Face ao publicado na edição de O Globo do dia 1º de dezembro, em matéria de página inteira que noticiava com gráficos estatísticos o aumento de acidentes após a proibição da fiscalização com radares estáticos, portáteis e móveis nas rodovias federais, que funcionavam a fim coibir o excesso de velocidade, fator presente na maioria dos acidentes rodoviários, telefonei ao Bob Sharp lembrando-lhe que eu havia previsto este resultado no artigo Carta aberta ao Exmo. Senhor Presidente, no qual, lealmente, o alertava do erro em “tirar o sofá” sem coibir o abuso existente”, e aprimorando aquela fiscalização pela sinalização de alerta da sua existência.
Para surpresa minha, alertou-me Bob Sharp, de que os acidentes não aumentaram apenas nas rodovias. Nas cidades também, principalmente na cidade de São Paulo e, finalizava com esta soberba observação crítica: “Parece que os motoristas desaprenderam a dirigir.”
Esta sua observação fez “cair a minha ficha” sobre o, assunto. Afinal , como no caso da fiscalização da “lei seca”, estarem verificando a capacidade de dirigir de maneira errada, não somente aqui no nosso “Pindorama”, mas, no mundo inteiro, tanto quanto eu saiba. O que adianta verificar apenas a acuidade visual e auditiva, além da pressão arterial, cada cinco anos de habilitação e três anos para os idosos, se as suas reações ao volante não são verificadas?
No meu caso, por exemplo, aprovado no exame periódico, conscientemente parei de dirigir por sentir que, agora, aos quase 94 anos, não tinha mais os mesmos reflexos que possuía. Acresce ainda o fato de que o nosso Presidente pensa em aumentar a periodicidade da atual verificação pífia de cinco para dez anos para quem tem até 65 anos, e de três para cinco anos para quem estiver com idade superior. Pelo amor de deus, não faça isso, Presidente!
No meu caso, com o novo intervalo, eu estaria legalmente apto a dirigir até os 97 anos!!!
No meu livro “Ultrassonografia do trânsito brasileiro”, que espero tenha sido entregue ao Exmo. Sr.. Presidente pelo autor do prefácio, jornalista Alexandre Garcia, incluo, por achar um absurdo, não estarem as autoescolas no Sistema Nacional de Trânsito a fim de que passem a ter a responsabilidade que hoje não têm nenhuma.
E, note-se, somente no Estado do Rio de Janeiro existem, reconhecidas pelo Detran, 830 autoescolas, ou Centros de Formação de Condutores (CFC), como são hoje chamadas. Não sei se temos o mesmo número de escolas públicas a fim de eliminar o analfabetismo no Estado.
O que ocorre é o seguinte: o candidato à CNH, deseja ser aprovado, o CFC quer satisfazê-lo e o examinador corrupto quer vender a aprovação. Está criado o cenário para a elevada quantidade de infrações e, consequentemente, acidentes.
O que proponho é que os CFCs passem a se responsabilizar pelos exames, encaminhando-os ao Detran para referendá-los, e emitir a CNH. Neste documento passará a constar a identificação do CFC que por ela se responsabilizou examinando o candidato por ele preparado. O recém-aprovado passará a ficar sob rigorosa fiscalização pelos Detrans (estaduais) ou órgãos de trânsito municipais, como também sob rigoroso controle estatístico das irregularidades cometidas, constantes do noticiário o registro do CFC cursado pelo envolvido em eventual acidente e, também as infrações cometidas.
Ao atingir o índice máximo de tolerância estabelecido pela autoridade competente, o CFC que lhe deu a autorização para dirigir (não é direito, como dizem), terá o seu registro suspenso ou cassado, a critério da autoridade. Também o recém-habilitado terá que ostentar na janela traseira,de seu veículo o sinal de 60 km/h, velocidade máxima permitida até completar seis meses de condução — tal exigência existe na França desde a década de 1970.
Após este período, o novo motorista volta ao Detran para realizar um teste em simulador (foto de abertura), enfrentando situações que exigem completo controle de seu veiculo, a fim ser liberado a ultrapassar o limite de 60 km/h. Se reprovado deverá fazer, no CFC que o habilitou ou noutro qualquer, o curso de simulador, onde lhe serão mostradas todas as possíveis situações que possam ocorrer no trânsito.
Não se esqueça de que o acidente acontece quando o motorista se depara com uma situação para qual não está preparado.
Caberá também ao CFC lhe dar a aprovação e ao Detran, substituir na CNH, se for o caso, a identidade do CFC responsável por esta nova aprovação.
Da mesma maneira, graças à oportuna observação do Bob Sharp, também na ocasião da renovação da CNH, os motoristas “esquecidos”, que parecem ter “desaprendido”, realizarem o exame de reflexos no simulador. A reprovação exigirá curso de reciclagem nos simuladores, passando também ao CFC que lhe ministrou o curso dar-lhe a nova aprovação, e a fazer parte do rigoroso controle estatístico do histórico de seu discípulo como motorista.
Se a estas medidas somarmos o sistema, também proposto no meu último livro, de eliminar a multa, substituído-a pela advertência, anulada por um período de exemplar comportamento proporcional à gravidade da infração, variando de um a quatro meses, teremos, conforme a infração que cometeu, a utopia da tão desejada paz no trânsito, atualmente impossível de ser atingida da maneira como estamos agindo.
Acrescente-se, ainda, que se o motorista advertido, durante o período, de comportamento exemplar exigido para anulá-la, cometer qualquer infração (mesmo leve) terá e multa confirmada e a CNH suspensa pelo tempo que deveria ter tido o comportamento exemplar exigido na nova lei. Se ele ousar dirigir com a CNH suspensa a terá confiscada pelo período mínimo de um ano. Se insistir estará cometendo crime, previsto no Código Penal
No título deste artigo, muito a contragosto pelo meu caráter otimista, escrevi que jamais o levariam em consideração e, assim escrevi, obediente ao raciocínio, num momento de desabafo, do urbanista grego Constantino Doxiadis que, enquanto viveu, foi o melhor do mundo, quando disse que “A crise do trânsito e civilização urbana é uma crise de imaginação e de coragem” .
De minha parte, acredito que demonstrei imaginação baseada em conhecimentos acumulados, em meio século de “janela”.
Quanto à coragem desejada nos executivos que dirigem o trânsito brasileiro, se não a tiveram, até hoje para implantação do sistema URV, Utilização Racionada das Vias que proponho há mais de dez anos, apesar de ter, como subproduto, além da mobilidade urbana o transporte de ônibus gratuito, como a terão para adotar o que agora proponho, com medidas duríssimas de moralização e eficiência de ação como solução para eliminar ou ao menos minora, a mortandade dos acidentes de trânsito que atingem em sua maioria a nossa juventude, que por ser constituída de jovens tem a ilusão da imortalidade?
CF
Celso Franco escreve quinzenalmente para o AUTOentusiastas sobre questões de trânsito.