Esta matéria, gentilmente passada pelo leitor Junio Olveira, vem ao encontro do que AE vem falando sobre o aquecimento global. Foi publicada no jornal semanal Gazeta do Povo, de Curitiba. O artigo original é da revista americana City Journal, de Nova York, dedicada a assuntos urbanos, e foi publicada em março deste ano.
Achei que valia a pena compartilhá-la com o leitor ou leitora por valer uma reflexão sobre o que está por trás da histeria carbônica que estamos vendo. Os grifos são do AE.
A legenda da foto da matéria original, tanto na revista americana quanto na Gazeta do Povo, é: “Símbolos da ameaça representada pelo aquecimento global, os ursos polares nunca foram tão numerosos”
Bob Sharp
Editor-chefe
O QUE PENSA A CAÇADORA DE MITOS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL
Por Guy Sorman
Todos já nos deparamos com imagens de ursos polares caminhando por pedaços flutuantes de gelo: vítimas emblemáticas do aquecimento global que está derretendo os polos, símbolos da ameaça ao planeta representada por nossa produção de energia — sobretudo do dióxido de carbono que as fábricas e automóveis emitem. Ouvimos mais e mais gritos pedindo a imposição de limites e o fim do desperdício para salvarmos não apenas os ursos polares, mas também o planeta e nós mesmos.
No discurso político e na imprensa, tempestades e enchentes geralmente são mostradas como sinais do apocalipse, acompanhadas por pedidos para que se salve o meio ambiente e se respeite a Mãe Natureza. Somente as catástrofes parecem chamar nossa atenção e raramente se fala que o aquecimento global tem alguns benefícios, como o aumento na produção de grãos em regiões anteriormente congeladas da Rússia e Canadá. Tampouco ouvimos falar que as pessoas geralmente morrem de frio, não de calor. Vozes isoladas criticam o alarmismo do aquecimento global, considerando-o uma tese pseudocientífica cujo verdadeiro objetivo é conter a modernização econômica e o crescimento dos livres mercados, e aumentar o poder do Estado sobre o indivíduo.
Mais dúvidas do que convicções
Não sou climatologista e sempre tive dificuldades para tirar conclusões a partir desses argumentos. Daí estive com Judith Curry em sua casa, em Reno, Nevada. Curry é climatologista. Ela chefiava o Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto da Tecnologia da Geórgia até desistir do mundo acadêmico para poder se expressar com independência. “O livre pensar e a climatologia se tornaram coisas incompatíveis”, diz ela. Você quer dizer que o aquecimento global não é verdade?, pergunto. “Existe um aquecimento, mas não entendemos exatamente as causas”, diz ela. “O fator humano e o dióxido de carbono contribuem para o aquecimento, mas quanto é uma questão de intenso debate científico”.
Curry é uma acadêmica, não uma analista política. Ao contrário de muitos oráculos no jornalismo e na política, ela nunca dá sua opinião sem provas. E ela tem dados para corroborar suas opiniões. Ela me diz, por exemplo, que entre 1910 e 1940 o planeta se aqueceu durante um episódio climático que lembra o nosso. O aquecimento não pode ser atribuído à indústria, diz ela, porque na época as emissões de dióxido de carbono provocadas pela queima de combustíveis fósseis eram pequenas. Na verdade, diz Curry, “quase metade do aquecimento observado no século XX se deu na primeira metade do século, antes do aumento nas emissões de dióxido de carbono”.
Portanto, fatores naturais tinham de ser a causa. Nenhum dos modelos climáticos usados pelos cientistas que hoje trabalham para as Nações Unidas é capaz de explicar este aquecimento anterior. Os modelos tampouco são capazes de explicar o resfriamento repentino que ocorreu entre 1950 e 1970, criando uma onda alarmista que pregava o início de uma nova era glacial. Eu me lembro das capas de revistas do fim dos anos 1960 e começo dos 1970 retratando o planeta prestes a entrar numa era de frio mortal. De acordo com um grupo de cientistas, estávamos enfrentando um cenário de apocalipse ambiental — mas o oposto do atual.
Mas o nível dos oceanos não está subindo, contra-argumento, causando erosão no litoral e ameaçando inundar centros populacionais no nível do mar e ilhas desabitadas inteiras? “Sim”, responde Curry. “O nível do mar está subindo, mas isso está ocorrendo desde os anos 1860; ainda não observamos nenhum aumento acelerado na nossa época”. Aqui mais uma vez temos de cogitar a hipótese de que as causas para o aumento nos níveis dos oceanos são, na maior parte, naturais, o que não surpreende ninguém, de acordo com Curry, porque “a mudança climática é um fenômeno complexo e incompreendido, com vários processos nele envolvidos”.
