Este ano começou muito difícil. Refiro-me às tragédias que atingiram o País, na maior parte dos casos por puro descaso seja do poder público, da iniciativa privada ou uma combinação de ambas — caso do mar de lama de Brumadinho e do incêndio no alojamento do Flamengo para falar de números de monta. Mas teve um número que, embora de 2018 foi divulgado nos últimos dias que não confirma tragédias nem desastres. Muito pelo contrário. Por algum incrível milagre, o motorista paulistano resolveu, assim, do nada, respeitar a sinalização. Não é incrível, caro leitor? O mesmo motorista que até há pouco recebia multas a torto e direito passou a respeitar placas de trânsito. Assim do nada. Talvez o paulistano tenha sido abduzido por alienígenas e trocado por motoristas alemães, quem sabe? Ou quiçá os condutores tenham sido acometidos subitamente por um respeito cívico pela autoridade de trânsito? Para aqueles que diziam que não havia indústria da multa, que era só não desrespeitar a sinalização, dirijo a pergunta: o que mudou?
Pergunta retórica, é claro. Na verdade, a única coisa que mudou foram as indicações. Como mencionei neste espaço semana passada, após o aumento da velocidade máxima nas marginais Tietê e Pinheiros houve uma proliferação de placas indicando: a X metros redução de velocidade. E, novamente, mais adiante: a X metros redução de velocidade. E placas bem visíveis com os novos limites. Foram colocados sinalizadores sonoros no chão para chamar a atenção dos mais distraídos. Nas vias que dão acesso às pistas marginais, lombadas e placas obrigam motoristas a reduzirem a velocidade antes de entrar nas pistas. As placas que indicam radares aumentaram também e, embora ainda sejam encontradas, placas encobertas por árvores são muitíssimo mais raras. Em resumo, basta deixar clara a sinalização que o respeito a elas aumenta – ou seja, não é que o paulistano goste de tomar multa por esporte, mas isso acontecia porque a sinalização não era clara. E olha que a velocidade, exceto nas marginais (foto de abertura) não aumentou em nenhuma rua ou avenida — continua absurdamente baixa em toda a cidade, entre 30 km/h e 50 km/h em quase todas as vias.
Mas não pensem que eu “acho” isto ou aquilo. Como sempre, apenas concluo certas coisas com base em números. Segundo dados do Painel Mobilidade Segura, da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes e divulgado pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), entre janeiro e outubro de 2018 a capital paulista registrou queda de 21% no número de multas aplicadas quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Segundo a Secretaria, todas essas multas foram emitidas para apenas 23,1% dos veículos – ou seja, 76,9% dos veículos registrados na capital sequer foram multados no período. Volto aqui a insistir que os registros sobre frota de veículos não estão atualizados em nenhum lugar neste país, mas ainda que possa haver erros, o porcentual é significativo.
A queda na emissão de multas já vinha sendo registrada desde 2017 devido à melhoria na sinalização. A Secretaria reconhece que a desativação dos radares estáticos, aqueles em caixas de metal e que eram de difícil identificação por parte dos motoristas, também contribuiu para a queda. Já os radares fixos não foram retirados nem houve diminuição no seu número — e a cidade contava com astronômicos 901 radares fixos que caíram para 877 no final de 2017. Comparando apenas o primeiro semestre de 2018 com o mesmo período de 2017 houve uma queda na emissão de multas de 5,1 milhões para 4,1 milhões — emissões automáticas, diga-se, portanto nada tem a ver com número de marronzinhos ou qualquer outra coisa.. Até porque eles também autuaram menos: 1,24 milhão de multas nos primeiros seis meses de 2018 contra1,7 milhão no mesmo período de 2017. São menos infrações cometidas, mesmo.
Decupando um pouco os números, há outros fatos interessantes: as infrações por excesso de velocidade em 2018 caíram em relação a 2017. Não tenho todos os números fechados para poder comparar, então vou usar a mesma base: primeiro semestre de um ano e primeiro semestre do ano seguinte: transitar em velocidade superior à máxima permitida em até 20% se traduziu em 1,95 milhão de multas em 2018 quando foram 2,55 milhões em 2017. Os paulistanos, que por diversas vezes aprovaram limites mais altos de velocidade, subitamente teriam se conformado com eles? Ou agora não sobra dinheiro, ao contrário do que acontecia até 2017 quando os cidadãos da maior metrópole do país se divertiam rasgando dinheiro com multas ou doando seus recursos à Prefeitura via autuação de trânsito?
Fora dos números absolutos, há dados interessantes da iniciativa privada. A Fundação Mapfre analisou no ano passado 13 vias da capital paulista e verificou que de todas as infrações de trânsito por excesso de velocidade 41% ocorreram em vias onde a máxima permitida era de 30 km/h. Quando a velocidade aumenta para um máximo de 40 km/h foram registradas 3,6% das infrações. Do total das infrações por excesso de velocidade cometidas, 33% foram de motociclistas, seguidas por ônibus de turismo (28%), caminhões (24%) e carros de passeio (8%). Vejam, caros leitores, o estrago que o autoentusiasmo faz! (modo irônico ativado). Lembrando, é claro, que a frota de veículos de passeio é muito superior à de motos. E lembrando, novamente, que falamos que quase a metade das infrações por excesso de velocidade corresponde a máximas de até 40 km/h. Quase a velocidade da luz, diria minha bisavó espanhola exagerada (ainda não desativei o modo irônico, tá?).
Do ponto de vista mais, digamos, burocrático, a capital paulista adotou uma medida bem prática para facilitar a vida dos munícipes: passou a oferecer parcelamento de multas de trânsito no cartão de crédito em até 12 vezes. A comodidade por enquanto só pode ser utilizada em alguns postos do Detran, mas também experimentalmente em algumas subprefeituras. Gostei da ideia de deixar de ver o motorista como um ser perverso que deve ser combatido. Parece que resolveram vir para o lado “bom” da Força, aquele dos mestres jedis e do Luke Skywalker e deixar de lado essa visão Darth Vader do motorista de carro. Parece pouco, e é, mas não deixa de ser algo mais civilizado e prático, até mesmo do ponto de vista arrecadatório.
Mudando de assunto: alguém me explica por quë o ar-condicionado do carro quebra justamente no mês mais quente dos últimos sei lá quantos anos? Não podia ser em julho? Ou, pelo menos, em outro mês não recorde? Tenho dirigido rotando no banco para poder assar por igual até conseguir levar o carro para resolver isso.
NG