No meu último artigo citava o meu “livro-testamento”, “Ultrassonografia do Trânsito Brasileiro”, como estrutura básica para a reformulação total da orientação do nosso trânsito atual .
Por favor, não me critiquem por fazer “marketing”, utilizando este meu espaço, uma vez que este livro não é vendido. Ele foi impresso, em pouco mais de duzentos exemplares e distribuído gratuitamente a todos aqueles com poder de modificar o que temos hoje, comprovadamente fracassado, em disciplinar o trânsito e evitar acidentes. Evidentemente, exceto os colegas do AE, nenhum dos agraciados respondeu, nem mesmo para agradecer…
Aproveito para me desculpar com os leitores do AE, uma vez que com o título deste artigo, iniciava no primeiro capítulo do meu livro a definição de minha filosofia, no enfoque do assunto trânsito, com o propósito de fazer com que os futuros leitores “falassem a mesma língua que eu” e, assim pudessem, com melhor conhecimento de causa, julgar o que escrevo, principalmente para criticá-lo.
Corrijo este erro agora dando-lhes o conhecimento da base filosófica do que proponho, ou defino, ou como dizia meu saudoso amigo, o competente engenheiro Roberto Scaringella. a arquitetura dos projetos.
Eis o resumo das premissas básicas para se equacionar corretamente os problemas do trânsito:
• Do autor inglês G.K.Chesterton, em seu livro “The scandal of father Browm”: “Não me preocupam os que não veem a solução mas, sim aqueles que não a enxergam por não verem o problema.” Infelizmente, a maioria dos que integram o Sistema Nacional de Trânsito estão enquadrados neste raciocínio.
• Do conselheiro da ONU, Ernest Weisseman: “O trânsito é o terceiro problema social do mundo, somente superado pela manutenção da paz e a fome. O equacionamento dos seus problemas deve levar em consideração, na sua abordagem, os aspectos social, ambiental e os de engenharia, propriamente dita, nesta ordem de prioridade.” Infelizmente, também, nunca seguem esta orientação, quando tentam solucionar os problemas.
• Do lendário diretor de Trânsito de Londres na década de 30, Sir Alker Tripp, CBE, em seu livro fundamental para os que administram trânsito. “Road Traffic Control”: “No equacionamento dos problemas do trânsito, tudo que se puder conseguir através de medidas construtivas não deve ser imposto mediante restrições legais.” Infelizmente, nenhum Código de Trânsito no mundo se preocupa com esta norma básica. Se preocupam em coibir apenas multando, não considerando, a necessidade de educar.
• Do psicólogo inglês Desmond Morris, em seu livro “.O macaco nu”: “Enfatiza que o motorista é um “primata condicionado”, e exemplifica : “O ato de buzinar corresponde ao latir do cão reclamando um espaço que ele acha que lhe pertence. Educar é apenas para crianças e adolescentes , antes de se tornarem motoristas” Aqui, no nosso país, fazem, oficialmente campanhas de educação. Na Europa fazem campanhas de segurança
• De Henry Barnes, lendário diretor de Trânsito de Nova York: “Trânsito é o povo em movimento”. Com esta observação queria enfatizar que todas as medidas devem ser tomadas visando condicionar o motorista que, se possível, deve ser esclarecido do que se deseja que ele faça.
• Do clássico livro “Traffic Engineering Handbook”, publicação do Instituto dos Engenheiros de Tráfego dos Estados Unidos: “Quanto melhor o engenheiro de tráfego conhecer os hábitos da população, do local onde for trabalhar, mais facilitada será sua missão”. Por ignorar esta recomendação, o competente técnico de trânsito, coronel Francisco Américo Fontenelle, na década de 60 fracassou ao tentar organizar o trânsito da cidade de São Paulo.
No mesmo capítulo que trata do motorista, o livro em questão elucida que “No condicionamento do motorista, através a sinalização, devemos ter atenção de que as suas reações são comandadas pelo principio do PIEV, ou seja, a sua Percepção, Inteligência, Emoção e Volição. Infelizmente, nem sempre seguem esta orientação básica.
• Do urbanista Professor Hilton Gadret: “Trânsito é a superfunção urbana.” Por levarmos em consideração esta definição, quando na direção do trânsito , sempre nos preocupávamos com o fato de que existem duas soluções para se equacionar o trânsito, dentro dos princípios do urbanismo: as estáticas e as dinâmicas. As estáticas são as obras de arte, criadoras de espaço e a dinâmica , que cabe ao engenheiro de tráfego utilizar, que consiste em tirar o máximo de rendimento da malha viária existente. A circulação da cidade de Paris, em sua maioria de vias de sentido único, são um eloquente exemplo de se utilizar uma malha viária com mais de dois mil anos.
• Do saudoso engenheiro de tráfego Gerardo Penna Firme, de extraordinária competência, o irmão que não tive: “O trânsito é a grande tela onde se projetam todas as deficiências do transporte público.
Trânsito resolvido é se puder dar ao usuário da malha viária com um rendimento capaz de lhe fornece, um orçamento de tempo para se deslocar, indo e vindo de qualquer área da cidade. Este orçamento será, tanto maior e confiável quanto maiores foram as providências tomadas para obtê-lo.”
Como consideração básica final, critério de seleção para se exercer a imensa responsabilidade de se dirigir o trânsito de uma cidade, o aconselhamento do urbanista grego Constantinos Doxiadis que, enquanto viveu, foi o melhor do mundo:
“Se as nossas cidades agonizam, não são, nem a falta de tecnologia, nem a explosão demográfica, nem a sociedade de consumo, nem quaisquer outros pretextos comumente invocados hoje, que são responsáveis por este estado de coisas, mas nós mesmos. A crise da civilização urbana é uma crise de imaginação e de coragem.
Os problemas existentes devem ser enfrentados com a razão e o sonho. Este é o meu lema. O sonho quer dizer a fantasia, a imaginação, a intuição. A razão é a matemática, a estatística e tudo que possa tornar o sonho realidade,”
Estas são as premissas básicas que nos permitem, autor e leitor, “falarmoa a mesma língua”.
No inicio do texto eu dizia ser o último dos BUCHANISTAS. Meus companheiros e queridos amigos Roberto Scaringella, Marcos Prado e Gerardo Penna Firme já não estão entre nós. Tal fato aumenta de muito o meu fardo da responsabilidade de tentar “vender” o nosso sonho. De nada adiantaria eu ter citado o que aconselhou Collin Buchanan em seu imprescindível livro “Traffic in Towns”, contendo as soluções propostas por um grupo de trabalho de técnicos, que marcou uma época no planejamento do tráfego urbano dividindo os métodos em os anteriores e os posteriores ao seu livro, mais conhecido como “Buchanan´s Report”, tão grande é a quantidade de recomendações por ele propostas. O livro deve ser lido por completo a fim de tornar quem o leu profundo conhecedor do problema que irá enfrentar.
Desculpo-me, junto aos leitores pelas possíveis omissões, fruto do que disse o dramaturgo irlandês Oscar Wilde: “Pena que eu não seja mais tão jovem para pensar que tudo sei”.
CF
Celso Franco escreve quinzenalmente no AE sobre questões de trânsito
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