Caros leitores, voltei. Digo isto caso não tenham percebido minha ausência, hehehehe. Como sempre digo, gosto de pensar que faço falta — pelo menos para alguma pessoas e em alguns casos.
Estou preparando minha coluna sobre minha mais recente viagem. Aguardem. Fotos interessantíssimas de lugares meio fora da casinha. E tudo de carro. Semana que vem conto mais.
Hoje, enquanto não me acho no meio das milhares de fotos que tirei, abordarei um assunto que tem me deixado meio maluca — e na viagem não foi diferente. Sempre acuso meu marido de ser Wazedependente. Digo que sem o aplicativo ele não seria capaz de dar uma volta no quarteirão — exagero meu, é claro, mas culpo meus ascendentes da Andaluzia que têm fama de aumentar tudo. Já falei neste espaço em 14 de setembro de 2016 sobre as vantagens desse aplicativo inclusive na diminuição dos congestionamentos, mas agora falarei de outro aspecto.
No fim, descobri que também tenho algum grau de dependência desta tecnologia. Ao voltar do aeroporto esta semana ficamos parados na marginal do Tietê por causa da enchente. Era de madrugada e o motorista de táxi que sempre nos leva e traz em nossas andanças nem pensou em ligar o Waze. Deduziu que a essa hora não haveria trânsito. Resultado? Foram 90 minutos parados, mas, para nossa sorte, estávamos perto de uma ponte. Apontada pelo Waze que meu marido muito rapidamente sacou do bolso, a saída foi providencial.
No último mês, no entanto, ele tem me pregado algumas peças. Antes de ir a algum lugar, ligo o ueise do meu espertofone quase sempre. Mas agora às vezes ele me indica um caminho estranho. Por duas vezes, pedi para meu marido ligar o ueise dele e… surpresa! Sugeria outro roteiro. Isso estando um ao lado do outro, logo o ponto inicial também era exatamente o mesmo. Desrespeitei a opção que me foi dada e, nova surpresa, em alguns quarteirões ele me apontava o mesmo caminho que no telefone do meu marido. Fiz as atualizações e, nada.
Na nossa viagem no Carnaval coisas estranhas aconteceram. Se você prefere esperar até a semana que vem para saber onde estive, pare de ler exatamente aqui. Senão, vamos direto estragar a surpresa. Lá vem spoiler: estive em Buenos Aires, depois no noroeste da Argentina e no Atacama chileno. Como sempre, ao chegar ao aeroporto de Buenos Aires comprei um chip de telefone local para poder estar em contato com minha família, checar reservas, e, principalmente, usar o Waze.
Claro que como sou paranoica e sempre acho que posso não ter sinal de celular, ficar sem bateria ou um monte de outras coisas que dificilmente acontecem e menos ainda juntas, levei escrito e impresso o básico: para sair da cidade Tal em direção à Qual, pegar a estrada X até o entroncamento com a Y. Seguir até encontrar a estrada Z que sai à direita e… Padrão Nora de TOC com planejamento.
Posso dizer que nas estradas o aplicativo funcionou razoavelmente. As instruções estavam basicamente corretas assim como as informações sobre entroncamentos, curvas, distâncias, etc., mas nenhuma informação sobre o estado real do caminho. Assim, fizemos os quase 70 quilômetros entre Purmamarca e Humahuaca (ambas no Noroeste argentino) em fantásticas cinco horas. O ueise esqueceu de computar a incrível lentidão da Estrada 9 por causa do Carnaval. Sim, caros leitores, Noratur falhou. Quando planejava a viagem, lembrei na última hora e apenas porque tinha dificuldades em reservar alguns hotéis nos quais queria me hospedar, que talvez o único lugar do país vizinho onde realmente se celebra o Carnaval é, justamente, ao longo da Quebrada de Humahuaca. E adivinhem qual era meu roteiro? Claro, os vilarejos ao longo da Quebrada, especialmente aqueles próximas da Estrada 9. Troféu sorvete na testa para a argentininha aqui. Tentei fugir do Carnaval brasileiro e cai no argentino!.
