Na Polônia também tem os tais “pontos isolados” de chuva. Do frio nem falo, pois quando se viaja na segunda parte do outono estamos sujeitos a isso e, portanto, estávamos preparados. E a cada vez íamos mais para o norte, logo, sem surpresas. Mas nada que se compare aos 30º abaixo de zero que pegamos na Finlândia em fevereiro.
Logo no dia seguinte, saímos de carro rumo a uma das partes mais dolorosas da viagem, mas que estávamos dispostos a encarar: conhecer Auschwitz e Bierkenau. Ater-me-ei (caprichei nessa mesóclise, não?) às questões autoentusiastas, mas não posso me furtar de comentar que foi muito mais difícil do que pensei apesar de todo o preparo psicológico. Chorei muito, assim como em outros memoriais na Hungria e Alemanha, além da própria Polônia. Admiro uma nação que não apenas não esconde essas barbaridades como faz questão de lembrá-las, justamente para que não se repitam. E mais uma coisa: sempre me incomodou que se minimizassem fatos da história e que se usassem adjetivos fora de lugar — como chamar alguém com cuja opinião discordamos de “nazista”. Isso é fazer pouco caso dos mais de 6 milhões de judeus e mais algum milhão de pessoas de outras origens assassinadas em campos de concentração e de extermínio, sem falar das sequelas. Ou ainda as mutilações e dramas que essas pessoas carregaram, assim como as mortes nos anos subsequentes decorrentes de torturas, inanição, cruéis experiências pseudomédicas. Já pensava isso, mas estar nesses lugares e em tantos outros que estive nesta viagem me revolta ainda mais. Sempre defendi o uso correto das palavras e nesse caso tem sido usadas irresponsavelmente. Pensar diferente não é ser nazista, fascista ou comunista, assim como nem todo autoritário é nazista, fascista, stalinista ou trotskista. Pronto, falei.
Volto agora às questões autoentusiastas. Já na saída de Cracóvia, tivemos uns pequenos problemas. Estávamos em pleno centro da cidade, que é servida por um eficiente sistema de bondes elétricos que passam por todo lugar, como muitos países da Europa. Digo todo sem exagerar. Às vezes eles andam num leito segregado, central, bem no meio da rua, com plataformas para embarque e desembarque e até um gramadinho dos lados, como acontece na avenida Dietla. Essa é a melhor parte. Mas em outras ele passa pelas ruas mesmo e, no caso da avenida Westerplatte, margeando o parque Planty, ele circula numa pista central, sem segregação nem nada. Ai, quando para, é no meio da rua. Os veículos fazem como nos Estados Unidos quando se encontra um ônibus escolar: param atrás do coletivo, ainda que se esteja numa outra pista, como de fato se está quase sempre. Isto porque os passageiros sobem e descem no meio do leito carroçável. Sempre acho lindo ver como sociedade civilizada não precisa de tutela do Estado. Novamente: não há segregação para o bonde. Pedestres respeitam o lugar onde tem de descer e subir, veículos param atrás do coletivo e ninguém é atropelado. Dito assim, parece óbvio e fácil, não? Bem, na verdade é.
