Uma primeira visita ao Salão de Detroit — nome oficial NAIAS, North American International Auto Show — é sempre emocionante. Por ser historicamente chamada de Capital do Automóvel, ou Cidade dos Carros, originalmente em inglês é conhecida como Motown, contração de Motor Town ou Motor City, Detroit tem uma aura de automóvel e em toda região há centenas de empresas relacionadas ao nosso assunto preferido, além de algumas atrações turísticas. Deveria ter mais, mas procurando com calma se acha muita coisa boa.
Se a exposição tem uma importância considerável, seu tamanho não é tão grande como a grandiosidade histórica da cidade. Menos cansativo que o de São Paulo, por exemplo, nem dá aquela dor nas pernas que prova ao final do dia que você andou muito.
Se esse salão deixou a desejar nos últimos anos, nesse não foi diferente. Vários fabricantes e importadores não se fizeram presentes, como Audi, BMW, Mercedes-Benz, Porsche, Maserati, Ferrari, Mazda, entre outros. Não ajuda também o fato da data ser sempre no começo do ano, agora na segunda quinzena de janeiro, o que é certeza de clima frio, sendo sorte se não houver neve nesses dias.
Ao menos esse problema já está resolvido para 2020, quando o evento se dará em junho, final da primavera já com clima mais ameno e humano, sem o frio extremo nem o verão escaldante dessa região em julho e agosto.
O local da mostra é o Cobo Center, área de eventos de três andares, mas que foi apenas ocupado no piso térreo pelo NAIAS. Fica bem no centro da cidade, e o acesso é fácil, com algumas pequenas lentidões no trânsito, algo natural. Cobo não é uma sigla como parece, e sim uma homenagem ao prefeito de Detroit, Albert Eugene Cobo (1983-1957) que dirigiu a cidade entre 1950 e o ano em que faleceu.
Nas fotos e no vídeo ao final da matéria pode-se ver bastante coisa, e já me desculpo pela sua duração, mas havia muito o que ver, que não necessariamente está nas fotos. Não deixe de assistir.
Marcas orientais vendem muito bem em todo Estados Unidos, e todas tem seus sedãs médios e/ou grandes. Estas marcas não se dão ao luxo de não comparecer a uma exposição dessa importância, aproveitando o espaço que seria usado pelas marcas da Europa.
O mais importante lançamento em Detroit foi o Toyota Supra, ao menos para quem aprecia esportivos ou grã-turismos. Muito se está falando sobre ele, e inúmeras piadinhas, algumas boas e outras horríveis, estão sendo divulgadas. O motivo é que esse Supra é um BMW Z4 novo com carroceria e acabamento Toyota. O que salta a vista é a alavanca do câmbio automático — talvez manual futuro — idêntica à dos BMWs, e o site Jalopnik teve acesso a um carro e fotografou inúmeros componentes com o logotipo BMW. Isso não é segredo de forma alguma, já que desde anos atrás quando o projeto foi anunciado a parceria foi divulgada. Motor, câmbio, suspensões, freios, direção e mais inúmeros componentes mecânicos são de projeto alemão. Sem aumentar a polêmica, tenho certeza que ele é ótimo de dirigir como o Z4 e se tiver preço realista deverá vender bem. Pessoalmente gostei muito do estilo, e o coloco na categoria dos carros com carronalidade.
Não há Z4 cupê, e não há Supra conversível, este um ponto interessante e que poderá fazer o cliente sem preferência de marca escolher um ou outro.
Tenho certeza que está sendo um grande aprendizado para ambos os fabricantes. A Toyota se reformulou fortemente em desenho externo e interno de todos os seus modelos depois de manter vários de seus carros por muito tempo com mudanças discretas, atraindo agora compradores mais jovens com o novo estilo e propagandas totalmente voltadas a novos clientes. Tem carros bastante diferentes entre si, sem a necessidade de “family feeling”, ou seja, a sensação de família que faz carros com dianteiras muito parecidas.
A BMW se atualiza devagar e sempre, e tem a maior parte da sua linha no esquema normal alemão de “Pequeno – Médio – Grande” e todos os tamanhos entre e além desses, todos com a mesma dianteira (falando de forma simplificada, lógico) trazendo um certo desalento estilístico.
Sobre qualidade, mais especificamente confiabilidade, pesquisas sérias sempre colocam a marca japonesa no topo ou bem próxima dele, quesito em que a BMW ainda tem espaço para evoluir. Espero que esse seja apenas o primeiro produto em conjunto.
No mundo dos monstros americanos com motores V-8 estavam presentes os habituais Camaros, Challengers, Corvettes e Mustangs, com a maior novidade sendo o modelo de topo da gama desse último, o GT500 Shelby. Se o GT350 e 350R eram notáveis com seus motores chamados Voodoo, de virabrequim plano com bielas defasadas em 180° como os motores Ferrari — esse 500 usa um bloco derivado do Voodoo, mas não tem virabrequim plano. Tem cerca de 710 cv, mas o número exato não foi divulgado. Câmbio é apenas automático, pela primeira vez uma caixa de dupla embreagem em um Mustang, com trocas manuais se o motorista quiser.
