Conhece a história do sujeito desesperado com a situação, sem dinheiro, a casa em péssimo estado, tudo, móveis semidestruídos, televisor e computador quebrados, chuveiro elétrico com resistência queimada, e um amigo recomenda colocar um bode na sala? Sem muita saída ele aceita a recomendação do amigo. Um semana depois, espumando de raiva, liga para o amigo espinafrando-o, xingando-o de tudo quanto é nome, pois o bode fedia, comia tudo o que via, defecava na casa inteira, para ouvir: “Está certo, então faça o seguinte, tire o bode e me diga alguma coisa”. Dois dias depois ligou para o amigo e disse: “Agora está tudo uma maravilha. Obrigado, amigo!”
Substitua bode pelo idiota rodízio par/ ímpar 24 horas por 7 dias, e a casa, pela cidade de São Paulo, e você terá ideia do significado de tudo isso que aconteceu nesta semana e culminou neste domingo.
Bruno Covas (foto de abertura) perdeu a chance de ouro, não sei se por burrice ou teimosia — para ficar na história de São Paulo como o prefeito que acabou com vergonha paulistana do rodízio, obra do vivaldino prefeito Celso Pitta em outubro de 1997 e vergonhosamente mantido por Marta Suplicy, José Serra, Gilberto Kassab, Fernando Haddad e João Dória Jr., o prefeito fujão que entregou o cargo ao vice-prefeito Bruno Covas após apenas 15 meses de gestão.
Por que vergonhosamente? Porque o rodízio não é lei, mas decisão dos prefeitos citados ao não cancelarem o decreto de Celso Pitta. A Lei Municipal nº 12.490, de 3 de outubro de 1997, apenas autoriza o Executivo a implantá-lo,. não determina. Mas os prefeitos citados, imbuídos do caráter vivaldino de Celso Pitta, o mantiveram até hoje — uma vergonha para os paulistanos, repito.
Vergonha e acinte ao mesmo tempo: o rodízio de São Paulo não faz parte do Código de Trânsito Brasileiro, de abrangência nacional, o ÚNICO que motoristas são obrigados a observar quanto a trânsito, e as vias do “centro expandido” de São Paulo não têm até hoje nenhuma indicação de restrição de horário de uso. Ou seja, quem é de fora e aqui chega pode ser multado e ter pontos na CNH atribuídos sem que tenha desobedecido a sinalização. Chega as ser surreal
Para os leitores e leitoras mais novos, o adjetivo “vivaldino” de Celso Pitta é porque ele gostou da ideia do rodízio que vigorou de maio a setembro de 1996, 1997 e 1998, de caráter ambiental, implantado pelo governo estadual para toda a região metropolitana de São Paulo — 39 municípios — por alternância dos finais de placa de segunda a sexta das 7h00 às 20h00. O vivaldino não pensou duas vezes e fez o dele.Só que ele precisava de lei para isso.
Os vereadores que votaram a favor do rodízio foram relapsos e/ou incompetentes ao votarem lei relativa a trânsito quando já se encontrava aprovado Código de Trânsito Brasileiro (10 dias antes, 23 de setembro), o qual estabelece a única situação em que os municípios podem restringir circulação: quando for para reduzir as emissões globais de poluentes (Art. 24 Inciso XVI), trabalho de monitoramento que é responsabilidade da Cetesb, e o. do rodízio “tradicional” é reduzir congestionamentos, conforme explicitado no site da CET de São Paulo.
A volta do rodízio “tradicional”
Apesar de tão ilegal quanto o par/ímpar, pelo menos agora as pessoas ficaram livres para utilizar seus veículos particulares e livres do transporte coletivo e seu inegável e alto risco de contaminação pelo coronavírus, mas de maneira incompleta — novamente emprego a palavra ‘vergonhosamente’.
Incompleta por ter sido justamente o motivo para suspender o rodízio em 17 de março p.p., as pessoas poderem se deslocar sem precisarem recorrer ao transporte coletivo. Ou seja, Bruno Covas hoje acabou com um problema que ele mesmo criou e recriou outro, quando bastava suspender o decreto do rodízio como fizera em 17 de março. Sujeitar-se a horário para utilizar o próprio carro é liberdade parcial.
Assim, continuaremos a ver no site Webmotors anúncios de usados com a ridícula informação do final da placa e todas os malefícios do desse maldito rodízio “tradicional” que, dada a frota da capital — perto de 8 milhões de veículos ante 500 mil quando o rodízio começou há quase 23 anos — se tornou inócuo para reduzir congestionamentos
Mas reduzi-los por meio de controle semafórico inteligente, acabar com o jeito paulistano de ruas de repente virarem contramão, repintar faixas de rolamento com largura decente,elevar a velocidade para limites realistas, acabar com lombadas & valetas, e eliminar ciclofaixas subutilizadas, nem pensar. Afinal, isso dá um trabalho danado.
BS