Hoje os militares estão nos noticiários, resultado da formação da equipe do governo Jair Bolsonaro. Também estiveram em evidência nos idos das décadas de 1960, 1970 e 1980, com o severo regime militar terminado em 15 de março de 1985, quando o poder foi devolvido aos civis por meio de eleições indiretas para presidente da República
Em 1969 estava eu, jovem Carlos Meccia, na Faculdade de Engenharia Industrial em São Bernardo do Campo, época que também me lembro dos militares caçando subversivos nas dependências do nosso centro acadêmico. O fato era quase rotina na maioria das faculdades e universidades brasileiras eram redutos de ativistas que tinham o intuito de transformar nossa pátria numa Cuba gigante, mudando o verde-e-amarelo da nossa bandeira para vermelho.
Em meio a tudo isso que acontecia nunca tive nenhum problema com os militares, pois eu estava na faculdade para estudar e não para fazer agitação política.
Por isso, quero falar dos militares dentro de um contexto que gosto, e muito: automóvel. As agruras verde-oliva são de um tempo que já se foi.
Após a compra da Willys-Overland do Brasil em 1968, a Ford pensava em manter somente veículos da marca do “oval azul” em sua linha, substituindo gradativamente aqueles desenvolvidos pela Willys. Na época, a Ford Brasil era dedicada praticamente à fabricação de caminhões e picapes, tendo somente o Galaxie em sua linha de automóveis e há um ano apenas.
A Willys por sua vez, tinha uma ampla linha de carros e utilitários, inclusive o Corcel saindo do forno, regidos por uma forte engenharia que acabou predominando na miscigenação, com seus executivos assumindo postos relevantes na nova empresa, incluindo o controle dos projetos. A Ford assumiu a toda a linha de utilitários, o Jeep, a picape Jeep e a Rural, substituindo o logo Willys pelo oval azul.
A Ford herdou uma mina de ouro, ou seja, o Jeep e sua icônica imagem. Mais ainda, herdou o negócio com o Exército Brasileiro para a comercialização e adaptação do Jeep e da picape Jeep para uso militar.
Em 1973 eu trabalhava na Engenharia Avançada da Ford no Centro de Pesquisas em São Bernardo do Campo e uma das minhas atribuições era continuar na tratativa do Jeep para as Forças Armadas, particularmente ao Exército Brasileiro.
Lembro-me do General Montanha e do Major Adauto, entre outros, com quem mantínhamos contato constante, inclusive contribuindo na análise de testes feitos no Centro de Avaliações do Exercitono Campo de Provas da Marambaia, no litoral sul fluminense.
As exigências de durabilidade eram feitas pelo Exército e a Ford procurava adaptá-las aos veículos para continuar a comercialização dentro das normas verde-oliva. Na realidade, o Jeep era o veículo ideal para o Exército, com chassis robusto, praticamente inquebrável.
Mantínhamos também excelente relacionamento com o Instituto Militar de Engenharia (IME), tanto é que os alunos primeiros colocados tinham o direito de estagiar na engenharia da Ford por período que variava de três a seis meses.
Eu, particularmente, troquei muito conhecimento com estes estagiários de primeira linha, inclusive desenvolvendo softwares para cálculos estruturais de chassis, bem como a análise de distribuição de carga para utilitários e caminhões. Realmente tenho saudade deste período em que eu, praticamente recém-formado, tive a oportunidade de crescer em minha profissão de engenheiro, com muito orgulho.
Veja, como curiosidade, um trabalho conjunto meu e do Capitão Waldemir Cristino Romulo, focando na distribuição de carregamento em uma picape bem conhecida pelo leitor, a Ford Pampa, cujo projeto estava em pleno andamento em 1979. A ideia era desenvolver e incluir a Pampa também como veículo militar, para suporte de suprimentos e munições, entre outros.
Continuamos a trabalhar em conjunto com as forças armadas até 1980, quando a Ford não se interessou mais pelo negócio, encerrando unilateralmente estas atividades. Porém o Jeep continuou como veículo utilitário civil somente.
Revendo a história, em 1980 a Ford iniciou o Programa JIP (Jeep Iimprovement Program) para a atualização e melhoria do Jeep Ford para o mercado brasileiro. Este foi um programa amplo que revisava praticamente todos os sistemas do veículo e infelizmente a única modificação que foi aprovada e entrou em produção foi o conjunto de pedais oriundo do Ford Corcel. O jipinho ficou uma graça e sem dúvida faria sucesso ainda nos dias de hoje.
Em abril de 1983 a Ford abandonou a produção do Jeep e seus utilitários derivados, sem remorsos, em vez de tentar eternizar a marca em seu oval azul. Hoje a Ford possivelmente está arrependida por ter descontinuado o Jeep e, mais do que isso, abandonar a icônica marca.
Não querendo me intrometer nos negócios da Ford, que adquiriu a Troller em 2007, fica a sugestão de voltar a negociar com as forças armadas brasileiras, que ainda me parece ser um excelente negócio. Quem sabe a CAOA, esperta como é, entre neste esquema.
CM