Minha paixão pelas competições vem desde a adolescência. Logo em meados dos anos 60 eu procurava informações sobre todas as categorias de competições automobilísticas que eu conhecia, lia tudo o que aparecia sobre Fórmula 1, Campeonato Mundial de Marcas e as competições nacionais. E, claro, essa paixão foi crescendo a ponto de ter como uma das metas de vida correr de automóvel.
Mas depois de trabalhar, juntar dinheiro e preparar alguns Fuscas de rua, resolvi realizar meu sonho de competir como piloto nas corridas: queria deixar de ser o cara que assistia as corridas na arquibancada para passar a competir dentro das pistas.
Em 1980, comprei um VW Passat LS 1976 que pertencia ao pai de um grande amigo, que acabou virando meu preparador. Esse carro em questão tinha motor 1,5-litro (1.471 cm³) e possuía ainda aquele comando de câmbio antigo, de alavanca “espetada” no assoalho, muito impreciso e frágil, que foi mudado pela Volkswagen em 1977.
Era preciso transformar esse pacato Passat 1500 em um veloz e competitivo Passat TS 1600, mas a tarefa até que foi relativamente fácil. Os dois faróis originais e a grade foram substituídos pelos quatro faróis e grade do TS, comprados em um desmanche. O volante, original, também foi trocado pelo menor de quatro raios do TS. Claro, também de desmanche.
Mas o grande trabalho ficou mesmo com o motor, pois o tranquilo e valente 1,5 teve o diâmetro dos cilindros aumentado e os pistões trocados por outro de cabeça plana, o que aumentava a taxa de compressão para adaptar o novo motor para o uso do álcool.
O motor 1,6 (1.588 cm³) do TS também tinha passagens adicionais de água pelo cabeçote para melhorar o arrefecimento, e a encarregada desse trabalho foi a retífica. O carburador de corpo simples e seu coletor deram lugar a outro conjunto, agora de corpo duplo com acionamento mecânico do segundo corpo. O coletor de escapamento foi trocado por um tubular 4-em-1.
O comando de válvulas do TS também era ligeiramente melhor, e tinha em sua marcação de identificação a sigla 049G. Os conjuntos pistão/biela foram casados para que ficassem com pesos equivalentes. E, obviamente, mandei balancear dinamicamente o virabrequim, volante do motor e polias. Na época, conhecia muito pouco sobre o álcool, e quando medi a taxa de compressão ela passou a 10,5:1, fiquei com medo que o motor quebrasse, pois achava esse valor altíssimo.
Só para que se tenha uma ideia, hoje em dia um motor de corridas movido a álcool chega a ter taxa de compressão de 15:1 a 16:1 sem nenhum risco de quebra. Mesmo com 10,5:1 o motor ficou um canhão: ainda no circuito antigo de Interlagos, descia o retão e chegava na freada da curva 3 a 7.000 rpm em 4° marcha, que por cálculo dá 197 km/h.
Esse tal motorzinho 1,6 que fiz com os meus amigos era confiável e potente, e só tinha esse rendimento espetacular graças as dicas que recebemos do saudoso amigo Edson Magno, conhecido como “Testa”, que preparava carros do Torneio Passat e cedeu o carburador de corpo duplo já calibrado para uso do combustível derivado da cana-de-açúcar.
Mecanicamente, tudo estava tinindo: nas suspensões. o “Testa” me cedeu molas e amortecedores que o pessoal de ponta do Torneio Passat utilizava no campeonato brasileiro. No campeonato paulista, fiz bonito com o Passatão. Logo na minha estreia, larguei em 9° e terminei em 2°. Para mim, um corridaço!
Na segurança, fiz um belo “santantônio” (arco de proteção obrigatório) de tubos seguindo as especificações indicadas pela Federação Paulista de Automobilismo (atual Federação de Automobilismo de São Paulo – Fasp), e meu banco era um usado de kart, adaptado à estrutura do banco original.
O cinto de segurança foi feito pela equipe de amigos: utilizamos os pontos de fixação originais da carroceria do carro e acertamos as medidas, pedindo para um sapateiro costurar os cintos onde eram necessárias emendas. Na época, era o que o meu dinheiro dava para fazer. Com esse carro, disputei algumas provas em 1981 e 1982. Foi, principalmente, um grande aprendizado para minha vida pessoal e, principalmente, profissional: não só aprendi a dirigir e pilotar melhor, como também descobri muita coisa sobre o acerto de carros para corrida. Sem dúvida, um grande aprendizado para toda a vida.
E para quem pergunta que fim levou esse Passat, ele foi vendido em 1984 para outro saudoso amigo, o piloto Adalberto Ayres, conhecido como “Chupeta”, falecido em dezembro de 2007, consequência de um AVC. Ele utilizava o carro para disputar corridas em pistas de terra batida pelo interior de São Paulo e Santa Catarina. Depois disso, nunca mais soube nada desse meu companheirão das pistas, que provavelmente deve ter terminado sua missão em algum desmanche Brasil afora.
DM
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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