Está anunciada a construção de um novo autódromo no Rio, no bairro de Deodoro (foto de abertura) com custos bancados por investidores privados. O governo se excedeu no entusiasmo e anunciou a nova pista sediando a corrida de F-1 em 2020. Mas os paulistas lembraram às autoridades governamentais que o contrato com Interlagos vai até o próximo ano. E não pretendem abrir mão do evento nos anos seguintes.
Uma das dificuldades para se levar a F-1 de volta para o Rio é que a empresa internacional que a organiza (Liberty Media) não é mais de Bernie Ecclestone, mas no Brasil tem gente que se lembra muito bem o porquê de a corrida ter deixado o autódromo de Jacarepaguá há 30 anos.
O presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) em 1989 era o piloto e empresário Piero Gancia e eu era seu vice. Poucos dias depois da corrida daquele ano, Ecclestone, “dono do circo”, nos procurou para relatar que a Riotur, dona da pista de Jacarepaguá, exigia uma “contribuição” de três milhões de dólares para a campanha eleitoral de Leonel Brizola, então governador do estado e candidato à presidência da República. Quem dirigia a Riotur era um parente do Brizola (casado com sua sobrinha) e condicionou a permanência da corrida em Jacarepaguá àquele pagamento.
Ecclestone contou a história quase rindo, incrédulo da exigência estapafúrdia e da ignorância da Riotur, que nem imaginava a disposição de outros países capazes do contrário: pagar muito mais ao “Míster F-1” para convencê-lo a levar a corrida para suas pistas. Ele nos deu então um prazo para resolver o assunto, caso contrário, adeus F-1 no Brasil.
A primeira ideia da CBA foi consultar São Paulo. Mas nem tentamos, ao lembrar que a prefeitura estava sob o comando de Luiza Erundina, do PT. Desde quando — pensamos — uma prefeita petista vai se interessar por corrida de Fórmula 1…
Saímos então em busca de outro autódromo. Pistas existiam várias, mas havia exigências para receber o “circo” e a mais complicada era existir uma rede hoteleira de alta capacidade e qualidade. Brasília e Goiânia eram algumas das que se enquadravam e seus prefeitos se entusiasmaram com a idéia e marcaram reunião de seus assessores com a CBA. Mas surgia então uma demanda que inviabilizava o plano: além de um percentual do faturamento do evento para a prefeitura, teria um outro, “por fora”. Inacreditável como a “equipe” de cada alcaide colocava as “taxas” na mesa sem sequer se enrubescer.
O tempo corria, nada de pista, e o Bernie deu um ultimato ao Piero: estava organizando o calendário de 1990 e lamentava, mas levaria a corrida para outro país.
Aí, pensamos, já temos o “não” de São Paulo sem sequer conversar com os paulistas. Vamos então à última cartada: procurar a Luiza Erundina. Primeira surpresa nossa foi ela ter manifestado enorme interesse pelo assunto. Segundo espanto: na reunião com assessores e secretários, todas as reivindicações da CBA para reforma do autódromo seriam atendidas. E rigorosamente ninguém insinuou destinar verba nenhuma para a “Caixa 2” de nenhum político. A CBA bateu o martelo com Interlagos e com Ecclestone para o ano seguinte (1990), decretando o fim da Fórmula 1 no Rio.
Não me esqueço da reação dos cariocas com a notícia. A começar pela associação dos hoteleiros que tentou forçar a permanência da corrida, que foi conversar com Brizola e até publicou um manifesto na imprensa, alegando que a Fórmula 1 não era o evento que mais trazia turistas à cidade (era o Carnaval), mas responsável por seu maior faturamento. Além da rede hoteleira, são dezenas de milhões de dólares canalizados por turistas com alto poder de compra para lojas, bares, restaurantes, taxistas, bordéis…
Pelo visto, vamos presenciar um embate entre as duas cidades. E agora, José, para onde vai a festa?
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade de seu autor.
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