Bom, como percebi isso antes de viajar, avisei à cara-metade que poderíamos enfrentar alguns perrengues. Calculei tempo extra nos deslocamentos, topei ficar em pousadas que certamente não eram minha primeira escolha, mas nada que se comparasse ao que encontramos. O ueise me dizia, em Purmamarca, que em 40 minutos estaria em Humahuaca. Fazia sentido, pois a 9, embora seja uma estrada nacional e superimportante, é de pista simples que, embora belamente asfaltada, a mão é dupla e o acostamento, precário.
Mas justamente por cortar vilarejos como Humahuaca, Tilcara (5.000 habitantes que viram, sei lá, uns 20.000 no Carnaval), Uquía e Purmamarca, é que o pessoal se aglomera à volta da estrada para beber, comemorar ou apenas esperar um gaiato passar com a janela do carro aberta para jogar espuma em spray, serpentina, papel picado, talco ou farinha de trigo. Ou tudo junto.
Adivinhem? No primeiro grupo que atravessamos eu abri a janela do lado do meu marido para perguntar se o congestionamento ia muito longe e… o pessoal jogou um pouco de tudo isso na direção da minha cara-metade. Felizmente para meu casamento ele foi bem rápido e a lambança ficou apenas na janela — mas por pouco. Ele resmungou algo, olhou diretamente nos meus olhos e disse: “Vamos combinar especificamente algo daqui para frente: cada um abre a própria janela. E nenhuma outra. Fui bem claro?” Para quem conhece meu marido e a aversão dele a qualquer tipo de sujeira, minha trapalhada saiu barata. Era para ter recebido um silêncio sepulcral pelos seguintes dois dias, no mínimo. Além de olhares de fuzilamento sumário.
Aflitivamente, víamos as pessoas andar pelo acostamento e nos ultrapassar. A pé! Mesmo assim, o ueise mal alterava o tempo que ainda faltava. Claro que o colapso das comunicações pela gigantesca demanda não colaborava para as atualizações, mas o Google Maps também não funcionava lá grande coisa.
Quando entramos no caminho de montanha que une a Estrada 9 com o vilarejo de Iruya já eram 22 horas. Tudo o que eu não queria nesta viagem de duas semanas era pegar as Estradas 13 e 133 à noite. Pista única, mão dupla, de montanha, 40 quilômetros de “rípio” — aquela combinação de pedras e terra tão comum nas estradas argentinas. Tecnicamente, “rípio” vem do latim “replere”, que significa “rechear”. Na origem, o termo referia-se ao material usado para preencher qualquer buraco com restos de construção civil. Na prática, é uma mistura de pedras e terra.
Ele tem alguma vantagem sobre os pisos de terra apenas, pois é mais permeável. Mas é uma poeirada só e, obviamente, faz com que o veículo tenha muito menos estabilidade e aderência do que o asfalto. Sem falar que muitas dessas pedras são realmente grandes e mesmo as pequenas muitas vezes são pontiagudas o que faz com que furar um pneu seja algo para lá de comum. Diria que faz parte da experiência de dirigir no rípio.
Sem falar nas trepidações no volante e nas sequelas para o corpo. Vamos dizer que a suspensão do carro passa a ser os rins do motorista e dos passageiros e um ortopedista ou fisioterapeuta necessário depois de alguns quilômetros para colocar as vértebras novamente no lugar. Lembrei muito do meu caro fisioterapeuta Alê fiz vários exercícios que ele me ensinou ao final de cada dia. Ainda assim, analgésicos e antiinflamatórios podem ser necessários. Sem falar que na Argentina há muitas, mas muitas mesmo, estradas de rípio. Nesta viagem, quando andávamos no asfalto era raridade a ser comemorada.
Por causa do ueise e de ser, vejam só, sábado de Carnaval à noite entramos nas famigeradas Estradas 13 e 133 tarde da noite, ambas cheias de curvas e ziguezagues. Fizemos os 40 quilômetros em duas horas e meia — no começo, ainda choveu. Xinguei o aplicativo que não nos avisou das demoras na Estrada 9 até não poder mais. Enquanto meu marido dirigia, eu olhava a tela do celular e avisava: cotovelo fechado para a direita agora; daqui a uns 20 metros começa uma sequência de três ziquezagues, primeiro para a esquerda; curva a 90 graus para a direita em 10 metros… e por aí ia.
