Este causo, enviado por Rodrigo Paes, conta uma história de família onde um Fusca assume um papel preponderante nos acontecimentos. O causo discorre sobre muitos anos de convivência, que se estendem de 1976 até hoje e muitos de nossos leitores e leitoras poderão até se identificar com algumas das situações relatadas.
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O QUERIDO FUSCA “1140” – UM CARRO DE FAMÍLIA
Por Rodrigo Paes
Em outubro de 1976, um anúncio de venda no quadro de avisos do Sesc de Três Rios, RJ chamou a atenção do meu pai.
Um Fusca 1500 1970, o famoso Fuscão, estava à venda. Por intermédio da minha tia, que lá trabalhava, chegou-se ao anunciante — um instrutor do Senac, Sr. Walter, que à época ministrava um curso de cabeleireiro naquela Unidade. Após negociações, o carro era nosso.
Na ocasião, com 12 anos de idade, fiquei muito empolgado com a aquisição. Aliás, todos nós — meu pai, minha mãe e eu. O carro logo foi “batizado” de “1140”, o número de sua placa. Um vizinho, chamava-o de “coelho” devido às combinações numéricas de “certo jogo de azar” muito popular.
Não lembro o porquê, nem meu pai, mas de início o carro ficou guardado numa concessionária onde um dos seus irmãos trabalhava.
Todos os dias, na hora do almoço, eu escapava para lá. Entrava no carro e ficava: primeira… ré… Primeira… ré… Até que um dia, uma lata de 20 litros “interpôs-se” na minha trajetória; muito barulho e, felizmente, só o susto, muito susto. Frustravam-se, naquele momento, minhas aventuras de piloto fortuito.
São muitas as lembranças que o “1140” nos proporcionou e ainda nos proporciona. O carro é valente!
Certa ocasião, vindo de Muriqui,RJ, na subida da serra de Mendes, o cabo do acelerador arrebentou no momento de uma ultrapassagem. Carro para o acostamento, hora do recurso técnico que nos conduziria até em casa a uns 80 quilômetros adiante.
Comum entre os meninos, e numa época mais permissiva, aos domingos as voltinhas eram frequentes. Até que, num desses domingos, um Opala branco também “interpôs-se” no meu caminho e aconteceu: bati. Uma das regras da Física fazia-se presente novamente: “Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo”.
Marcha à ré engatada, “vazei”! Chegando em casa, a hora da verdade com minha mãe que havia permitido a aventura. Contudo, o pior momento seria conversar com meu pai. Quando ele acordou, contei. Primeira (e única) pergunta: “Sua saída foi às escondidas?” Não, a mãe deixou — respondi me “borrando de medo”.
Após minutos de silêncio, disse ele: “Bem, não está certo, mas como houve permissão da sua mãe, dessa vez passa”. O Opala? Seu motorista? Até hoje não sabemos.
Em outra ocasião, minha mãe aventurando-se no volante, retornando de Mar de Espanha, MG, Zona da Mata Mineira, meu pai como instrutor e cumprindo esse papel à risca ia dando as ordens: acelera, freia, passa marcha, farol alto, farol baixo, olha a vaca! Minha mãe atrapalhou-se e saímos da estrada num “baixadão”. Felizmente sem cercas, sem animais, mas com muitos pulos e solavancos do “1140” e nós lá dentro.
Meu avô materno, parceiro na aventura, proporcionou a descontração depois do susto. Ao olharmos para ele, estava com o cinto de segurança enrolado no pescoço, olhos arregalados e mudo. Muita risada, espíritos mais calmos e pé na estrada novamente. Agora, prudentemente, com meu pai ao volante.
Comigo aconteceu, estando em Juiz de Fora, MG, romper-se o cabo da embreagem. Marchas passadas no tempo e novamente levou-me para casa.
