No mesmo dia em que a Federação Internacional do Automóvel (FIA) homenageou o paranaense Raul Boesel (foto de abertura) por sua vitória no Campeonato Mundial de Resistência de 1987, os atuais organizadores desse evento anunciaram, ontem, o cancelamento da etapa brasileira que estava prevista para o dia 1º de fevereiro p.v. em Interlagos.
A falta de garantias financeiras foi a razão para tal medida, algo que já era comentado entre as equipes desde a etapa de Xangai, disputada em 10 de novembro. A exclusão da etapa brasileira afeta o automobilismo brasileiro por se tratar da terceira oportunidade que etapas de campeonatos internacionais no Brasil são anunciadas e canceladas.
Raul Boesel foi o único brasileiro presente na festa, que inclui todos os campeões mundiais da categoria Endurance das temporadas de 1981 até 1992 (então conhecido como Campeonato Mundial de Carros Esporte) e de 2012 até 2018/2019. Na temporada de 1987 Boesel disputou todas as 10 etapas do campeonato pela equipe oficial da Jaguar, e venceu as etapas de Jerez, Silverstone, Nürburgring (em dupla com o americano Eddie Cheever), Brands Hatch (com o dinamarquês John Nielsen) e Spa-Francorchamps (com o inglês Martin Brundle e o escocês Johnny Dumfries), totalizando 127 pontos contra 102 da dupla Jan Lammers (Holanda) e John Watson (Irlanda). Boesel também disputou 23 GPs de F-1 nas temporadas de 1982/83.
Na América do Norte largou em 199 corridas das fórmulas Indy e Cart e conseguiu um terceiro lugar na 500 Milhas de Indianápolis, em 1989. Seu melhor resultado nos Estados Unidos foi a vitória na 24 Horas de Daytona de 1991 a bordo de um Jaguar XJR-9 compartido com Martin Brundle e John Nielsen. Atualmente Boesel é um renomado DJ internacional e participa de eventos em várias cidades do mundo.
CBA e promotor evitam comentar cancelamento
Tanto a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), quanto a Duduch Motorsports, promotora do evento “6 Horas de Interlagos”, evitaram comentar e responder questões sobre o cancelamento da prova, anunciada com pompa e circunstância há cerca de ano e meio como etapa brasileira do Campeonato Mundial de Resistência, mais conhecido pela WEC (World Endurance Championship).
Tal cenário em nada contribui para esclarecer uma situação que traz danos variados ao automobilismo brasileiro aqui e no Exterior: nos últimos anos a F-Indy já foi anunciada e cancelada em São Paulo e em Brasília, e a capital paulista e o Rio, que apareceram no calendário oficial da F-E, tiveram desfecho idêntico.
Pior, autoridades cariocas insistem em anunciar que o GP do Brasil de F-1 deverá ir para o Rio em 2021, assim como o Campeonato Mundial de Motociclismo terá uma etapa no ainda inexistente Autódromo de Deodoro. Questionado sobre a forma como apoiou o evento do WEC e se pretende impor alguma exigência ou medida para evitar que tais cancelamentos se repitam, o presidente da CBA, Valdner Bernardo, optou por responder, via sua assessoria, escolheu desprezar a oportunidade de esclarecer o tema, como se conclui ao ler sua resposta:
“A Confederação Brasileira de Automobilismo lamenta o cancelamento da etapa do Mundial de Endurance que aconteceria em São Paulo. Desde que fomos procurados pelo promotor local, ainda em 2017, acompanhamos o processo e prestamos todo o apoio esportivo, que é o que cabe à CBA em face ao evento privado. A presença de uma prova com essa atratividade seria um grande acontecimento para os apaixonados por esporte a motor. Esperamos que os obstáculos que impediram a vinda do WEC ao Brasil sejam ultrapassados e que, em um futuro breve, possamos receber essa tão importante categoria do automobilismo mundial.”
Tal posicionamento parece inadequado ao que consta no parágrafo D, artigo 6º do seu estatuto (“promover, autorizar e fiscalizar a realização de campeonatos e torneios desportivos nacionais e internacionais), entre outros. Independente do resultado obtido no apoio que presta ao kartismo, não há motivo para tratar com indiferença fatos que contribuem para prejudicar a imagem do esporte frente a organizadores internacionais e potenciais investidores do esporte. Deixar de se posicionar claramente sobre o cancelamento de um evento internacional dois meses antes de sua realização ajudaria muito a entidade a recuperar sua própria imagem em um momento em que circulam rumores sobre a possível perda de sua sede própria devido a operações financeiras questionadas na Justiça.
Outra curiosidade sobre o anúncio do cancelamento da prova 6 Horas de Interlagos foi a maneira como a decisão foi divulgada: o comunicado de imprensa sobre o assunto foi divulgado por uma agência que chegou a interromper sua prestação de serviços ao promotor do evento. Questionada sobre os motivos que levaram Gérard Neveu (executivo-chefe do Campeonato Mundial de Resistência da FIA) a rejeitar as garantias financeiras oferecidas e cancelar a prova, a agência Néctar respondeu com um lacônico “Neste momento, não temos informações adicionais ao comunicado”.(sic)
Dois outros pontos deixam claro que o cancelamento da corrida em Interlagos não era algo novo. Em reunião com as equipes participantes do WEC durante a etapa de Xangai, há cerca de um mês, Neveu admitiu as dificuldades que a Duduch Motorsports enfrentava e em seu comunicado de ontem anunciou um evento que substituirá a prova brasileira na temporada 2019/2020 da categoria, a Lone Star Le Mans, dias 22 e 23 de fevereiro, no Circuito das Américas, em Austin, Texas (“Lone Star”, estrela solitária em inglês, é como o Texas é cognominado, “O Estado da Estrela Solitária” pela estrela única em sua bandeira).
Posto que um evento dessa magnitude demanda organização logística e negociações extensas, fica evidente que o destino da “6 Horas de Interlagos” já estava selado há tempo. Independente do esforço e do investimento despendidos pela empresa Duduch Motorsports, é primordial que promotores e autoridades do automobilismo brasileiro atuem de forma a interromper uma lamentável frequência de cancelamentos de eventos internacionais.
WG