Ninguém foi capaz de explicar exatamente por que o brasileiro nutria tamanha aversão aos carros de quatro portas. Alguns dizem que a “culpa” foi o sucesso do Fusca, integrado quase como membro das famílias durante as décadas em que foi produzido no país. Daí a preferência pelas duas portas. E nem por que tamanha reviravolta de simpatia na década de 90, quando começou sua decadência. Que foi se acentuando até chegar ao ponto de, hoje, vários compactos como Fiat Uno, que até combinariam melhor com duas portas, são produzidos exclusivamente com quatro.
Assim como as controversas duas portas, o brasileiro sempre manifestou estranhas predileções, raramente racionais ou explicadas por argumentos minimamente convincentes. Picape de maior porte, por exemplo, só com motor diesel. Mesmo que as contas entre o custo maior do motor e a economia com o combustível não fechem nunca.
Ou a curiosa “Ditadura do PP”: durante anos o cliente nem pensava em optar por outra cor que não preto ou prata.
E só recentemente caiu o tabu do câmbio automático. O freguês tinha verdadeiro pavor de enfrentar todas suas supostas adversidades, desde a dificuldade de manutenção até o custo das peças de reposição. O ano de 2019 será o primeiro na história da indústria automobilística brasileira em que se venderão mais câmbios automáticos do que manuais.
A tendência mais recente (essa acompanhada pela primeira vez por outros mercados no mundo) é a do utilitário esporte. O suve tornou-se rapidamente o “queridinho” do consumidor e forçou inúmeras marcas que jamais imaginaram desenvolver estes semipaquidermes a aderir a esta opção. Alguém seria capaz de imaginar uma concessionária Alfa Romeo, Ferrari, Porsche, Aston Martin ou Lamborghini expondo uma coisa dessas no showroom?
O utilitário esporte está rigorosamente na contramão da história pois, em relação ao sedã, hatch ou perua, é mais pesado, tem dimensões mais avantajadas e mais alto. O que resulta em maiores consumo e emissões, menor estabilidade (ou dependência de sistemas eletrônicos), dificuldade de estacionar e manobrar. Só os fabricantes aplaudem a novidade pois é uma incontestável oportunidade de aumentar faturamento e rentabilidade. Quem compra um suve está disposto a pagar muito mais por mais ou menos o mesmo…
Os especialistas são categóricos ao afirmar que não se trata de um modismo mas de um segmento que veio para ficar. E, pelo menos duas grandes marcas radicalizaram e praticamente abandonaram a produção de sedãs e peruas: Ford e GM decretaram o fim de outros modelos que não sejam suves, crossovers, picapes e comerciais.
Entretanto, Michael Simcoe, chefe de design da própria GM, prevê que um novo ciclo de preferências voltará com os sedãs e hatches. Aparentemente, as peruas continuarão em desgraça ad aeternum…
Ele afirmou recentemente num seminário que o mercado continua admirando e dando valor à estética e ao design. Querem ter o que exibir até para a admiração dos vizinhos. Além disso, cita uma pesquisa em que 42% dos antigos proprietários de Cruze (Chevrolet) e Focus (Ford) não se deixaram levar pela nova moda. Mas, como estes sedãs deixaram de ser fabricados nos EUA, seus clientes migraram para outras marcas, principalmente Honda Civic/Accord e Toyota Corolla/Camry, entre os modelos mais vendidos naquele mercado.
Abandonar a produção de sedãs foi uma decisão arriscada da GM e Ford? Os números revelam que nos EUA eles somam 4,5 milhões de unidades emplacadas até outubro. No Brasil, representaram 25% dos emplacamentos com 461,5 mil no mesmo período. Segundo as estatísticas, os suves continuam crescendo no Brasil e foram 482 mil deles emplacados, representando 26% de participação.
Simcoe está correto? Ele diz que não se discute a preferência entre sedãs e suves, mas continua valendo o apelo do design, fato incontestável há décadas. E que, dentro de até dez anos, a cabeça do consumidor pode se voltar novamente para sedãs ou hatches. Se a hipótese é levantada pelo chefe de design de uma das fábricas que radicalizaram pró-suve, vai certamente levar altos executivos da indústria a coçarem a cabeça…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.