Meu pai sempre foi amoroso e muito participativo comigo, com os sobrinhos, com a criançada em geral. Desde sempre gosta de cercar-se de crianças e provocá-las com brincadeiras. Era comum misturar-se à criançada e fazer a alegria dos “miúdos”. Hoje, já marmanjos, lembram as aventuras e travessuras com o Tio Carlinhos. A prima Fabiana, viajando a trabalho, encontrou o refrigerante “Baré” e isto detonou as gratas lembranças da infância. Reservou a latinha para fazer chegar ao tio, acompanhada do bilhetinho:
“Tio Carlinhos, estava em Rio Branco, AC e fui almoçar. Para acompanhar a refeição, trouxeram-me uma latinha de refrigerante. Ao primeiro gole, fiz uma viagem no tempo… Lembrei-me dos passeios de “1140” ao outro lado do rio, quando o chão ainda era de terra batida íamos a um bar onde havia duas atrações “secretas”: jogo de Totó e guaraná Baré.
Ofereço a você, o organizador de tais aventuras, alguns goles de guaraná Baré (agora em latinha) e doces lembranças…
Com carinho da sua afilhada Fabiana. “
Outros dois primos, Rodolfo e Fred, também têm histórias do “1140” para contar. Nos passeios, o Tio Carlinhos ia ouvindo a conversa entre ambos e o conselho de um para o outro: “Olha, é bom você estudar; senão, não vai passar de Fusca!”. Ambos ouviram o próprio conselho, estão bem e um deles possui um BMW 2018.
Hoje, essas crianças, todos adultos resolvidos, estabelecidos e estabilizados, guardam lembranças indeléveis dos passeios no Fuscão com o Tio Carlinhos.
O “1140” esteve comigo na faculdade também, em épocas de prova ele era transferido para Itatiaia para facilitar o percurso até Resende.
Foi meu companheiro na primeira viagem de férias na empresa em que trabalho até hoje. Entre bolsista e efetivo são 34 anos e muita história também. Na ocasião meu pai emprestou-me o “1140”. Lá fui eu: minha primeira viagem solo; 520 km distante de Itatiaia, RJ até o hoje emancipado Município de São José da Barra, onde iniciei minha vida profissional em Furnas Centrais Elétricas, num já distante fevereiro de 1985.
O tempo foi passando e em 1998, quando meu pai adquiriu um novo veículo, resolveu doar o “1140” para mim. Essa jornada só terminaria dois anos mais tarde, em 2000, quando ele veio dirigindo o Fusca de Três Rios até Itatiaia, distantes 184 quilômetros. Finalmente o carro fez morada na minha garagem.
Numa tarde dessas ensolaradas e bem quentes, ecoaram gritos pelo condomínio e outros vindo de um sítio próximo. Ouvi me chamarem. Peguei o Fusca e fui em direção aos gritos. Era o sobrinho do nosso vigilante que se afogara na piscina do sítio. Colocamos o menino no carro e partimos para o hospital, eu — descalço, sem camisa, de sunga —, a mãe desesperada, o Edinho segurando o moleque de cabeça para baixo. Passado o susto e momentos de desespero, tudo ficou bem. Hoje essa passagem rende lembranças cômicas da situação e consolidou um relacionamento com aquela família que dura uns 33 anos.
Num certo dia de 2009, minha mulher, minha parceira Wall pegou o “1140” e foi até o centro de Itatiaia. Foi curtir o Fusca. Uma vaga espaçosa encontrando, estacionou o carro sem problemas. Porém, na hora do retorno para casa, outros dois carros parados próximos obrigaram-na a “fazer baliza”. E aí? Bem, ir para frente tudo bem. E a ré? Nada de marcha a ré, mas a ré estava lá, no mesmo lugar de sempre. Tinhosa, Wall tentou, tentou e nada. Lá pelas tantas, um senhorzinho (seu Juvenal), passando e vendo o apuro da moça, parou e rapidamente deu solução no problema. Acostumada com os carros mais modernos, não sabia onde “ficava” a marcha a ré. Solução dada, pé na estrada. O detalhe é que antes que eu chegasse em casa, já sabia do ocorrido (risos). Itatiaia, cidade pequena, tem essa ligeireza nas notícias.
Até 2016 sempre fiz as revisões anuais por aqui, em Resende. Em 2017 levei o Fusca até Três Rios, para o veterano mecânico que cuidara dele quando “jovem”. Meu pai sempre comentou que gostaria que um dia o “Zequinha” desse uma olhada no carro. Desejo atendido.
