Nas redes (anti) sociais as polêmicas surgem e desaparecem com a velocidade de um mergulhão atrás de um peixe num espelho d’água. E com a mesma profundidade, diga-se. Umberto Eco já disse sabiamente que “as mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”.
Outra coisa é que todo mundo resolveu se manifestar sobre tudo, mesmo sobre assuntos sobre os quais não tem a menor noção. É um tal de se manifestar sobre futebol, legislação, meio ambiente, geopolítica, e, se bobear e se houver algum dia, mudanças no alfabeto cirílico. Ainda que nem saibam o que é o alfabeto cirílico ou já tenham visto um caractere dele.
O fato de muitos sites serem abertos apenas para assinantes aumenta a confusão, pois esses palpiteiros diletantes comentam pela manchete, pela foto que ilustra a matéria ou apenas com base nos comentários dos outros, já que não leram o texto na íntegra. E, claro, a confusão só aumenta. É uma Babel no ciberespaço.
Nos últimos dias, dediquei parte do meu tempo a ler comentários sobre a polêmica em torno das mudanças propostas em torno das multas e da pontuação na CNH. Mas vou falar aqui especificamente da questão das cadeirinhas, já que o Boris Feldman abordou o assunto e, pelo menos por enquanto, não vejo necessidade de voltar a ele. Especialmente porque é ainda uma proposta. Se e quando isto for aprovado, posso voltar ao assunto, mas por enquanto é pura especulação.
Especificamente quanto às cadeirinhas, vai aqui minha opinião pessoal: acho o acessório importante na prevenção, ou pelo menos minimização, de ferimentos de crianças em acidentes. Como no geral, concordo com o Boris: acho que pontuação na CNH deveria ser para infrações que põem em risco a segurança no trânsito (que deveriam receber também multa pecuniária) e não para coisas banais, que deveriam receber apenas multa. Exemplificando:
– violação de rodízio: apenas multa, pois não prejudica a segurança do trânsito — aliás, o rodízio em si é uma bobagem, mas essa é outra questão.
– estacionar em local de zona azul sem cartão: apenas multa — a vaga seria ocupada, apenas não está sendo “paga”.
– IPVA atrasado: multa — é só papelada, não coloca o trânsito em risco.
– avançar sinal vermelho: multa e pontos na carteira — coloca em risco a si e a outrem.
– estacionamento em local proibido: multa e pontos na CNH — mas aí deveriam ser revistos um monte de locais. Vamos supor que falamos de locais óbvios onde haveria prejuízo ao trânsito e geraria insegurança, como esquinas que tiram a visibilidade de quem faz uma conversão.
– falta de luzes como de freio ou faróis: multa e pontos na CNH — nem preciso explicar, né?
E por aí vai.
No caso das cadeirinhas, o risco seria para a criança, não para um terceiro. É polêmico, pois a criança não tem poder de decisão. Mas se for assim, deveríamos multar pais de filhos obesos? Afinal, eles permitem que seus pimpolhos comam mal, que virem diabéticos, que tenham colesterol alto precocemente, que sofram AVC cedo, que tenham problemas ortopédicos, enfim, que morram mais cedo? Ou pais que não colocam redes ou grades de proteção nas janelas? Meus pais nunca colocaram e morávamos num sobrado. Nos ensinaram a não chegar perto das janelas e nunca, nunca, tiraram os olhos de nós nem deixaram móveis perto das janelas que pudéssemos escalar. Funcionou, pois nunca chegamos perto. Deu muito, muito trabalho, mas eles acharam que era melhor aprendermos isso, pois sempre poderíamos ir a alguma casa que não tivesse grade ou tela e era mais seguro que tivéssemos esse hábito. Se alguém passasse pela frente da minha casa sem grade nem tela diria que meus pais eram irresponsáveis. Eu acho que eram mais do que aqueles que colocam telas e depois deixam que os filhos vão à casa de alguém que mora no 20º andar de um apartamento sem telas.
Ainda pessoalmente, meu espírito livre não gosta dessa ingerência excessiva do governo. Me lembro sempre de “tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”, o lema do fascismo.
Mas meu assunto desta semana nem é a questão da multa ou não multa pois ela não foi proibida nos carros de passeio e ainda acho que deveria, sim, ser obrigatória nas vans escolares. Não entendo porque quando a lei foi feita, em 2008, ficaram de fora justamente os veículos que transportam… crianças! E o tempo todo, pois por lei não podem fazer bico levando outro tipo de passageiros. É como se houvesse um santo protetor das criancinhas que viajam em vans e táxis (também isentos dessa obrigação) que, maquiavelicamente, não protege as que andam em automóveis de passeio. Eita espírito perverso e seletivo!
