Esta semana um conhecido meu publicou no Feicibúqui um texto hilário sobre novas definições sobre comportamentos que até semana passada eram normais, mas agora são verdadeiras aberrações. É claro que não me refiro a coisas como escravidão, que podia ser mais ou menos contestada (sempre foi, inclusive durante sua vigência e desde o início, embora por uma minoria) e que hoje é totalmente inaceitável ou a atitudes verdadeiramente ultrajantes ou deshumanas. Refiro-me (começamos com as ênclises) àquela mania de ver coisa onde não existe.
Tudo isto por causa de um texto no UOL que falava em “negging”. De acordo com a publicação, isto é “uma maneira de conquista que desqualifica a mulher, minando a sua autoestima”. E ainda ampliam a, vá lá, explicação: “Na prática do ‘negging’ o homem usa determinadas falas que têm o objetivo de diminuir alguma característica da companheira e valorizar a presença ou opinião dele. É um jogo de palavras para deixá-la confusa.” Vou exemplificar pois dito assim é meio incompreensível. O exemplo do próprio site é: “você é linda, mas se emagrecesse 5 quilos ficaria mais gostosa”. Segundo quem escreveu isso, mulher é uma criatura tão insegura de si que com um atenção desproporcional a um comentário desses fica sem autoestima e à mercê de qualquer Casanova de meia tigela. Ou tão burra a ponto de dar atenção à opinião alheia e esquecer-se da própria – se ela concorda, e acha que pode ficar melhor, pode tentar emagrecer; se ela não concorda, ignora: se ela não liga para a opinião do outro ou para sua própria imagem, idem.
Pessoalmente, teria provavelmente uma das reações a seguir: ignoraria, pois não é problema do meu interlocutor; mandaria catar coquinho, pelo mesmo motivo. Como tenho espelho e autocrítica, se houvesse um fundo de verdade entenderia isso como uma opinião que, como toda opinião, é subjetiva e pode, ou não, ser levada em consideração. Depende de quem emite e de quanto isso é ou não motivo de preocupação para mim. Se achar que comida é mais importante para mim ou algo de que gosto mais, às favas com os 5 quilos a menos e com a opinião dos outros. Exceto se for um endocrinologista que, aliás, nunca diria que alguém ficaria “mais gostosa” com quilos a mais ou a menos. Mais saudável, oquei, mas qualquer outra coisa é motivo para escarcéu.
Aliás, isso é algo que me incomoda profundamente. Quem diz que mulher não sabe se defender, ignorar ou mesmo devolver na mesma moeda se achar que é isso que tem de fazer? Por quê existe “manterrupting”e não “womanterrupting”? Garanto que na minha casa eu faço isso muitíssimo mais do que minha cara metade, apesar de tentar me controlar – quesito no qual falho estrepitosamente. Na pior das hipóteses (para mim), falamos os dois ao mesmo tempo. E aí, qual é o nome disso? “Couplenterrupting” ou apenas “vida normal’? Pronto. Próximo!
Mas, não. Hoje, tudo é problematizado. Então, aderirei ao comportamento de manada e vou fazer um drama tremendo com algo que provavelmente ninguém se incomodou – ou pelo menos, não muito. Sabe o Conar, o órgão de autorregulamentação publicitária? Começou de uma ideia ótima – que o próprio meio analisasse eventuais excessos e desse um basta neles sem que isso chegasse à Justiça ou incomodasse alguém. Pois é. Será que eles não escutam rádio? A Nora má que surge de vez em quando baixaria um decreto proibindo qualquer tipo de veiculação de sons que pudessem amedrontar motoristas no trânsito.
Digo isso pois o anúncio de uma emissora de rádio inclui buzinadas meio histéricas que mais de uma vez me assustaram enquanto dirigia e me fizeram crer que havia fechado alguém no trânsito, ou algo parecido. Sério. Já tomei cada susto com o maldito comercial… E parece que nunca estou prestando atenção no rádio a ponto de perceber que está começando a tal propaganda. Não, só escuto as buzinadas.
Tenho passada uma fase meio azarada no trânsito sobre a qual falarei em outro momento, mas posso dizer que começou quando me deparei com a banda de um pneu de caminhão voando para cima de mim enquanto dirigia sozinha à noite por uma estrada de São Paulo, conforme contei aqui recentemente. Poupá-los-ei das outras coisas que me aconteceram desde então porque é difícil alguém acreditar que de fato isso ocorre com alguém, mas posso dizer que tenho tomado banho com sal grosso e que estou bem, mas buzinadas insistentes no rádio do carro são a última coisa que preciso ouvir ultimamente enquanto dirijo.
