Na minha série de textos nos quais tenho falado sobre alguns importantes motores que propulsionaram nossos carros no passado, não poderia deixar de falar sobre os V-8 do Simca. Esse motor começou a ser produzido por aqui bem no final dos anos 1950, quando nossa indústria automobilística mal havia nascido.
Esse motor era uma versão menor do V-8 de 3,6 litros (221 pol³) surgido em 1932 nos Estados Unidos e deslocava 2,2 litros (136 pol³) para ser usado nas versões de entrada lá, mas não agradou pela potência de apenas 60 hp, o mercado americano preferiu a versão maior de 85 hp, a 8BA.
Os dois motores foram usados na França pela Mathis, de Strasbourg, de 1934 a 1940, com a fabricante francesa associada à Ford numa nova empresa chamada Matford, com a Ford detendo 60% das ações. Com a guerra a Marford passou a produzir apenas caminhões para o exército francês. A sociedade se desfez e a Ford abriu estabeleceu-se sozinha na França, a Ford Societé Anonyme Française (Ford SAF). A Matford havia deixado de existir quando seu principal acionista, Émile Mathis, temeroso da perseguição alemã na França ocupada, fugiu para os EUA.
A Ford americana havia planejado um sedã menor para o pós-guerra chamado Vedette, mas sentiu o mercado desejoso de carros maiores e desistiu do programa, decidindo produzi-lo na França pela SAF. O carro foi lançado em 1949 e em 1954 a SAF foi adquirida pela Simca de Henri Theodore Pigozzii. O nome do carro mudou para Simca Vedette. Em 1958 uma nova geração modernizou consideravelmente o Simca Vedette, que passou a se chamar Simca Chambord.
O resto é história: o governo Juscelino Kubitschek, com sua meta de implantar uma indústria automobilística seguindo os passos de Getúlio Vargas, havia concedido a Pigozzi incentivos e facilidades para fabricar o Chambord aqui. Depois de quase montar a fábrica em Belo Horizonte, a Simca escolheu São Bernardo do Campo defronte da Volkswagen, mas na pista contrária da via Anchieta. Nos últimos meses de 1959 começou a produzir o Chambord.
O Simca, portanto, trazia sob o capô o antigo V-8 pequeno da Ford. Pela idade do seu projeto, eram muitas limitações técnicas. As válvulas, tanto de admissão quanto de escapamento, eram no bloco do motor e o virabrequim era mal apoiado em apenas três mancais. Esse fato causava muita flexão no virabrequim, fato que limitava o aumento de potência e o aumento de rotação.
Claro, também a lubrificação e o arrefecimento do motor eram bem limitados em função do seu antigo projeto. E devemos lembrar que as válvulas posicionadas no bloco, pelo fluxo deficiente, comprometia o enchimento dos cilindros e, ao mesmo tempo, dificultavam a saída dos gases queimados. As válvulas de escapamento no bloco também concentravam muito calor neste, sobrecarregando ainda mais o sistema de arrefecimento.
Os cabeçotes resumiam-se a tampas — popularmente chamados de “tampões” — que fechavam os cilindros e neles só existiam os furos rosqueados para as velas (foto de abertura). O baixo desempenho desse antigo V-8 era a grande fonte de insatisfação dos proprietários de Simca. Assim, a fábrica inicialmente aumentou a cilindrada desse motor para 2,3 litros e depois para 2,4 litros. Depois disso não dava para fazer quase mais nada, pois a parte de baixo era muito frágil.
Esses motores iniciaram sua jornada com cerca de 70 hp SAE (potência bruta), aproximadamente 40 cv (potência líquida NBR 5484) e na versão 2,4 produzia cerca de 90 hp SAE ou algo como 55 cv NBR. Uma versão utilizada no Simca Présidence e no Rallye com dois carburadores duplos, tinha 110 hp SAE, cerca de 62 cv NBR.
O grande avanço desse combalido V-8 se deu em 1966, quando a engenharia da Simca desenvolveu o motor aqui batizado de Emi-Sul. O velho V-8 todo fundido em ferro tinha virabrequim e pistões do modelo com válvulas no bloco, mas foi desenvolvido um cabeçote de alumínio com câmara de combustão hemisférica e vela posicionada bem no centro da câmara.
A melhora no desempenho foi brutal e, com 2,4-litros,a potência subiu para 140 hp SAE cerca de 78 cv NBR (hoje motores 1,0 chegam a desenvolver 85 cv NBR com álcool em suas versões aspiradas). Além disso, esses novos motores já tinham ignição transistorizada, que dispensava o uso do platinado.
Mas, claro, o problema de durabilidade desse antigo projeto aflorou de maneira indiscutível: com o “veneno” que o velho Ford de 1932 ganhou com os novos cabeçotes, a lubrificação e, principalmente, o arrefecimento foram seriamente comprometidos. Não havia muito a ser feito, a não ser o reprojeto de toda a parte inferior do motor, com novo virabrequim e um bloco que tivesse pelo menos 5 mancais de apoio, que eliminariam as vibrações e a flexão excessiva do virabrequim, além de tornar a lubrificação dos mancais e pistões mais eficiente. E novo dimensionamento das câmaras d’água que envolvem os cilindros melhoraria bastante o arrefecimento.
O fato é isso nunca aconteceu e os engenheiros da Simca trabalharam, na medida do possível, com o que tinham nas mãos. Se considerarmos a idade do projeto e onde o motor chegou até o final dos anos 1960 quando ainda foi utilizado pela Chrysler no Esplanada, pode se afirmar tranquilamente que nossos técnicos e engenheiros fizeram verdadeiros milagres ao longo da década de 1960.
DM
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