Foi só comentar, duas edições atrás da coluna, que nossa gasolina, bem abaixo do padrão mundial no passado, está se tornando uma das melhores do mundo, para a poderosa empresa petrolífera controlada pela união seguir os passos da Shell e, nove anos depois, lançar o álcool aditivado Grid.
A Shell agora era a única a oferecê-lo, pois há necessidade bem menor de se aditivar o álcool:— falando de aditivos detergentes-dispersantes — já que seu número de átomos de carbono é inferior a 30%, enquanto o da gasolina é superior a 80%. Por isso é chamado de combustível “limpo” (embora não totalmente): o motor “suja” bem menos internamente por não conter aromáticos e não “suja” (suja menos, na realidade) o meio ambiente por dois motivos.
Primeiro, por emitir menos CO2 (dióxido de carbono, um dos gases de efeito estufa) que o combustível de origem fóssil. Segundo, porque o carbono do CO2 emitido é sequestrado pela cana de açúcar no seu crescimento após o corte para colheita. Até a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que pensou em aditivar toda a gasolina no Brasil, ainda cogitava fazer o mesmo com o álcool, mas acabou é que a gasolina continua sem os tais aditivos e não há mais previsão para tê-los..
Necessário?
Então, para que o álcool aditivado, se ele é um combustível “limpo”? O principal motivo, aparentemente, é aumentar o faturamento das distribuidoras e dos postos, para isso convencendo o motorista de sua necessidade.
Por que só a Shell o disponibilizava nos postos com o nome de álcool V-Power? Estratégia de marketing, um provável motivo. Como a aditivação é importante no caso da gasolina e o consenso é de ser desnecessária no álcool, a Shell. e agora também a Petrobrás, tecem justificativas.
A necessidade de se aditivar a gasolina — tanto que toda gasolina nos principais países é aditivada há cerca de 20 anos — é referendada até por fabricantes. Tudo tem a ver com a composição da gasolina e seu elevado número de átomos de carbono que, ao queimar, gera depósitos carboníferos nas cabeças de pistões, câmaras de combustão, válvulas, e injetores. Com as elevadíssimas temperaturas da combustão, estes depósitos nos pistões e câmaras se incandescem e viram pequenas brasas.
O funcionamento do motor é prejudicado com a ocorrência da pré-ignição, ou combustão antes da centelha da vela, causando perda de potência e aspereza, e/ou pela detonação (ou pós-ignição), em que parte da mistura ar-combustível ainda por queimar entra em combustão espontânea após o início daquela normal e se forma nova frente de chama, que colide a com frente de chama normal. Esse choque provoca o ruído que conhecemos por “batida de pino”, fenômeno associado a súbita elevação de pressão e temperatura na câmara de combustão cujo efeito é destrutivo para o pistão — embora faça um bom tempo, mais de 20 anos, que os motores contam com salvaguardas para evitar que a detonação se prolongue mais que um ou dois segundos, literalmente salvando o motor.
Dourando a pílula
Apesar de saberem e reconhecerem que a formação de carvão pelo álcool é muito pequena, as duas petroleiras argumentam, com razão, que os vapores de óleo recolhidos pelo sistema de ventilação positiva do cárter (obrigatório há décadas) para evitar que esses vapores contaminem o ar, são conduzidos ao motor, dessa forma produzindo o indesejável carvão nos pontos citados mais acima.
É óbvio que a carga de aditivos detergentes-dispersantes no álcool pode ser menor, e é, do que na gasolina, mas eles estão presentes no álcool aditivado para neutralizar os efeitos do vapor de óleo admitido aos cilindros. Também, para dissolver a goma branca que certos alcoóis formam no filtro de combustível e nos injetores, nesse segundo caso alterando o jato de injeção que afeta o funcionamento do motor.
Outro argumento a favor do álcool aditivado é este conter um aditivo chamado FMT (friction modification technology, tecnologia de modificação de atrito), um benefício que leva em conta a mínima lubricidade do álcool na comparação com a gasolina e que contribui indiscutivelmente para compensar a menor lubricidade do álcool na questão do atrito entre pistão e seus anéis e o cilindro.
O álcool aditivado Shell V-Power e álcool aditivado Grid contêm o FMT tanto quanto a gasolina aditivada das duas petroleiras (e também da Ipiranga, a DTClean). Ao abastecer com essas gasolinas aditivadas percebe-se que o motor funciona melhor, fica mais “solto” devido à redução de atrito. Com o álcool aditivado o efeito de motor mais solto é mais facilmente notado devido à “secura” do álcool.
Sobre essa secura, muitos desconhecem que um dos pontos do motor que tiveram que ser modificados para o funcionamento com álcool, lá atrás no final da década de 1970, foi modificar o material das sedes de válvulas para não serem “comidas” pelas válvulas.
Não deixa de ser curioso que só agora, 40 anos depois da inauguração do álcool como combustível de motores ciclo Otto, e 16 anos depois de lançado o carro flex, a BR Distribuidora tenha percebido a necessidade de aperfeiçoar o álcool e evitar tantos prejuízos causados ao motor. A Shell chegou nove anos antes, com vimos.
O álcool aditivado Grid começa disponível em 50 postos na cidade de São Paulo.
Resumo da ópera
A controvérsia de combustível aditivado está nas rodas de discussões e fóruns na internet. Ela vale tanto para álcool quanto para gasolina. A escolha é livre, usa combustível ativado quem quer, ninguém é obrigado. Mas gastar 10 a 15 centavos de real a mais por litro de álcool não deixará ninguém mais pobre, e os benefícios desse combustível, quando aditivado, são fatos.
BF