“Tome cuidado com o que deseja. Você pode conseguir.” – ditado popular.
Alguns dias atrás um parente me disse: “tomei mais uma multa por esquecer de ligar o farol de dia na estrada. O governo deveria obrigar os fabricantes a colocar um sistema que deixa o farol ligado o tempo todo.”
Tal pensamento parece lógico, e já ouvi coisas parecidas repetidas vezes. Mas dessa vez, ao invés de me calar e esquecer, resolvi dizer que era veementemente contra, e o porquê. Disse que é uma ideia atraente para qualquer político que ouça. Afinal de contas implementar essa tal lei é fácil e não custa nada para os cofres públicos. É só passar a lei e pronto. O cara ainda pode propagandear a autoria da tal legislação, que provaria seu trabalho duro em prol da segurança de seus eleitores.
Para os fabricantes de automóveis também é uma ótima ideia. Basta instalar o mais caro sistema DRL, gastar mais algum para validá-lo em seus carros, depois fazer a conta de quanto gastou, e cobrar no preço de venda do carro. Se só ele fizesse isso, outros não fariam e teriam carros mais baratos. Mas como é legislação, então todo mundo fará o mesmo. Para eles é ótimo, porque a margem de lucro é em cima, também, desse novo e caro equipamento, sendo ele parte integrante do veículo à venda.
Quem paga a conta então? Claro que é você, ora bolas. Mesmo se você nunca esquece de ligar o farol, você agora vai ter que pagar mais caro pelo seu carro. Não só no preço de compra, mas também em complexidade, peso, manutenção… A conta, claro, é sua. Mas não reclame. Quem pediu foi você mesmo.
O DRL nem é tão caro, não é? Exagero? Talvez. Se fosse só isso, claro que não faria diferença. Mas vivemos um mundo em que, nos últimos 20 anos, gradativamente gente que é incapaz de realizar tarefas simples reclama por sistemas que a igualem a pessoas mais hábeis. E não quer o sistema só para si. Quer empurrar goela abaixo de todo o resto da população. Afinal de contas, se eu não consigo, há outros que precisam de ajuda!
A consequência disso são carros progressivamente mais complexos, caros e pesados, exatamente como pedimos para que nossos governos nos garantam. Mas o pior nem é isso. O pior é que para certificá-los dentro desse mundaréu de exigências é necessário um investimento tão grande em testes e protótipos que faz todo o progresso em manufatura realizado nos últimos 20 anos irrelevante: o investimento para lançar novos carros é cada vez maior. Com isso, o risco é maior, e para mitigar isso, cada vez mais vemos carros parecidos entre si, sem nenhuma novidade. Quando há, é como carro elétrico: novamente movido por lei, por legislação, por políticos, burocratas e gente que lucra com a manipulação do medo da população em geral.
Já fomos diferentes, como espécie. Já foi muito mais fácil fazer um carro e vendê-lo, e com isso existia mais opção, mais diversidade, mais nichos de mercado. E carros mais baratos também, em todos os níveis. A conta, para tudo que é legislado, lembre-se, é paga por você. Imagine a tecnologia de hoje sem as âncoras legislativas que nos colocam dentro de monstros de duas toneladas e complexidade incrível. Imagine se puder.
O que eu tenho dificuldade de aceitar é que em quase todo produto industrializado existe um tanto de escolha. Relógios de pulso digitais e ligados ao celular via Bluetooth abundam, mas você ainda pode comprar um relógio mecânico novo. Móveis industrializados existem, bem como móveis de madeira fabricados sob medida por marceneiros. Até armas de fogo: ainda existem armeiros fabricando rifles de pólvora negra novinhos, apesar de ser tecnologia obsoleta há muito tempo, e você não vai encontrar nenhum policial usando-os. Bicicletas e patinetes são quase totalmente desprovidos de exigências, e incrivelmente, quando tentam regulamentar algo, gera-se polêmica!
Mas isso não ocorre com automóveis. Por algum motivo, consideramos o automóvel algo perigosíssimo, que precisa ser muito bem controlado por burocratas para ser colocado nas ruas. Se alguém quiser criar algo simples, um carro esporte pequeno e barato sem controles eletrônicos, algo que teria seu mercado, mesmo que pequeno, não vai conseguir hoje. Puma não existiria hoje. Allard não existiria hoje. Duvido até que Porsche e Ferrari, antes de sua fama atual, conseguissem sair do lugar. Mesmo microcarros baratos para tirar pessoas de motocicletas são impossíveis hoje, com o que é solicitado a eles por lei.