Dentro dessa linha de dar um nome novo e, claro, criativo a esses pedidos de privilégios pessoais, tive algumas ideias. “Claxoning” é muito datado e não sei se todos entenderão fora do mundo AE, mas gosto da sonoridade da palavra e do que ela resume. Mas ela serviria para apenas um dos meus pedidos de privilégios pessoais – proibir comerciais que toquem buzinas em rádios que possam ser ouvidos nos carros e, por óbvio, assustar motoristas e provocar acidentes.
Vou pedir para o DataNora pesquisar quantas mortes no trânsito há no Brasil todo ano apenas por causa disso, mas depois do que tenho lido ultimamente por aí estimaria que esta pode ser a quarta causa de acidentes fatais, com 160 mortes por dia. E não me venham com detalhes como dizer que eu escrevi semana passada que segundo uma determinada associação a terceira causa era uso de celular ao volante com 150 mortes ao dia porque ainda não tenho uma desculpa pronta. Mas poderei sempre dizer que estou colaborando com as autoridades. Afinal, se todo mundo usa essa desculpa porque eu tenho que ser mais original?
Iria mais além e solicitaria outro privilégio pessoal: que o “claxoning” fosse entendido como uma forma de dominação de propaganda subliminar sobre o… caros leitores, preencham vocês que minha dose de bobagens acaba por aqui. Fiquei sem repertório.
De fato, acho essas buzinadas irritantes e já tomei um par de sustos nos últimos dias justamente porque estou meio traumatizada (foto 2). Mas daí a invocar privilégios pessoais para isso? Aliás, quem quiser dar boas risadas sobre isto e entender porque menciono tanto os tais privilégios pessoais, dê uma olhada nos vídeos sobre a recente convenção do Partido Socialista Democrático nos Estados Unidos (https://youtu.be/szd73ryg5bE) Confesso que fiquei sem ter como classificar algo assim. Faltaram-me palavras. Logo a mim, que sou tão, digamos, ampla de vocabulário e uma entusiasta de usá-lo.
Propagandas com freadas também deveriam ser abolidas em nome de algo que poderia ser classificado como “braking” ou talvez “freionterrupting”. É uma óbvia repressão machista sobre a… por favor, preencham também pois falta-me talento para imaginar algo nesta linha. Mas tenho certeza de que o início da explicação sobre porque algo assim deveria ser totalmente eliminado da face da Terra poderia ser esse mesmo.
Tem outras propagandas que me pregam peças o tempo todo. Especialmente aquelas que tem algum toque de telefone. São raras as vezes em que não tento atender algum aparelho quando escuto uma delas – mas já fiz isso várias vezes quando soava algum telefone num filme… logo, devo ser meio lesada no quesito prestar atenção nas coisas versus telecomunicações. O nome para esta forma de dominação me parece óbvio: “Ring”.
No carro, os anúncios que tem toque de celular não me incomodam pois não atendo mesmo. Até hoje, ainda depois de alguns anos, não consegui me entender com o Bluetooth da minha viatura. Funcionou durante um tempo, mas começou a travar quando ligo o Waze e até hoje não parei para ver qual besteira estou fazendo ao programar algo, pois os celulares do meu marido funcionam perfeitamente com o Bluetooth do meu carro. E, claro, entre o Waze funcionar e o celular funcionar no viva-voz para falar sou mil vezes o Waze. Em todo caso, juntaria todas estas síndromes, patologias ou sei lá como definir sob um único guarda-chuvas: “ridiculoing”.
Mudando de assunto: o circuito de Spa-Francorchamps é um dos meus favoritos em termos de traçado e especialmente a Eau Rouge. Mas ver o trágico acidente da Fórmula 2 no final de semana foi especialmente triste. Assim como vejo e revejo mil vezes manobras que curto, acidentes, especialmente fatais, só uma vez. E alguns preferiria apagar da memória, ou “des ver”. Gostei de finalmente assistir a vitória do Leclerc e a fantástica ultrapassagem do Albon sobre Riccardo e, claro, fiquei superbrava com o Verstappen que abalroou meu ídolo Kimi. Ao contrário dos comentaristas, vi hipocrisia na explicação dele sobre o acidente: “Acredito que ele não me viu, mas num dia como hoje isso não é o mais importante”. Ora, o finlandês não tinha como vê-lo, estava na trajetória da curva e com meio carro à frente, enquanto o holandês tinha toda a visão, inclusive ficou claro pelas imagens de dentro do cockpit. E dizer que “hoje isso não é importante”, ao contrário do que outros acharam, me soou como, “ele errou, mas tudo bem, deixa prá lá, vamos usar o acidente da F-2 para que ninguém retruque que a besteira na verdade foi minha”. Nada de mea culpa, nada de sentimento verdadeiro, na minha opinião. E não é porque tenha sido contra um dos meus favoritos, não. Sério, me soou mal mesmo.
NG’
A coluna “Visão feminina” e de exclusiva responsabilidade de sua autora.