Lembranças do passado embasam o presente e balizam o futuro. Lições apreendidas em erros e acertos contribuem para a melhoria contínua em todos os aspectos da vida. Particularmente no ramo automobilístico, o Brasil insiste em não valorizar a sua história, com raríssimas exceções, infelizmente.
Um exemplo claro desta desunião histórica foi relativa a fábrica de caminhões da Ford no bairro do Ipiranga, em São Paulo, que já não reunia condições operacionais dentro das expectativas da companhia. O estudo inicial para sua desativação previa a demolição da fábrica, porém mantendo o “Prédio Um” intacto para futuramente abrigar um museu e um centro de excelência reunindo carros, objetos e, principalmente, a história da Ford no Brasil, compartilhando-a com o público em geral e órgãos da imprensa especializada.
O “Prédio Um” era um clássico, com muito mármore revestindo suas paredes e muita madeira de lei em seus armários, mesas e cadeiras e até no corrimão da linda escadaria que unia o saguão de entrada com o andar superior, mantendo o busto de Henry Ford, o “Velho Patrão”, bem em seu centro. Muito me entristeceu quando soube de sua demolição, acabando com o sonho de revitalização do prédio e da área circunvizinha para um lindo jardim.
Ao contrário do Brasil, os Estados Unidos preservam suas memórias com muito carinho e profissionalismo, tanto por parte da iniciativa privada quanto dos órgãos públicos. O Museu Henry Ford em Dearborn, vizinha a Detroit, é um exemplo dignificante de como a preservação da história pode ser feita de maneira inteligente. Carros, trens, aviões, máquinas e invenções podem ser vistos de uma maneira clara e didática para todos os visitantes. Crianças aprendem com o passado e dão valor àqueles que fizeram a história do país, criando o sentimento patriotismo tão importante para a valorização e o progresso da nação.
A interação do passado, presente e futuro é maneira inteligente para o projeto de novos automóveis e equipamentos, incentivando o desenvolvimento tecnológico tão importante ao progresso industrial. Quantos automóveis do passado continuam mantendo acesa esta imagem, tanto em estilo quanto em seus detalhes, para o deleite dos jovens técnicos e engenheiros que chegam ao mercado de trabalho.
Lembanças
Pensando em detalhes marcantes, quem não reconhece que o melhor formato para o pomo da alavanca de mudanças de marcha é o esférico? E logo me vem à mente o pomo do VW Golf em sua primeira geração, de 1974, que tinha praticamente uma bola de golfe espetada na alavanca, ideia simples e inteligente que logo foi reconhecida pelo público autoentusiasta. Seu conforto de suspensões deixava um pouco a desejar, porém o seu comportamento divertido de dirigir compensava toda a dureza do conjunto. Prazerosos eram os engates leves e precisos das marchas segurando o ergonômico pomo esférico da alavanca do câmbio.
Outro exemplo de como um simples detalhe pode se tornar uma obra de arte foi o relógio analógico oval aplicado no painel do Ford Ka em sua primeira geração, de 1996, um desenho do francês Claude Lobo (“lobô”). Na realidade todo o painel de instrumentos era um conjunto admirável e o relógio, a cereja do bolo. Tudo seguia uma lógica.
Veículos que marcaram época em estilo, em particularidades mecânicas e detalhes funcionais, foram e continuam sendo referências importantes para os novos projetos, como foi o Ford Ka em sua essência de estilo e dinâmica veicular.
Outro veículo marcante em estilo e em dinâmica foi o Ford Focus. Apresentado no Salão de Genebra em março de 1998 e no Brasil em 2000, revelou as suas linhas arrojadas ‘New Edge Design’, com destaque para as lanternas traseiras altas junto ao vidro. Seu interior era impecável com o painel dos instrumentos acompanhando as linhas modernas do veículo, com todos os controles à mão e uma iluminação noturna excelente. Com posição de dirigir perfeita, o Focus se destacava pelo seu compromisso de estabilidade e conforto.
E quem não se lembra da “Botinha Ortopédica”, o Fiat Uno, com o cinzeiro corrediço no painel de instrumentos? Veículo simples, durável e de fácil manutenção, fez história com seu projeto arrojado e inovador, com amplo espaço interno e excelente visibilidade. Até os dias de hoje a Fiat mantém a robustez e a simplicidade como marca registrada na maioria de seus projetos, certamente a herança de seu passado.
Em estilo excepcional de suas linhas, destaco dois veículos, o VW Karmann-Ghia e o Ford Escort XR3 em suas primeiras gerações no Brasil. O KG é um primor, com forma aerodinâmica suave e marcante, me dá vontade de colocá-lo na sala como enfeite. Já o Escort XR3 é cultuado pelo detalhe da carroceria, com dois volumes e meio, a inesquecível ’rabetinha’ e suas icônicas rodas de liga de alumínio com formato de um trevo de quatro folhas.
Em termos de imagem, potência e desempenho, o Dodge Dart, o Ford Maverick e o Opala foram destaques e continuam na mira dos restauradores e colecionadores, tudo por conta dos motores, V-8 318 do Dart (5.210 cm³), V-8 302 do Maverick (4.942 cm³) e o seis em linha do Opala (4.093 cm³). Particularmente o V-8 318 da Chrysler fez história pela sua resistência: com virabrequim forjado, foi utilizado também nos caminhões Dodge.
E o painel do Ford Del Rey com sua iluminação em duas cores e o relógio digital no teto, ainda hoje considerados obras-primas em desenho e funcionalidade. As bonitas rodas de liga de alumínio também deram um toque de coerência ás linhas do Del Rey.
Também o Ford Taurus 1986, foto de capa, inovou com frente sem grade aparente, com o Oval parecendo um umbigo e as tomadas de ar para arrefecimento do motor abaixo do para-choque, mostrando um bom trabalho de aerodinâmica.
Realmente, se eu fosse citar todos os detalhes importantes que eu tenho lembranças, esta matéria não teria fim. Certamente receberemos muitas opiniões dos nossos leitores, em termos de projetos que marcaram a história.
CM