No final de 2005 a Volkswagen do Brasil decidiu aposentar o fiel motor de milhões de veículos da marca, o motor boxer arrefecido a ar. Com isto seria rompido o mais importante elo que ligava a marca a Ferdinand Porsche e sua brilhante equipe de engenheiros. Mais ainda, isto iria ocorrer em nível mundial, já que no México a produção deste motor havia sido encerrada em 2003, com o último Vocho a deixar a linha de produção; e na Alemanha isto já havia ocorrido anos antes.
O motor boxer arrefecido a ar foi, na realidade, o elemento que aglutinou, direta ou indiretamente, o amor de milhões de fãs pela marca Volkswagen em sua primeira fase; isto porque este motor, usado inicialmente no Fusca (e nos veículos militares durante a II Guerra Mundial) acabou “empurrando” muitos outros tipos de veículos da marca. Mais à frente, extrapolando limites, ele foi usado em aviões, motocicletas, barcos e num sem-número de aplicações como motor estacionário.
Adiante, nesta matéria, vamos comentar como fizemos um movimento de amplitude mundial por uma “despedida honrosa” deste motor, já que muitos fãs não tinham concordado com a maneira com a qual Volkswagen do Brasil havia anunciado a despedida do Fusca em 1986 e se pretendia evitar que este esquema fosse aplicado à despedida do motor boxer.
Em todo o caso, a Volkswagen do Brasil acabou lançando um modelo comemorativo da Kombi, para registrar o término do uso do motor boxer arrefecido a ar: foi a Kombi Série Prata, como ela apresentou com uma página em seu site, aqui reproduzida na imagem de abertura e na ilustração abaixo:
Nesta matéria apresentaremos o resultado de novas diligências do amigo André Chun, que se destaca por sua habilidade de pesquisa da história de veículos nacionais, com ênfase aos Volkswagens e, com isto, ele faz interessantes levantamentos dos modelos em si e dos paradeiros das unidades produzidas de um dado tipo. Veremos um verdadeiro trabalho de detetive histórico sobre a Kombi Série Prata.
Kombi Série Prata
Como pesquisado e reportado por André Hak Joo Chun
Para esta série especial havia sido estabelecido o número de 200 Kombis, e por ser um número pequeno supunha-se que amantes do tradicional veículo iriam adquiri-las para inclí-las em suas coleções.
Lembrando que o motor original alemão idealizado ainda na década de 1930, já tinha sofrido várias modificações e era bastante diferente desses que vieram a ser os últimos montados no planeta, que já podiam ter injeção eletrônica multiponto equipando o motor de 1,6 litro, com catalisador; e que eram oferecidos nas versões a álcool e a gasolina.
As Kombis Série Prata, externamente, vieram todas elas pintadas na cor prata Light metálico. Os para-choques e aros de faróis eram pintados na cor cinza Cross, que na foto parece ser preto. Ainda externamente as setas eram transparentes e as lanternas traseiras fumês, os vidros eram esverdeados com faixa degradê no para-brisa e um adesivo com os dizeres “Kombi Serie Prata” na tampa do porta-malas identificava a série especial.
Um detalhe que pouca gente observa é que o vidro da janela traseira no lado do motorista é de correr — até então vista somente na Kombi Carat de 1997 a 99 e que foi usada posteriormente na “Kombi 50 Anos”).
Internamente o tecido do estofamento era diferenciado. O vidro traseiro possuía desembaçador. No painel também havia uma identificação “Kombi Série Prata”.
Abaixo, o famoso motor a gasolina (injeção eletrônica multiponto), 1.584 cm3 boxer (de quatro cilindros), arrefecido a ar. Com uma potência de 58 cv a 4.200 rpm e um torque máximo de 11,3 m·kgf a 2.600 rpm; cuja despedida foi o responsável pela Série Prata:
Num dado momento eu pensei: uma coisa é conhecer os detalhes mencionados acima, outra coisa é passados 13 anos da produção destas 200 Kombis descobrir onde elas estão, como estão sendo usadas e qual é o seu estado de conservação atual.
Pesquisas: método
Nos quase cinco anos de pesquisas feitas até então, eu consegui coletar fotos e dados de umas 90 delas, usando sempre os anúncios no site WebMotors, da loja de antigos especiais “Reginaldo de Campinas”, do Mercado Livre, do OLX, além de fotos do Facebook, reportagens digitalizadas, indicação de amigos e grupos de WhatsApp.
Sem a ajuda da internet, certamente seria impossível realizar este estudo, que foi feito, em boa parte, nos meus tempos livres na Alemanha, onde resido.
Mas em 2018 eu decidi dar um passo a mais e ir mais a fundo na pesquisa!
Estudando os dados já catalogados dessas 90 Série Prata, eu comecei a levantar algumas coisas a mais, como: através da descoberta que havia um espaçamento entre números de seus chassis eu soube que essas 200 Kombis não foram feitas de uma só vez. Constatei que a diferença entre o menor e o maior dos números de chassi, que consegui catalogar, era de mais de 3000, ou seja, as Kombis Série Prata seguramente não são exatamente os últimos 200 veículos Volkswagen arrefecidos a ar do planeta.
Nesse momento, foi possível perceber também que, infelizmente, a maioria delas acabou não tendo fins colecionáveis e foi utilizada na labuta como outra Kombi qualquer. Talvez por isso, na “Kombi Edição 50 anos” foram disponibilizadas apenas 50 Kombis para os colecionadores (escreverei sobre elas em breve).