O mercado de componentes de modificação dos fabricantes é considerável, e o mais impressionante que estava exposto era a linha da marca Mopar, da FCA. Um Dodge Charger 1968 foi refeito com peças atuais, motor Hemi, suspensões, rodas e mais uma infinidade de itens. Se prefiro sempre um carro antigo original, não há como não ficar em êxtase com a aparência e a qualidade visual do carro.
O motor V8 de 426 polegadas cúbicas (6.981 cm³) instalado nesse carro poderá ser vendido junto com câmbio e módulos eletrônicos e seus chicotes, além de todos os periféricos, como alternador. Ainda não tem o preço definido, e entrará logo no catálogo da Mopar. Se você quer modernizar um Dodge antigo e tem recursos financeiros para isso, fique de olho.
Um pouco mais pé no chão é o jipe Roxor, da indiana Mahindra, Tendo os direitos de produção do antigo Jeep naquela região, permanecem desenvolvendo o modelo, e nos últimos anos um centro de tecnologia foi construído em Michigan, além de uma pequena fábrica, de onde sai o Roxor. O preço básico é ao redor de 15 mil dólares, mas não tem carroceria fechada, o que limita sua clientela. De qualquer forma, é ótimo saber que não se precisa comprar um Jeep Wrangler que começa em 30 mil dólares para se ter um jipe tradicional, “puro e duro”. Único problema é que ele não pode rodar em vias públicas, é de uso permitido apenas fora de estrada, já que não dispõe de alguns equipamentos de segurança obrigatórios para tal, como as bolsas infláveis.
Passando para o setor dos mais pesados, a grande festa das picapes e derivados, os veículos mais vendidos nos Estados Unidos por varias razões. Uma delas é óbvia, o gosto por carros grandes que foram desaparecendo. Se sobraram as picapes, é isso que venderá mais. Famílias são na média mais numerosas nos EUA, e se apertam em carros normais.
Outro motivo são os invernos rigorosos da metade do enorme país para o norte. Neve é frequente, gelo se forma dela quando muito frio, que derrete ao aquecer um pouco, e também quando sal é jogado em ruas e estradas, formando uma meleca incrível. Carros escorregam e acabam por bater em guias, árvores, ou simplesmente atolam em canteiros nas ruas e estradas. Se você usa uma picape alta com bom curso de suspensão, as dificuldades são bem menores, a perda de tempo é menor, e a garantia de não ficar em dificuldade e correr o risco de ficar passando frio do lado de fora do carro aumenta muito.
Para não ficar apenas nisso, há muita gente que carrega para sua casa e dali para oficinas os seus equipamentos de jardinagem e de remoção de neve, como pequenos tratores indispensáveis em muitos lugares devido às áreas grandes dos terrenos onde se habita, ou suas motos e quadriciclos, além de motos para neve, barcos e outros. Mais de metade desses veículos “de lazer” que existem no mundo estão nos EUA, e cerca de 40% dos snowmobiles também. Quando se compra materiais para reformas em casa, móveis e outros itens grandes quaisquer, normalmente os fretes para entrega são altos. Se você puder levar no seu carro, melhor e mais barato.
Para adicionar a tudo isso, há 1.339 pistas de corrida de todos os tipos nos EUA, e a maioria dos carros e motos que nelas competem não chegam lá rodando, precisam ser rebocadas, quase sempre por picapes.
São dezenas de usos diferentes, sendo fácil demais entender por que se vende tanta picape, mais do que suves e carros normais, pela simples capacidade de ser multitarefa. E no campo comercial de serviços não se vê “Uno com escada” nos EUA, mas “picape com escada”. Um número de 2017: mais de 2,3 milhões desses utilitários foram vendidos, apenas nos modelos grandes, sem contar as médias como Chevrolet Colorado (nossa S10).
Em parte derivados das picapes, os suves são abundantes também. Preferi apenas registrar nas fotos os mais tradicionais, da linha GM, com base mecânica da picape Silverado. Há mais modelos no vídeo, e mais picapes, para aqueles que as apreciam (como eu) ou ao menos têm curiosidade.
Um estande bonito de ver foi o da Volkswagen. Apesar de novidade apenas o Jetta e o Passat um pouco diferente do vendido no Brasil, os carros da linha frontal eram todos em cores fortes, o que permitiu algumas belas fotos. De se notar com prazer o tecido do Golf GTI no padrão xadrez batizado de Interlagos, desde o lançamento do modelo em 1976. Topo da linha Golf, e os bancos não são revestidos em couro. Absolutamente ótimo!
A marca de luxo da Ford, Lincoln, está completando os 80 anos de seu modelo mais emblemático, o Continental, e resolveu fazer algo muito diferente para comemorar. Uma edição limitada a 80 unidades com maior entre-eixos e portas traseiras pivotadas na coluna C, ou seja, “suicidas”. Chama-se Coach Door Edition e chamava bastante atenção. Uma verdadeira ode ao passado, com tecnologia e luxo atuais. Um espetáculo!
Importadores independentes que também prestam serviços de manutenção e modificações estavam no NAIAS, ocupando o espaço onde deveriam estar as marcas que não quiseram participar. Em meio a alguns carros de verdadeiro mau gosto, selecionei alguns que, acredito, agradem à maioria de nossos leitores. Esta é a galeria a seguir.
A seguir o vídeo com mais informações.
JJ
Fotos e vídeo: autor