O Renault 4CV foi o primeiro automóvel francês que vendeu mais de 1 milhão de unidades. Um sucesso inegável. Foram exatas 1.105.543 unidades comercializadas desde quando começou a ser fabricado na França, em 1947, permanecendo em produção até 1961. Foram 14 anos de fabricação do pequeno carro familiar de quatro portas, vendido em todos os países europeus, parte da Ásia e Austrália, além do Brasil e outros países da América do Sul
Por aqui ficou conhecido pelo carinhoso apelido de “Rabo Quente”, pelo fato de ter sido o primeiro carro com motor traseiro vendido no mercado brasileiro (chegou aqui em 1948, dois anos antes do Volkswagen). Era produzido em cinco fábricas ao redor do mundo: França, Austrália, Inglaterra, Espanha e Japão (onde era montado sob licença da Renault pela Hino Motors).
No Brasil, o importador era a Companhia Comercial e Marítima “Auto Geral”, do Rio de Janeiro, que em 1957 se tornou também importante concessionário Vemag.
Em que pese seu sucesso mundial, o simpático Renault teve uma história bastante atribulada. Como a Alemanha invadiu a França em 1940, a partir desse ano e até 1944, com a libertação da Franca pelas forças aliadas, a Renault ficou sobre controle dos alemães, que usavam a fábrica apenas para a produção de caminhões e veículos militares, a produção de automóveis tendo sido paralisada. Secretamente, os engenheiros e técnicos em design trabalharam num carro que eles julgavam recuperar a Renault quando a guerra acabasse. Começaram a trabalhar no projeto do 4CV sem que os alemães soubessem. O projeto foi evoluindo sem desconfiarem que, debaixo dos seus narizes, os franceses estavam desenvolvendo um carro que seria sucesso no pós-guerra.
A guerra terminou na Europa em maio de 1945 e em dezembro Ferdinand Porsche, o filho Ferry e o genro Anton Piëch foram presos pelo governo francês sob acusação de utilização de trabalho escravo na fábrica Volkswagen, na qual Porsche era o diretor-geral no período da guerra. Ferry e Piëch foram liberados seis meses depois, mas Ferdinand Porsche só em 1º de agosto de 1947. No tempo em que permaneceu preso em Dijon foi-lhe ordenado olhar o projeto R-1060 (código interno do 4CV), mas acredita-se ele pouco ou nada tenha podido fazer. Além de o carro estar praticamente pronto, aos 70 anos seu estado de saúde era precário, deteriorado pelo encarceramento.
A libertação do Prof. Porsche foi mediante fiança de 1 milhão de francos, equivalente na época a quase 3 mil dólares. A soma foi adiantada pelo Industrial italiano Piero Dusio, para quem a equipe de Porsche, sob comando de Ferry, projetara um monoposto de Grande Prêmio (categoria que antecedeu a Fórmula 1) com motor central-traseiro e tração integral, o Cisitalia-Porsche.
Piero Dusio foi o fundador do conglomerado Cisitalia (Compagnia Sportiva Italia) em 1946, para produzir carros esporte e de corrida.
É interessante ressaltar que o então presidente da Renault (estatizada em 1945 e privatizada em 1996), Pierre Lefaucheux, não queria que o alemão Porsche desse palpites no projeto que havia sido criado por sua equipe francesa.
Mas o importante é que o 4CV, apresentado no Salão de Paris de 1946, despertou um grande interesse no público, não só francês, mas também de outros países e, em meados de 1947, a fábrica iniciava a produção do modelo, que ainda na década, já chegava a quase 38 mil unidades comercializadas. Sem dúvida, o 4CV foi fundamental para a recuperação da Renault na crise do pós-guerra. Nosso querido “Rabo Quente” possuía um motor de quatro cilindros e 760 cm³, 21 cv, câmbio de 3 marchas com primeira não sincronizada e atingia velocidade máxima de, aproximadamente, 100 km/h. Seu grande destaque estava em sua economia de combustível, graças também ao seu peso contido, na casa dos 600 kg.
Assista a esse vídeo da TV alemã Deutsche Welle, dublado em espanhol:
Repare no vídeo o momento em que o jornalista abre a tampa do motor: ele encaixa a vareta de sustentação no motor, precisamente no cabeçote: havia neste um pequeno rebaixo circular para essa finalidade — que continuou no Dauphine/Gordini/1093.
Quem teve a oportunidade de dirigi-lo notou dois fatos curiosos. O câmbio de três marchas com “H” universal de ré acima da 1ª, no mesmo canal, não tinha nenhuma trava para evitar o engate involuntário da ré por distração: não precisava, ainda não havia carros de quatro marchas e todo motorista sabia que a primeira era embaixo.
Outro, o motor de partida não tinha a chave magnética atual e que existe há décadas. Para dar partida havia uma pequena alavanca — entre os bancos dianteiros e bem atrás — com olhal na extremidade para poder passar o dedo e puxá-la. O engate do pinhão do motor de partida com a engrenagem no volante era mecânico!
Aqui no Brasil, foi um carro bastante popular nos anos ’50 e só perdeu sua popularidade com a chegada de seu sucessor, o Renault Dauphine, lançado na França em 1956 e fabricado também pela Willys-Overland do Brasil a partir do final de 1959.
O “CV”, em letras maiúsculas, do “Rabo Quente” 4CV, quatre chevaux, quatro cavalos, corresponde à potência fiscal, usada na França para estabelecer o imposto anual. O Dauphine era 5CV.
DM