O Ferrari P80-C é o que eu entendo que seja o carro de luxo (esportivo) do futuro. Ele é um dos primeiros carros da era moderna, criado e desenvolvido único para um dono também único.
Só existe um Ferrari P 80, e ele foi desenvolvido para atender a encomenda de um único dono, secreto, que pagou um montante também secreto para ter um Ferrari exclusivo, desenhado e construído especialmente para ele, conforme seu briefing, ou especificações e orientações vinda do próprio e feliz proprietário.
Portanto, para cada fase de desenvolvimento de Design (agora sim, no sentido completo da palavra) as propostas foram sendo apresentadas ao próprio dono, que acompanhou pessoalmente o nascimento e construção do protótipo, passo a passo.
Pelo que foi informado pela Ferrari, o dono da “obra de arte” é um conhecedor e também colecionador fanático da marca, que com seu profundo conhecimento da área colaborou e muito para a criação desta peça única.
Se por um lado, com a eletrificação, e automatização dos automóveis do futuro, onde o usuário de transporte utilizará carros autônomos “públicos”, fazendo com que toda poesia do automóveis desapareça para dar lugar a uma “geladeira pública ambulante”, muitos resistirão a essa ideia.
Como tem se comentado dentro dos grande estúdios, ninguém mais vai querer comprar automóveis, mas sim, usá-lo somente quando necessário e especificamente para uma viagem determinada, como fazemos já hoje com o Uber, ou outras companhias do tipo, que não constroem automóveis mas cobram por viagens individuais, seja com motoristas humanos ou no futuro (claro que nos países que estiverem em um nível de desenvolvimento necessário) com veículos autônomos.
Seria o fim dos automóveis como entendemos até hoje.
Aí vem a Ferrari, abrindo uma porta para o futuro, desenhando e construindo automóveis sob medida para quem quer exclusividade total, goste de pilotar automóveis, e tenha muito dinheiro sobrando.
O processo usado pela Ferrari não diferencia muito do processo usado nas grandes marcas.
A grande diferença é que este processo vai somente até a fase de protótipo e para por aí, pois o que nosso ilustre comprador misterioso está comprando é exatamente isso, um protótipo.
Outro fator importantíssimo é que este processo exige uma equipe 100% dedicada e as decisões tem que ser tomadas em pequenos círculos.
Neste caso exclusivamente, temos uma situação muito atenuada em termos de documentação e processo do projeto.
Não há necessidade do carro atender nenhuma regra legal, já que nunca será pilotado em uma via pública.
Ele será certificado como um protótipo de corrida e tem que atender normas específicas do mundo das pistas.
Muitos, diz a lenda, comentam que na realidade este carro nunca sairá de suas posições de exposição e é tratado em termos financeiros como se fosse um investimento sobre uma obra de arte particular.
Com o passar do tempo, o carro ganhará ainda mais valor de mercado, já que será um protótipo único de alta qualidade e com uma marca de valor reconhecido e exótico no mundo do automóvel, sendo talvez a marca de maior valor no mundo do automobilístico de competição.
Entrando agora na análise de Design em si, gostaria de dizer que a Ferrari tem sua própria explicação para o carro, que é uma história espetacular, mas esta interpretação é totalmente minha, que tenho conhecimento muito restrito da história real dentro do estúdio onde o carro nasceu.
Porém, conhecendo bem o Flavio Manzoni, que foi o Designer-chefe (vice-presidente de Design) deste projeto, posso imaginar como as coisas ficaram quentes neste projeto.
O Flavio é um “rock star” do design automobilístico italiano, muito ativo e dedicado, e está fazendo um ótimo trabalho para a marca Ferrari.
Neste projeto, aqui entre nós “um projeto de sonho”, ele e sua equipe desempenharam um trabalho magnífico.
Usar um chassi já conhecido (Ferrari 448 GTX) significa que já se conhece a ergonomia, com certeza uma boa parte dos pontos de fixação das partes da carroceria, feita de painéis de compósito de fibra de carbono. A nova carroceria teria que respeitar estes pontos com desvios pequenos aceitáveis.
Este chassi, tem o posicionamento do manequim mais à frente, que faz a cabine avançar e obter um “rabo” mais longo, melhor aerodinâmica, nunca se esquecendo que nesta gaiola temos, empurrandotodo conjunto, um powertrain baseado num V-8 de 670 cv, biturbo.
Um dos atributos deste conjunto é o tratamento dado ao som do motor que, diz a lenda, é um dos mais excitantes dentro do zoológico automobilístico mundial de todos os tempos!
Todas peças da carroceria são fabricadas em compósito de fibra de carbono e aplicadas ao conjunto mecânico, mas para chegar a este ponto é necessário primeiro que a forma seja definida, e construída primeiramente em VR (virtual reality, realidade virtual), e esta, senhores, é uma das profissões do futuro.
Os modeladores de superfícies virtuais são um dos profissionais mais caros da indústria automobilística, free-lancers que têm um salário de até 80 euros…por.hora!