O assunto desta semana são os comentários que li nas redes (anti) sociais sobre a polêmica. Confesso que é cada barbaridade que voltei a pensar seriamente que deveria haver um limite para comentários. Acho que deveria ser bem baixo, coisa de uns 5 por dia, no máximo por pessoa (e não por perfil) e por assunto. Quem sabe assim as pessoas refletissem mais antes de sair opinando sobre qualquer coisa. A Nora má emerge de vez em quando em mim, sim…
No início as bobagens eram sobre “o fim das cadeirinhas”. Gente que ouviu o galo cantar e não sabia onde. Como se elas tivessem sido proibidas. Depois, vieram as “estatísticas”. Aí era gente a torto e direito dizendo que elas haviam poupado sei lá quantas vidas e eram indispensáveis. Mas, peraí, as crianças somente andavam em automóveis de passeio? E quantas morreram ou sofreram acidentes em vans escolares, ônibus ou táxis sem cadeirinhas? Claro que nenhum dos raivosos comentaristas de redes sociais têm esses números e não encontrei nenhum que sequer soubesse que esses veículos não usam cadeirinha. Pais que transportam seus filhos em carros de passeio já foram antecipadamente tachados de irresponsáveis ainda que continuem levando seus pimpolhos nas cadeirinhas — apenas porque disseram que não precisam de lei para isso — enquanto outros que mandam seus filhos à escola em vans ou táxis (claro, sem cadeirinhas) foram poupados das críticas. Ué, não seriam esses os verdadeiros “irresponsáveis”? Mas, claro, os ensandecidos desinformados do ciberespaço viram suas baterias para seus alvos sem ter todas as informações. Como sói acontecer.
Vi gente (inclusive políticos) organizando abaixo-assinado pedindo para que os deputados federais fossem pressionados a vetar essa resolução, mas não vi ninguém pedindo que se incluíssem vans escolares e táxis na obrigatoriedade de portar cadeirinhas. Puro desconhecimento da lei, claro, embora ela vigore desde 2008.
Ai, um par de dias depois, começaram a pipocar algumas críticas à lei por excluir ônibus, vans e outros veículos de ter cadeirinhas. E começa o show de horrores. Gente pedindo que TODOS os veículos tenham cadeirinhas para crianças — trens, metrôs, incluindo aviões! Juro que vi isso. Como se fosse necessário (foto de abertura). E não foram poucos os comentários com essa sugestão. Gostaria de ver as projeções de crianças que sobreviveriam à queda de avião a 11.000 metros graças à cadeirinha… Será que tem teste de impacto para isso? Latin NCAP? Selo do Inmetro?
Vários comentaristas de Feicibúqui sugeriram, pasmem, caros leitores, que os veículos de passeio saíssem de fábrica com cadeirinhas. Obviamente, estas pessoas não pensam que isto tem um custo que, claro, será repassado ao consumidor final. Que cadeirinha ocupa um baita espaço. Que nem todo mundo tem filho. Que nem todo mundo tem filho pequeno. Que nem todo mundo vende carro usado para quem tem filho pequeno. Que nem todo mundo precisa de cadeirinha no carro porque talvez já tenha uma no outro carro e seja o suficiente. Enfim, esse pessoal não pensa.
Novamente, admira-me (a ênclise da semana, pobrinha, mas serve, não?) o grau de dependência e de tutela do Estado desta última geração. Novamente, tudo dentro do Estado, nada fora do Estado. Se o Estado não me dá ou não obriga que exista, não tenho, não sei usar ou não há. Imagino que eles devem estar preocupados com a eventual revogação da Lei da Gravidade e suas consequências: flutuaremos todos no espaço para sempre! E aí, como faremos? Vamos fazer um abaixo assinado no Feicibúqui contra isso. #revogaçãodaleidagravidadenão. Todos às ruas já!
Mudando de assunto: É claro que minha nota vai para o GP do Canadá de Fórmula 1. Não sou especialmente fã do Vettel, mas achei injusta a punição a ele. Depois de perder o controle do carro, a derrapada na grama deixou ele de passageiro e não acho que ele poderia ter controlado o carro para não fechar o Hamilton, justamente naquele ponto estreitíssimo do circuito. Achei criancice não levar a Ferrari até o lugar certo, mas muito nobre pedir para a torcida não vaiar o Hamilton, dizendo que ele não tinha nada a ver com a decisão dos comissários. E me diverti com a troca dos totens de primeiro e segundo lugar. Enfim, o alemão teve todo tipo de comportamento no final da corrida. De resto, foi bem emocionante e, novamente, a Ferrari prejudicou o Leclerc. Acho melhor o monegasco traçar a própria estratégia e ignorar a da equipe. Mas para mim, claro, o melhor GP do Canadá de todos os tempos foi o de 1981 com Gilles Villeneuve dirigindo na chuva com o carro estraçalhado, o bico torto, sem enxergar nada… Mas como todos sabem, sempre fui absoluta e perdidamentemente apaixonada pelo canadense, logo…
NG