Avisei para ele ficar de olho onde tivesse encosta e segui-la como guia, pois o outro lado era quase sempre abismo, já que há somente alguns trechos de plano e terra nos dois lados do caminho. Somente dois dias depois, quando fizemos o caminho de volta e de dia, vimos o absurdo que foi fazer isso à noite. Mas fui premiada com um marido autoentusiasta e que é um ás do volante. Sério. O sujeito dirige muito.
Em alguns casos, o Waze acertou o caminho e o tempo que levaríamos, simultaneamente. Uma delas foi quando fomos de Humahuaca para a incrível Serranías de Hornocal (foto de abertura), um dos lugares mais fantásticos desta viagem. Sim, eram somente 5,8 quilômetros e levamos os 26 minutos que o aplicativo previu. Isso porque não tivemos problemas com o carro, ao contrário de muitos que ficaram no meio do caminho. Lá, a mais de 4.300 metros de altitude, é comum o carro “apunar”, isto é, sofrer os efeitos da “puna”, como é chamada pelos quechuas a faixa de terras altas próxima da cordilheira dos Andes. Nesses casos, a única coisa a fazer é desligar o carro e esperar ele “desapunar”, que dizer deixar o motor esfriar um pouco.
Isso quando não é o próprio motorista quem “apuna” pelos efeitos do ar rarefeito, com menos oxigênio (ocorre acima de 3.000 metros de altitude).. Mas desligar o ar-condicionado nas subidas aumenta a potência de alguns carros (como era o caso do nosso, uma Chevrolet Spin com 70.000 quilômetros) e poupa o motor nos frequentes aclives para lá de íngremes, rípio e mais algumas dificuldades. É melhor o interior do carro virar uma sauna andando do que ter de parar e desligar e ele virar uma sauna parado.
Em cidades menores, o ueise falhou bastante. Procurando o único posto de combustível em sei lá quantos quilômetros chegamos a Humahuaca. O aplicativo nos indicou várias ruas que sequer existiam, mandou virar em vias que eram contramão. O jeito era eu perguntar o tempo todo a alguém — especialmente à polícia, que conhece bem os lugares. Em Iruya o ueise queria que subíssemos, com o carro, a rua General Belgrano que simplesmente tem degraus em vez de pavimento. Mas, oquei, uma moça a quem perguntei pela janela do carro também me indicou essa mesma rua — talvez sem perceber que estávamos num veículo? Sei lá, continuo sem entender como ela achou que um carro de passageiros escalaria degraus…
Mas é fato de que nos mapas ela consta como uma rua igual às outras. Mas convenhamos que Iruya é um lugar meio assim, fim de mundo. É tão ermo, tão ermo que eu tenho certeza de que é onde são albergadas testemunhas protegidas pelo estado.
No entanto, fizemos alguns relatos dessas coisas ao ueise, mas é verdade que com tantas coisas nem sempre comunicamos o que poderíamos. Caro leitor, pense na minha situação: como navegadora, tinha o celular na mão (Noratur esqueceu de colocar na mala aquela geringonça de prender o celular na ventilação do carro), a câmera fotográfica gigante pendurada no pescoço e pronta para fotografar tudo, a filmadora no colo para registrar tudo também, as trocentas garrafas d’água na porta e às vezes na mão para beber ou assistir ao marido-motorista, e, claro, precisava estar olhando se estávamos no caminho certo e tentar admirar as incríveis paisagens.
Fora, claro, perguntar, que marido que é marido de verdade não pergunta. O meu chegou a dizer uma vez que não precisava pois “é uma questão de tempo até saber onde estou perdido”. Pode? Atualizar um aplicativo que não estava me ajudando em nada era a última das minhas prioridades. Por isso, antecipo minhas desculpas a quem for usar o ueise naquelas paragens.
Semana que vem conto os perrengues automobilísticos pelos que passamos — e que não foram poucos.
Mudando de assunto: Depois de 15 dias em alguns dos lugares mais secos do planeta, chegar a São Paulo e encontrar a cidade embaixo d’água parece irônico. No Atacama ansiava por água e bebi litros e litros. Aqui, queria me ver livre dela.
NG