Desde 1950, com a Sabrico, várias concessionárias Volkswagen se estabeleceram no Brasil atingindo um grande sucesso e um desenvolvimento invejáveis. Em São Paulo tivemos, além da Sabrico, a Bruno Tress, a Marcas Famosas e tantas outras que já deixaram de existir, um fenômeno que se repete em todo o Brasil. Mas elas deixaram saudades e marcaram a vida de muitos de nós. O amigo Hugo Bueno tinha uma concessionária que o marcou desde menino e agora ele decidiu registrar a sua trajetória: trata-se da Guanauto e abaixo está o seu relato
Guanauto Veículos S.A. – O primeiro salão do automóvel da Guanabara
Por Hugo Bueno
Com a chegada dos primeiros carros Volkswagen ao Brasil, ainda em 1950, tornou-se necessária a nomeação de representantes nas principais capitais do país, os quais seriam os responsáveis pela divulgação da marca e pelas primeiras vendas.
Posteriormente, alguns representantes se transformaram em concessionários, outros foram sendo nomeados, até que em meados da década de 1960, com o crescimento da indústria automobilística nacional, algumas lojas se tornaram verdadeiros complexos comerciais.
Essa fase grandiosa estendeu-se até meados da década de 1980, período de ouro das grandes concessionárias que começou a declinar durante a década de 1990 e após o ano 2000 um novo conceito de lojas menores e o domínio de grandes grupos multimarcas começou a prevalecer no mercado de automóveis.
Assim como a Sabrico em São Paulo, o Rio de Janeiro, no então Estado da Guanabara, contou com poderosos concessionários, sendo a Guanauto Veículos S.A. um deles. Se ainda estivesse “viva”, completaria sessenta anos no próximo dia 16 de junho, porém sucumbiu bem antes à mudança imposta pelo mercado.
A história dessa concessionária, que chegou a ser uma das maiores e mais modernas da América Latina e contribuiu muito para a divulgação da marca Volkswagen é o objeto dessa matéria.
Nas primeiras décadas do século 20, a produção de automóveis atingiu escala industrial e sua comercialização, escala mundial. Aqui no Brasil, cujo fomento a essa indústria somente aconteceu em meados do século, o mercado era totalmente importador. Nessa época a distribuição interna era realizada por representantes de cada marca.
A principal diferença entre um representante e um concessionário (ou revendedor autorizado), era que o negócio do representante basicamente se resumia a importar e vender, sem ter a obrigação de prestar qualquer tipo de assistência pós-venda. A prestação desse tipo de serviço, pós-venda, acabava englobando diferentes empresas que poderiam ser importadores independentes de peças de reposição, pequenas oficinas, às vezes um serviço que beirava o artesanal, e o próprio representante após o mesmo entender que havia um novo nicho de negócio a ser explorado.
Já um concessionário, é aquele que atende toda uma cadeia de serviços: venda, assistência técnica, peças de reposição, instalação de acessórios, além de serviços burocráticos, tais como financiamentos e até serviços de despachante que ajudam o cliente e contribuem para o retorno financeiro global do negócio. Abaixo. anúncios de representantes da Ford e da Studebaker da década de 20:
Em dezembro de 1950, com a chegada dos primeiros Fuscas ao Rio de Janeiro, foi necessária a nomeação de, pelo menos, um representante para a marca dentro da cidade. Assumiu esse posto uma empresa chamada DP Cleto limitada, cuja experiência na época era a prestação de serviços de estofamento e tapeçaria para residências e, posteriormente, para os automóveis da época.
Sua representação durou pouco mais de um ano. Em meados de 1952, uma empresa chamada Auto Modelo passou a representar a Volkswagen no Rio de Janeiro. Esta, futuramente, assim como a Guanauto, viria a se tornar um dos maiores concessionários da marca no país e na América do Sul.
Abaixo, a DP Cleto Ltda em três momentos: estofados residenciais (1949), capas para revestimento de automóveis (1949) e representante da Volkswagen (1950), sempre no mesmo endereço.
Em 16 de junho de 1960, foi estabelecida a Cia. Guanabara de Automóveis – Guanauto, cujas instalações ficavam situadas na Av. Brasil, 2.153, bairro do Caju, elo entre a zona norte e o centro da cidade. Nessa mesma época conquistava a concessão da Volkswagen tornando-se um revendedor autorizado, responsável não só pelas vendas, mas também pelos serviços de assistência técnica.