Estacionar na rua não me pareceu lá muito fácil. Como entender o que está escrito nesta placa, que vimos voltando a pé do restaurante para o hotel em Cracóvia? (foto de abertura) Segundo minha sábia prima Cecília é óbvio: nesse lugar é permitido estacionar com o carro na vertical, como estava “claramente” indicado. Ela só tem elogios a fazer à clareza da sinalização e muita curiosidade sobre os para-choques dos veículos poloneses que são capazes de resistir a manobras assim. Pois é, humor negro e criatividade são o forte da minha família… Já eu fiquei feliz de lembrar que o carro estava estacionado num lugar particular, onde podia mesmo estacionar, e de forma normal…
O primeiro problema foi logo no dia seguinte a nossa chegada, ao sair de carro rumo à A4, a estrada que nos levaria à cidade de O?wi?cim, onde estão dois dos campos de concentração e extermínio. Demos de cara com uma pista, desta vez à direita, por onde circulam tanto o bonde quanto os veículos de passeio e carga por onde nós também passamos a circular. E então, do nada, aparece uma pequena rampa e nossa pista “subiu” até o nível da calçada. Surpresa! Suponho que seja para que os passageiros desçam no nível da calçada, mas os veículos andam normalmente. Mas que é estranho, é. De repente, você está andando praticamente na calçada. Até não virmos outros veículos fazendo a mesma coisa não tivemos certeza de se tínhamos feito a coisa certa. Bem, até agora não temos. Pode ser que os outros também fossem turistas desavisados como nós, sei lá… Qualquer que seja o correto, achei o sistema bastante confuso, já que não não há placas que restrinjam o trânsito nessa pista. E ora o bonde circula pelas pistas da direita, ora pela esquerda, ora pelo meio, ora em faixa segregada. Toda atenção é pouca para nós que não estamos acostumados. Apesar de que em São Paulo acontece o tempo todo com as faixas de ônibus…
Também fizemos retornos autorizados em “U”, conversões à esquerda, mas com sinal exclusivamente para o bonde, que sempre tem prioridade em relação aos veículos. Funciona como um trem, mas sem cancela, apenas com sinal semafórico. E, claro, todo mundo respeita. Duro é quando se está atravessando uma avenida e, bem no canteiro central, o semáforo fica vermelho pois um bonde se aproxima. Demos sorte e nas vezes que isso aconteceu, meu marido estava atento e o carro cabia sem que a frente fosse levada pelo bonde nem a traseira abalroada por quem circulava no outro sentido. Mas, para minha sorte, foi com ele que isso aconteceu, pois se fosse comigo seria meia hora de stress pós-traumático. Mas o fato é que para quem não está acostumado é um susto e tanto.
As estradas na Polônia são públicas e paga-se pedágio em poucas (A1, A2 e A4), notadamente entre Cracóvia e Varsóvia ou ao redor dessas cidades, como foi nosso caso. Cabines normais que aceitam cartão de crédito (aleluia! Viva a civilização, já que a operação é rapidíssima) e outras para quem tem tag tipo Sem Parar. Os valores também são muito baixos, coisa de uns 5 reais ou menos. Pouco para estradas impecáveis em termos de asfalto e sinalização.
O sistema rodoviário está dividido em nacional (DK) e provincial (DW), com algumas estradas administradas por condados e municípios, as tais rodovias powiat e gmina. No total, são 419.636 quilômetros de estradas públicas, das quais 129.000 quilômetros não são asfaltados. O DK administra as autoestradas e as rodovias expressas, num total de quase 20.000 quilômetros. As autoestradas são exclusivas para veículos a motor sinalizadas com pelo menos duas pistas contínuas em cada direção, segregadas das pistas do outro lado por canteiros ou barreiras. Não têm cruzamentos no mesmo nível da estrada e tem área de descanso.
Vimos muitas delas e sempre têm mesinhas, bancos e banheiros químicos quando não estão adjacentes a um posto de gasolina com ainda mais comodidades. Por sinal, como dá para ver pela foto que tirei entre Cracóvia e Auschwitz, obras viárias com ótimos projetos e execução. A velocidade máxima é de 140 km/h e, como sempre, a circulação é pela direita e todo mundo respeita. Usamos muito a A4 e, aliás, foi lá que um Cayenne nos deu seta pedindo passagem quando estávamos fazendo uma ultrapassagem e a 140 km/h. Foi das pouquíssimas coisas tolas que vimos acontecer. E, como em vários outros países, encontrei a sinalização que adoro: faixa contínua ao lado de uma pontilhada para indicar que veículos não podem mudar de faixa em determinados locais, ainda que estejam na mesma direção. Sempre antes e depois de acessos e em outros lugares onde é necessário. E sempre vimos respeito à indicação.