A última Kombi Série Prata que eu tinha catalogado tinha chassis próximo a 5800 e (tirando a pioneira com o chassi número 2476) o chassi mais baixo foi o 3400. Embora eu ainda não tivesse catalogado a totalidade delas, o fato de ter 90 das 200 Série Prata catalogadas nesse momento me dava uma boa percepção de onde poderiam estar as demais.
Pude observar naquele momento uma concentração muito forte no intervalo de números de chassi entre 3600 e 5300. Chassis abaixo de 3600 e acima de 5300 tinham uma incidência de Kombis Série Prata mais espaçada.
Nesse meio tempo, falando com amigos que participaram da linha de produção, recebi deles uma dica importante: já naquela época a produção seguia um rígido planejamento que iniciava com a definição do produto final que gerava o seu código de barras (contendo as definições de acabamentos, cores, tapeçaria, opcionais, etc. bem como de sua sequência de fabricação). Segundo este planejamento era definida uma quantidade limitada de Kombis para serem transformadas em Série Prata por semana de trabalho. Sendo assim resultou que sempre eram retirados três ou quatro Kombis com número de chassi próximos a cada intervalo de 50 Kombis para receberem o acabamento Série Prata.
Quando se fabrica poucas unidades de um carro atípico, a linha de montagem não recebe uma preparação especial e o tempo requerido para a fabricação deste modelo especial é muito maior. Essa dica me fez montar uma lógica provável da sequência dos números de chassi que iria me auxiliar na busca das demais Kombis, cujo paradeiro ainda não tinha sido descoberto.
Para cada chassi que eu tinha catalogado, levantei informações de dez chassis acima e dez abaixo. Estratégia definida e com muitos números de chassi em mãos fui recorrendo a sites que informavam o modelo do carro a partir do número do chassi (hoje, todos os sites que conheço, fecharam ou limitaram esse serviço) e acabei achando cerca de 80 “novas” Kombis Série Prata.
Depois destas descobertas eu acabei encontrando mais dez exemplares e nessa ocasião a minha base de dados passou a ter 182 Kombis Série Prata, que continham informações de placa e combustível apenas. Esse número é exatamente o que o Denatran possui registrado em sua base de dados! Isto consolidou o resultado de minha pesquisa até então.
Já com uma base mais robusta (182 de 200 que corresponde a 91% do total delas), eu continuava intrigado e ainda queria descobrir onde estavam as 18 restantes.
Para minha surpresa, eu soube por um amigo alemão, o Günther Gunkel (participante do nosso grupo de Kombis T2 no WhatsApp), que havia um senhor chamado Thomas Küster que havia importado algumas Kombis Série Prata para a Alemanha. O Günther me passou o contato do Thomas no Facebook.
Entrando em contato com o Sr Küster, ele me disse que em 2005, ele trouxe 75 Kombis , entre as quais 10 Serie Prata:
O Sr Küster me disse que a Volkswagen alemã optou em não trazer Kombis para os consumidores alemães, porque do contrário teria que oferecer peças e serviços para os clientes; o que não era economicamente viável dado o pequeno número de unidades que poderia ser comercializado. Diante desse fato, ele decidiu trazer essas Kombis entre 2005 e 2006 para vender no mercado alemão como um importador independente. Na época, ele vendia as Kombis a 18 mil euros.
Abaixo as fotos de algumas Kombis Série Prata que vieram para a Alemanha através do Sr. Küster:
O curioso de tudo é que a própria VW alemã adquiriu uma das Kombis que ele importou para a Alemanha:
Bom, a esta altura das pesquisas eu já sabia de 192 delas (182 no Brasil e 10 na Alemanha) e nessa oportunidade eu não consegui informações adicionais relevantes. As últimas 8 que não consegui encontrar, presumo que estejam na Inglaterra, pois uma empresa que transforma Kombis do Brasil para Kombi Camping usou algumas Serie Prata. Não sei precisar se foram mais de uma ou as 8.
Em tempo, eu não encontrei as informações desses veículos exportados na base do Denatran.
Com esses números de chassis nas mãos, através de pesquisas pagas, consegui mais detalhes desses carros que me permitiram chegar nos donos ou ainda ter informações sobre a cor atual, se foi transformada para GNV, se foi baixada, se era táxi, lotação, uso oficial, de empresa, etc… . Não consegui conversar com todos os proprietários, mas sempre que tinha um tempinho, conseguia o telefone ou a página do Facebook de um ou outro e aproveitava para conseguir mais informações que pudessem enriquecer minhas pesquisas.
Onde estão as 182 Kombis no Brasil
A tabela abaixo mostra as 182 Kombis Série Prata nos respectivos estados brasileiros em que se encontram emplacadas:
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Na Parte 2 desta matéria vamos continuar no estudo da trajetória das Kombis Série Prata, com os seguintes tópicos: a pioneira das Kombis Séries Prata, a Kombi Série Prata do André Chun, curiosidades, Kombis Série Prata em uso, Kombis Série Prata Customizadas, Kombis Sèrie Prata com baixa quilometragem e a última Kombi Série Prata fabricada.
Na Parte 3 vamos relembrar os movimentos feitos em torno da retirada de fabricação do motor boxer — que influenciou na decisão de lançar a Kombi Série Prata, contatos com a fábrica e reações de amantes da marca resultando num movimento espontâneo de celebração do motor boxer em sua retirada de fabricação.
Navegador entre as partes desta matéria:
Parte 2
Parte 3
AG
Esta matéria está sendo desenvolvida a partir do trabalho excelente do André Hak Joo Chun, nosso “Detetive Antigomobilista”, e o mesmo será continuada na Parte 2.
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Nota de acréscimo: foi completada em 19/02/2019 a informação sobre o planejamento de fabricação através de código de barras na linha de fabricação.
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.