Culpar as emissões de dióxido de carbono pelos humanos talvez não tenha base científica, continua ela, mas “algumas pessoas ficam mais tranquilas acreditando que dominamos o assunto”. Ela diz que “nada incomoda mais os cientistas do que a incerteza”.
Isso explica por que Curry abandonou o mundo acadêmico das pesquisas com financiamento governamental. “A climatologia se transformou num partido político de tendências totalitárias”, acusa ela. “Se você não apoia o consenso da ONU de que o aquecimento global é causado pelos seres humanos, se você expressa o menor ceticismo, você é um negacionista, uma marionete de Donald Trump, um quase-fascista que deve ser excluído da comunidade científica”. Hoje em dia, a climatologia “oficial” só aceita dados que reforçam sua hipótese de que a Humanidade está por trás do aquecimento global. Aqueles que ousam demonstrar algum interesse pelas causas naturais da variação climática — como ventos solares ou oscilações terrestres — são desprezados pela comunidade científica, na melhor das hipóteses.
A retórica dos alarmistas, vale a pena dizer, usa cada vez mais “mudanças climáticas” em vez de “aquecimento global”, e “mudanças climáticas” podem significar qualquer coisa. Essa mudança se deu em 1992, quando as Nações Unidas ampliaram o escopo de sua preocupação ambiental para incluir toda mudança que a atividade humana possa estar causando, abrangendo tantas coisas que poucas das atividades humanas são capazes de escapar a essa ideia.
“Política, dinheiro e fama”
As pesquisas científicas deveriam se basear no ceticismo, na reflexão constante a respeito das ideias consagradas: ao menos foi o que aprendi com meu mentor, o maior filósofo da ciência do nosso tempo, Karl Popper. O que levou os climatologistas a traírem a própria essência de sua vocação? A resposta quem dá é Curry: “política, dinheiro e fama”. Os cientistas são seres humanos, com motivações humanas; hoje em dia, o financiamento público, os prêmios e as promoções acadêmicas são dados para os ambientalmente corretos.
Entre os climatologistas, explica Curry, “uma pessoa não pode gostar muito do capitalismo e do desenvolvimento industrial e deve defender o globalismo em detrimento das nações”. Pense diferente e você cairá no ostracismo. “A climatologia está se tornando uma ciência cada vez mais dúbia, servindo a um projeto político”, reclama ela. Em outras palavras, “a carroça política está na frente dos cavalos da ciência”.
É assim muito tempo na ciência ambiental, diz ela. A controvérsia quanto ao aquecimento global teve início em 1973, durante o embargo do petróleo do Golfo, que despertou o medo, sobretudo nos Estados Unidos, de que o petróleo fosse acabar. A indústria nuclear, diz Curry, se aproveitou da situação para defender a energia nuclear como a melhor alternativa e começou a subsidiar movimentos ecológicos hostis ao carvão e petróleo – e tem feito isso desde então. Assim nasceu essa história do aquecimento.
A Nasa exerceu um papel na propagação da história. Depois de encerrar as expedições lunares, a Nasa estava à procura de uma nova missão, por isso criou alguns modelos climáticos improvisados que se atêm sobretudo às emissões de dióxido de carbono porque é um fato fácil de isolar e porque “é algo que está sujeito ao controle humano”, observa Curry. Apesar de ser apenas um entre vários fatores que causam as variações no clima, o dióxido de carbono foi aos poucos se transformando no maior vilão da história. Forças burocráticas nas Nações Unidas que defendem um governo mundial — governo da ONU, óbvio — passaram a apoiar essa linha de pesquisa. Daí os cientistas foram convocados e receberam incentivos para provar que tal projeto científico era cientificamente necessário, lembra Curry. A ONU criou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 1988 para promover essa pauta e, desde então, climatologistas — um grupo cada vez mais visível e próspero — adotaram essa crença.