As rodovias expressas são públicas e também exclusivas para veículos a motor. São sinalizadas com uma ou duas pistas em cada direção, não têm cruzamentos de nível com outras estradas exceto algumas estradas menores e também tem áreas de descanso. E, claro, tem uma lógica: elas são indicadas com a letra S e números ímpares para as que cruzam o país de norte a sul e pares para a direção leste-oeste. Algo de que gosto muito em vez dos confusos nomes que se usam no Brasil. Fora meu natural desgosto com o culto às personalidades. As letras e números são eficientes, fáceis de entender e decorar por todos, mesmo aqueles que não falam o idioma.
As velocidades máximas nas rodovias de duas pistas em cada direção são de 120 km/h para veículos de passeio e motos e de 100 km/h nas de pista simples. Uma curiosidade: a velocidade máxima em qualquer estrada para motos que levem crianças de menos de 7 anos é sempre de 40 km/h. Também são proibidas nas motorways (autoestradas) pedestres, bicicletas, veículos agrícolas e/ou puxados a cavalo. A velocidade mínima é de 40 km/h e é proibido parar exceto em emergências. Por sinal, desnecessário mesmo pois há inúmeras áreas de descanso para trocar de motorista, esticar as pernas ou fazer um lanche. Nas motorways é proibido rebocar veículos ou carretinhas. Ou seja, todas medidas razoáveis e que facilitam o fluxo de trânsito e a segurança de todos.
Os parâmetros técnicos são bastante rigorosos embora as estradas construídas até 1999 ainda não preencham totalmente todas as especificações. Isso porque até 1989 a Polônia esteve sob domínio russo e não foram feitas maiores obras viárias. Com a implementação da Terceira República e a consequente abertura de mercado começaram a ser realizadas diversas obras civis. Os novos standards incluem 40 metros de largura mínima nas rodovias expressas em vez dos 60 metros das motorways, proibição de cruzamentos com estradas que não sejam motorways e espaçamento entre junções de não menos do que 15 quilômetros.
Depois de alguns dias na linda Cracóvia, pegamos a estrada rumo a Varsóvia parte pela S7, pistas dupla, canteiro central e acostamento, parte pela S77. Na teoria na S7 a velocidade máxima de 120 km/h mas todo mundo passava a 150 km/h. Já na A4 íamos, como todos, a 140 km/h.
Chegando em Varsóvia, depois de vários trechos em obras na estrada — mas com desvio que era uma estrada mesmo ainda que de pista simples, nada de coisa precária, não — novamente chuvinha fina e muito trânsito. Final de dia, todo mundo saindo do trabalho… Eis que aparece uma ambulância, lá atrás e tudo parado. Bem, como nas melhores civilizações, todo mundo deu passagem rapidamente. Mas nem tudo é idílio e tomamos uma fechada de um ônibus que insistiu em passar por cima da faixa zebrada, com como alguns outros carros, diga-se.
Varsóvia é uma cidade grande, com excelente transporte coletivo. Continuamos sem entender parte da sinalização, já que é exclusivamente em polonês e nos deparamos com placas que nunca havíamos visto. Mas nada que nos rendesse uma multa ou coisa parecida – estava mais para assunto de comentários do que outra coisa mais complicada. Os radares e câmeras que eram tão comuns na estrada, mas estavam sempre bem visíveis e não escondidos, e desapareceram na cidade.
Para minha felicidade, não vimos quase lombadas, exceto algumas em alguns cruzamentos, e bem baixinhas — não as nossas “montanhas” assassinas — como na entrada do campo de Auschwitz e também numa na rua em Varsóvia, onde fica a fábrica que era de Oskar Schindler, o alemão de origem checa que salvou 1.200 judeus empregando-os em suas próprias fábricas. Esta última estranhei, pois a rua é relativamente estreita e não vi em nenhum momento grande fluxo de trânsito, mas pensei que talvez pudesse ser para alertar os motoristas sobre os turistas que param no meio da rua para tirar fotos. São muitos, já que o lugar é um marco na história. Mas é mera suposição minha, claro.