Hoje os fabricantes de pequena escala recorrem a subterfúgios incrivelmente idiotas: usam a base de um carro antigo. A Singer de Rob Dickinson com Porsche 911, e a Icon de Johnathan Ward com velhos Toyota FJ (o nosso Bandeirante) são os mais conhecidos exemplos disso. Muitas vezes, verdade seja dita, a obra é como o machado do vovô. Para quem não conhece esse machado, é aquele orgulhosamente exposto como aquele usado para construir a casa do vovô em 1801. Mas que teve o cabo de madeira quebrado e trocado duas vezes, e a lâmina trocada mais cinco. Nos carros de Dickinson e Ward, muitas vezes só resta o número do VIN, a única coisa que o distingue de um carro antigo, e por lei, algo que PRECISA ser mantido.
Mas em ambos os casos, trata-se de coisa para milionários. Nós, meros mortais, não temos escolha: nosso carro tem que ser mais caro, mais pesado, mais complexo do que poderia e pronto. Não, você não tem escolha. Não pode dispensar estruturas enormes e rígidas, ABS, airbags, catalisadores, Injeção eletrônica, controle de estabilidade e tração, sensores de iminência de capotagem, avisos sonoros para tudo, start-stop e motores minúsculos turbocomprimidos. Não gostou? Que se lasque.
Não podemos impedir a marcha da tecnologia, e não é isso minha intenção, longe disso. Mas incomoda sobremaneira quando tecnologias são empurradas goela abaixo, sem possibilidade de escolha. Nisso, a maioria das “inovações” modernas referentes ao automóvel diferem de novo de todo o resto das inovações: são forçadas goela abaixo, e não crescem naturalmente como aconteceu com o iPhone por exemplo.
O iPhone sempre foi caro, mas é um sucesso por sua originalidade como produto, e sua qualidade e atenção ao detalhe. Muita gente odeia iPhone e a Apple, mas é fácil a vida para eles: basta não comprar um iPhone. Existem outras opções. E a Nokia faliu por não enxergar um futuro ali, não porque de repente tornaram os smartphones obrigatórios, por lei. Eles se venderam sozinhos, como o automóvel em 1900.
Já legislação de crash, ABS, e tantas outras, foram implementadas não por um mercado ávido por elas tornando-as obrigatórias, como aconteceu com os smartphones. Na verdade, airbags equipavam menos de 5% da produção. Eram ofertados, mas ninguém pagava por eles. ABS? Também aceitação baixíssima. Mas somos estúpidos e não podemos escolher por nós mesmos. Não sabemos o que é bom para a gente. Quem sabe são políticos em Brasília. Eles escolhem, nós temos que acatar. Ou você acha que sendo equipamento de série você agora não paga mais por ele? Tolinho…
Muita gente acha que carro elétrico é uma grande novidade (claro que é tão velho quanto o carro em si), e que os fabricantes procrastinam em não oferecê-los já, e que por isso morrerão como a Nokia, a Kodak e a Xerox. Mas tire o incentivo estatal e sabe quando carro elétrico substituirá totalmente o a combustão interna? Nunca.
Vamos falar sério, gente. Uma bateria que custa R$ 3.000,00 já é suficiente para acabar com o preço de revenda de alguns carros equipados com start-stop. Imagine um carro que é, em custo, mais de 50% baterias. E quando elas inevitavelmente tiverem que ser trocadas, onde vamos enfiar essas baterias gastas? E isso é só um dos vários problemas insolúveis destas ideias tolas empurradas atualmente por aí como ótimas.
Mas é claro que a ideia é ótima. Para os legisladores é fácil. Vamos resolver o problema de efeito estufa proibindo carro a combustão! Não interessa que isso não vai resolver o efeito estufa; é um passo! Temos que começar em algum lugar! O custo para eles também é zero, é só escrever uma lei e assinar e boa. E não esqueçam, foram vocês que pediram.
Para a indústria? Ótimo também! O carro elétrico é mais caro, então tem mais lucro aí. Ele tem limitações, claro, mas é lei, então não compete com esse antigo e arcaico ciclo Otto ou Diesel, que teima em ser melhor em tudo. Vendemos também recarregadores, baterias de reposição, instalações residenciais, painéis solares placebo caríssimos, etc, etc,etc.
Para quem sobra a conta então? Para você de novo, claro. Você vai pagar o dobro do que pagava no seu carro, vai ter que esperar 3h para abastecer, e a cada 3 anos vai gastar sei lá, 25 mil reais para trocar as baterias. Como um telefone, vai ter que jogar o carro fora. Lixo.
Mas não se preocupe. O AppleTesla V.101 já estará disponível, a apenas 25% a mais do que você pagou na sua desatualizada e demodée versão 99. Não é admirável este nosso mundo novo?
MAO