Em 2005, conversei com Rajendra Pachauri, engenheiro ferroviário indiano que se tornou climatologista e virou diretor do IPCC, órgão que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, sob seu comando. Pachauri me disse, sem nenhum constrangimento, que na ONU ele só contratava climatologistas que estivessem convencidos de que as emissões de dióxido de carbono explicavam o aquecimento global, eliminando todos os outros. Esse conluio extraordinário é o que permite aos políticos e analistas dizerem que “a ciência afirma que” o dióxido de carbono é o culpado pelo aquecimento global ou que existe um “consenso entre os cientistas” quanto ao aquecimento – o que significa que nenhum estudo posterior é necessário, algo que não faz nenhum sentido, já que a pesquisa científica se baseia não no consenso, e sim em visões contraditórias.
Acordo de Paris e outros tratados
Curry é cética quanto a quaisquer resultados positivos que possam surgir de tratados ambientais — sobretudo do Acordo de Paris, assinado em 2016. Segundo os termos do acordo, as nações signatárias — entre as quais não estão os Estados Unidos, que se retirou do pacto — se comprometeram a reduzir as emissões de gases do efeito estufa para estabilizar a temperatura do planeta ao nível atual. Mas, como explica Curry, mesmo que todos os países respeitassem o compromisso — o que é improvável — a redução da temperatura em 2100 seria de insignificante 0,2 grau. E isso supondo que as previsões dos modelos climatológicos estejam corretas. Se houver um aquecimento menor do que o previsto, a redução na temperatura causada pela limitação nas emissões de gases será ainda menor.
Desde que o Acordo de Paris foi assinado, nenhum governo tomou medidas sérias. A saída dos Estados Unidos do pacto não é o único problema; a Índia está ignorando o acordo e a França “não cumpre seus objetivos de redução na emissão de gases ano após ano”, como admite Nicolas Hulot, ambientalista francês e ex-ministro do presidente Emmanuel Macron. O acordo não pode ser levado a cabo e não gera nenhuma sanção — uma condição imposta por muitos governos que de outro modo não o assinariam.
Continuamos vivendo uma realidade contraditória: por um lado, ouvimos dizer que não existe ameaça maior à Humanidade do que os níveis de dióxido de carbono da atmosfera; por outro, nada acontece para realmente solucionar essa suposta ameaça. A maioria dos economistas sugere que o único incentivo eficiente para que se reduzam as emissões de gases do efeito estufa seria a criação de um imposto mundial sobre o carbono. Nenhum governo parece disposto a aceitar tal medida.
Há uma crise apocalíptica envolvendo o aquecimento global ou não? “Sempre nos disseram que estávamos próximos do ponto a partir do qual seria impossível voltar atrás – que, por exemplo, o derretimento da calota polar no Ártico era o início do apocalipse”, diz Curry. “Mas esse derretimento, que teve início há décadas, não está provocando nenhuma catástrofe”. Os ursos polares se adaptam e se mudam para outros lugares e nunca foram tão numerosos; eles são ameaçados menos pelo derretimento e mais pela urbanização e desenvolvimento econômico da região polar, diz ela.
No último ano, aproximadamente, o planeta começou a resfriar”. Embora “ninguém saiba se isso vai ou não durar ou se isso será capaz de pôr a hipótese do aquecimento global em xeque”. De acordo com Curry, a ruptura dramática da camada de gelo não se daria por causa do derretimento provocado pelo aquecimento global, e sim por “erupções vulcânicas na região antártica, erupções essas que quebram o gelo e que não podem ser previstas”. Os climatologistas não falam sobre essas erupções porque seus modelos teóricos não respondem pelo imprevisível.
Curry, então, recomenda passividade? De jeito nenhum. Para ela, a pesquisa deve ser diversificada a fim de abranger o estudo das causas naturais das mudanças climáticas e não se ater obsessivamente ao fator humano. Ela também acredita que, em vez de perdermos tempo com tratados inúteis e debates estéreis, seria melhor nos prepararmos para as consequências das mudanças climáticas, sejam elas um aquecimento ou resfriamento. Apesar da balbúrdia em torno de eventos climáticos extremos, diz ela, furacões geralmente provocam menos danos hoje do que nos séculos passados porque os sistemas de alarme e os planos de evacuação melhoraram. Essa seria a abordagem correta.
O pragmatismo de Curry talvez não gere elogios entre os ambientalistas e os analistas progressistas, embora ninguém realmente questione a validade das pesquisas dela ou rebata os dados que ela menciona a respeito de uma realidade absurdamente complexa. Se bem que nem a realidade nem a complexidade geram paixões como as dos mitos, e é por isso que o trabalho de Judith Curry é tão importante hoje em dia. Ela é uma caçadora de mitos.
Guy Sorman é colaborador do City Journal.