A Wall também fez essa viagem comigo. O detalhe é que ela foi pela manhã com as crianças no outro veículo até Três Rios e retornou mais tarde, de ônibus, para fazer a viagem no dia seguinte, de Fuscão. Disse-me: “não perco essa emoção por nada!”
Intercorrências? Nenhuma. Tudo correu perfeitamente bem e fomos de Itatiaia até Três Rios com consumo de 13,9 km/l, muito tranquilamente, e em exatas 3 h e10 min num carro dos anos 70, com 46 anos.
Ao chegarmos, fomos direto para a oficina do “Zequinha”, mecânico de longa data e experiência. Trabalhou durante muitos anos na concessionária VW em Três Rios e agora estava por conta própria.
Meu pai tomou a frente e deixei com suas lembranças e o orgulho para as instruções do que ELE queria que fosse verificado.
No retorno de Três Rios para Itatiaia, minha parceira de viagem foi Sofia, minha filha. Ajustada no banco traseiro, a certa altura da viagem solta uma pérola: “Papai, o Fusca é muito divertido e legal, por dentro ele parece uma geladeira”.
Todas as vezes que vem aqui em casa, meu pai faz uma apurada vistoria e claro: deixa algumas recomendações.
Confesso que também tenho muitos ciúmes do Fusca. Só depois de insistentes apelos dos colegas de trabalho permiti, um dia desses, uma “voltinha” no condomínio com nossa Joia Rara e muito querida. Na ocasião houve registro fotográfico e até o gerente veio falar comigo, não acreditando que a permissão havia sido concedida. O fato é ainda comentado, em tom folclórico. É o ditado de que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Faz todo sentido.
Houve outro Fusca, um 1300 1969 — para-choques tipo poleiro, igualmente bege, apelidado de “Camundongo”, ficou por pouco tempo, sem fotos ou causos, ao contrário do “1140”.
Enfim, a vida segue. Hoje, o “1140” conta 48 anos, sendo 43 na família. Eu, 54 anos; meu pai, 81 anos. Enzo, meu filho está com 13 anos e deverá assumir a responsabilidade de preservar este “V(W)elhinho” charmoso, um importante registro de nossa história familiar. Parceiro de boas lembranças e emoções inesquecíveis.
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Rodrigo Paes, quem é
Rodrigo Paes: nasceu em Três Rios em julho de 1964, trabalha em Furnas Centrais Elétricas há 34 anos, onde ingressou como técnico formado em Ciências Econômicas e com algumas Pós-Graduações. Casado com Wall e pai de Enzo (13) e Sofia (8). Apaixonado por carros e enciumadíssimo do Fusca “1140” que se mudou para sua garagem há 19 anos, presente do seu pai,,Carlos, hoje com 81 anos.
Ele acrescenta uma curiosidade que mostra a sua paixão pelo Fusca ao lado de sua consciência ecológica. Em seu casamento com a Wall a lembrancinha para os convidados foi uma caneca em cerâmica com noivos em um Fusca conversível; um presente útil e não descartável.
Por falar em casamento o Rodrigo está em seu terceiro, e nos anteriores ele foi para a igreja a bordo do “1140”, e no casamento atual o Fusca está sempre presente.
Na qualidade de redator da coluna isto me mostra que o casamento com o “1140” é o mais duradouro…
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Com este delicioso relato iniciamos a temporada 2019 de causos, no que agradecemos ao Rodrigo pela participação na coluna desta semana, desejando a ele e sua família um Feliz 2019. Desejamos, também, vida longa para o “1140”.
Assim como este causo foi resultado de um contato com um leitor da coluna Falando de Fusca & Afins, fica aberto o espaço para receber o seu causo para a nossa análise e eventual aproveitamento; o material pode ser enviado para o e-mail que consta abaixo.
AG
Agradeço ao amigo Rodrigo Pereira Paes por sua participação na minha coluna. Os contatos com ele foram feitos inicialmente pelos comentários de uma das matérias anterior, depois ele enviou material por e-mail. Daí passamos para o WhatsApp e o telefone. O Rodrigo é uma pessoa muito simpática e colaboradora, o que ajudou muito a publicar esta matéria desta maneira.
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