A grande maioria trabalha full time: 12 horas por dia, 7 dias por semana por períodos intermitentes e constantes.
O mais interessante sobre esta profissão é que eles podem trabalhar em casa, já que tudo é feito de maneira virtual, inclusive as reuniões de trabalho.
Voltando ao carro, a equipe de design e os modeladores virtuais têm função primordial e importantíssima dentro deste processo de construção de um protótipo, trabalhando diretamente em contato com ele, engenharia avançada fornecedores.
Mesmo assim, o projeto foi iniciado em 2015 e o carro, só apresentado à imprensa em 2019.
Para justificar um tempo tão longo para um protótipo, temos que considerar que o carro teria que ser realmente mais eficiente e mais potente que carros “normais”, se é que se pode chamar um Ferrari de “normal”.
Imagino as discussões com a engenharia, e especialmente para convencer e satisfazer o tal “futuro cliente”.
Outra problemática para a área de design é conseguir dar emoção às exigências da turma do túnel de vento. Por este motivo, a dianteira e a traseira do carro devem obedecer à risca as necessidades aerodinâmicas do carro.
Estas superfícies são cortadas por asas que praticamente ignoram a eventual beleza das formas da carroceria, tão bem lapidadas.
A inspiração, sugerida pelo “cliente”, trata-se de uma fusão dos modelos 330 P3/4 um puro-sangue de pista, e o Dino 206 S, um das mais elegantes e icônicos Ferraris de todos os tempos, desenhado por Pinifarina.
Outra característica visual genérica do protótipo é o que se chama de “conceito “catamarã”.
Na dianteira e na traseira, a carroceria, parte do corpo em vermelho, desce pelas laterais em forma de asas verticais, assim como o veleiro.
Justamente estas asas são as que abraçam o aparato de ailerons, spoilers e elementos de direcionamento do vento, seja para melhoria da aerodinâmico, seja para o arrefecimento do conjunto motriz e freios.
Pelos reflexos na carroceria podemos ver a qualidade da superfície que contrastam com a mecânica eficiente dos spoilers, asas, e difusores, que mesmo ditados pelo túnel de vento, recebem um cuidado especial no seu desenho.
É interessante a arquitetura de linhas-mestras que organizadamente estruturam a superfície.
No fim, estas linhas de construção acabam desaparecendo, mas pela sua organização dão sentido e explicam subconscientemente o “bom design”.
Dá para perceber que a dianteira do carro e totalmente criada para direcionar o ar com duas asas principais, que além de manter a dianteira colada no solo, arrefece os radiadores e freios dianteiros.
Esta atitude “colada no chão” se da também visualmente quando olhamos o carro de frente.
Linhas estruturais forçam nosso olhar para esta dinâmica, clássica em carros de competição.
Por outro lado as linhas de construção sugerem claramente a fluidez e velocidade do modelo.
Quando se olha para os detalhes se percebe a qualidade e o preciosismo da equipe de Design da Ferrari liderada pelo Flavio Manzoni.
A desenho e acabamento das oito asas principais é refinado, dinâmico com formas biológicas. Um equilíbrio perfeito entre o mecânico e o artístico.
A maneira como a luz e sombra percorre a superfície de maneira quase perfeita mostra o cuidado com as passagens e mudanças na superfície do carro
Não se esqueçam que o cliente não quer uma carrinho “fru-fru”, mas uma escultura irretocável, um “carrinho trend” para desfilar nas avenidas da moda.
Isso é brincadeira de gente grande, que conhece profundamente engenharia, história da marca, competições e grandes coleções.
O ambiente do protótipo serão praticamente dois: pistas de corrida e exposições/museus.
Além disso, “o cliente” não caiu no clichê dos carros elétricos ou híbridos.
Estamos falando de um puro-sangue, claro que com os mais sofisticados sistemas de controle da “besta”, mas com cheiro de combustível fóssil de qualidade e um “ronco” ,ou como diriam os experts, “sound” digno de uma orquestra sinfônica, ou melhor, “Rolling Stones” ao vivo.
Só para falar um pouquinho sobre o interior, percebe-se que aqui o “cliente” foi radical.
Nada de fricotes! Somente o essencial para pilotar. Volante de F-1, e muitos botõezinhos para mudar e ajustar o caráter do monstro, de dragão até gatinho.
No mais, um banco seguro a mais para quem tiver coragem de andar junto com o dono.
A cor do revestimento dos bancos, que poderia ser o único detalhe a ser criticado, com certeza absoluta foi encomendado pelo “cliente”. Neste caso, gosto não se discute, principalmente se ele (o cliente) vai ser o único dono do único carro.
Enfim, por mais que se tente entender de maneira consciente os truques e conceitos de um carro como este, nunca vamos poder explicar o carisma que a máquina irradia.
Paixão, velocidade extrema e beleza, através da técnica. Um projeto fantástico e único da marca mais badalada do mundo da velocidade.
LV