Relativamente perto da fábrica de Schindler, chamou-me a atenção uma indicação de ciclofaixa que dava diretamente numa faixa de estacionamento. Juro que não entendi para que serve, mas em Varsóvia, assim como em vários outros lugares da Europa, bicicletas andam livremente ora na calçada, ora na rua, ora nas ciclofaixas. Daí meu estranhamento com isso. Em todo caso, se alguém souber o motivo desta pintura no chão, mensagens para a redação.
Os modelos de carros na Polônia são os mais variados. Chegamos a ver um charmoso Lada Laika estacionado numa rua de Varsóvia, quando passeávamos a pé à noite. Mas a Polônia é um grande produtor de veículos — por sinal, dos maiores entre os fabricantes de veículos de passageiros. No total, a produção de veículos responde por 11% do produto industrial do país e 4% do PIB. Entre 2000 e 2015, o mercado polonês flutua entre 250.000 e 400.000 unidades vendidas ao ano. Mas entre 2013 e 2017 tem subido constantemente, ano em que foi alcançada a marca de 486.300 unidades. Não há uma grande concentração de marcas. No ano passado, foram comercializados 62.100 Škoda, 50.800 Toyota, 49.100 Volkswagen, 36.000 Opel, 29.400 Ford, 28.000 Renault, 22.800 Kia, 21.600 Dacia, 20.000 Hyundai e 17.100 Mercedes-Benz, apenas para ficar entre as 10 marcas mais vendidas. Em termos de produção, os números são bem significativos: no ano passado foram produzidos 514.700 carros de passeio. Nada mau para um país com 38 milhões de habitantes, não?
Nas ruas de Varsóvia chamou-me a atenção uma marcação em algumas esquinas. Fora o fato de que realmente facilita que se enxergue se algum veículo ou pedestre vem pela lateral, fiquei em dúvida sobre sua finalidade. Lembrei de uma tentativa feita em São Paulo de prolongamento da calçada em algumas esquinas. Só que no Patropi foi feita apenas com tinta e, em alguns lugares, com uns postinhos. Já abordei o assunto aqui e vocês poderão comparar a diferença entre a qualidade e praticidade de uma obra e de outra.
Ainda em Varsóvia, nos despedimos do carro alugado depois de termos rodado exatos 1.980,2 quilômetros, como mostra o computador de bordo. Deu pena, pois o Škoda Octavia foi uma excelente escolha, mas a logística para poder encaixar uns dias em Berlim nos impedia de fazer a última perna da viagem de carro e optamos por ir de trem. Afinal de contas, Noratur é autoentusiasta mas também acomoda as preferências dos outros e Berlim estava prometida à cara metade fazia algum tempo. Semana que vem conto mais sobre o final da viagem.
Mudando de assunto: justamente quando estava na Polônia ocorreu o GP de Fórmula 1 dos Estados Unidos. Amo Fórmula 1, mas quando estou viajando minha prioridade é a viagem, por isso nada de ficar no hotel vendo televisão. Ainda assim, consegui ver um programa especial sobre a corrida, a largada e as primeiras voltas antes de sair para jantar e o vídeo complete na volta. Para minha felicidade, a televisão polonesa (um dos sei lá quantos canais que encontrei. São muitos!) tinha como comentarista o simpático e talentoso filho do país Robert Kubica. Genial — se eu entendesse algo de polonês. O mesmo me aconteceu durante a transmissão. O rádio do Kimi Räikkönen é horrível e incompreensível, mas as “traduções” dos comentaristas em polonês não me ajudaram em nada. Ai que aflição de não entender o idioma local… isso é algo que me frustra muito.
NG