Abaixo, o aviso publicado no jornal Correio da Manhã em agosto de 1960 informando sobre o novo revendedor Volkswagen no então Estado da Guanabara (o Rio de Janeiro era uma cidade-estado) e o raro plástico decorativo chamando atenção para os pontos turísticos do Rio de Janeiro: Cristo Redentor, Pão de Açúcar e Baía de Guanabara:
À medida que o tempo passava e a Volkswagen cada vez mais crescia no mercado, tornava-se necessário o aumento de serviço especializado tanto na área de vendas, como na área de assistência técnica. É interessante entender que, para a Volkswagen, havia uma diferença de conceito entre os dois tipos de representação: o Revendedor Autorizado era o responsável por toda a cadeia, desde a venda de veículos, até a assistência técnica, passando pela venda de peças. Já o “Serviço Autorizado” respondia apenas pela assistência técnica e pela venda de peças. Em maio de 1961, a Volkswagen divulgava seus novos parceiros no estado da Guanabara.
Acima há um engano da Volkswagen: a Rio Motor S..A. não era revendedor VW, mas apenas serviço autorizado. As vendas eram a cargo da Auto Industrial. À primeira vista uma divisão fora do padrão da fábrica, mas tem explicação: os donos de ambas empresas eram os alemães Adolf Bernstein, Harald Gessner, que anos mais tarde seria o presidente da Karmann-Ghia do Brasil, e ninguém menos que Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk, o primeiro presidente da Volkswagen do Brasil.,
Com o rápido crescimento da venda de automóveis, o mercado nacional demandava cada vez mais investimentos por parte da cadeia produtiva e de serviços. Considerando a necessidade de grandes investimentos para impulsionar a empresa, em maio de 1962 a Cia. Guanabara de Automóveis – Guanauto trocou de mãos, passando a se chamar Guanauto Veículos S.A e recebeu um considerável aumento em seu capital social. O grupo que assumia, possuía experiência com postos de distribuição de combustíveis e futuramente tornar-se-ia o grande conglomerado Cia Mercantil Itaipava.
O ano de 1963 chegava com novidades. Dentro do processo de ampliação do negócio, já em janeiro a Guanauto ganhava uma nova sede para seu departamento de vendas, peças e oficina. Mais moderna e com mais espaço, foram inauguradas as novas instalações na Rua Bela, 1.223, tradicional bairro de São Cristóvão, quase esquina com a Av. Brasil, mantendo-se próxima ao importante corredor de ligação zona norte/centro.
Ainda em dezembro de 1962, dava-se a transferência para a nova sede que começava efetivamente a operar em janeiro de 1963. As fotos mostram a fachada do prédio em 1964 e atualmente:
E nasce o consórcio
Ainda no início da década de 60, com o crescimento consistente da indústria automobilística nacional e em decorrência da falta de oferta de crédito direto ao consumidor, funcionários de um banco tiveram a ideia de formar um grupo de amigos, com o objetivo de constituir um fundo suficiente para aquisição de automóveis para todos aqueles que participassem da arrecadação dos recursos.
De forma inovadora à época, eles se uniram e cada um contribuiu com uma parcela do valor do carro que, somadas, permitiriam a sua aquisição. Mas, de quem seria aquele primeiro veículo? A solução foi simples: sorteá-lo. Surgiu, assim, no Brasil, o Consórcio, mecanismo de concessão de crédito isento de juros, que tem por finalidade a aquisição de bens e serviços através de uma administradora que é remunerada a partir do pagamento de uma taxa de administração.
Assim que a legislação pertinente foi aprovada, os três únicos revendedores autorizados da Guanabara se uniram e, já a partir de 1965, através da criação de uma empresa chamada “União dos Revendedores” passou a oferecer essa modalidade de crédito para a aquisição de veículos novos que posteriormente foi estendida para outros tipos de veículos, tais como motocicletas e trailers.
Nascia assim o “Consórcio Facilidade” administrado pela nova empresa criada a partir da união dos três revendedores Volkswagen à época: Auto Industrial, Auto Modelo e Guanauto. Com essa nova modalidade, a venda de carros novos deslanchou e cada vez mais as empresas precisavam crescer.
Em meados de 1964 a administração da Guanauto sentiu a necessidade de ampliar e melhorar suas instalações visando proporcionar maior conforto e melhor atendimento para seus clientes. Um ano depois, em julho de 1965 era inaugurada a nova e luxuosa sede para onde foram transferidos o departamento de venda de carros novos e os departamentos administrativo e financeiro.
O novo prédio, situado à Av. Brasil, 1.304, na esquina da rua que dava acesso ao bairro do Caju, era estrategicamente situado de frente para o corredor de ligação zona norte-centro. Possuía um magnífico salão, finamente decorado, destinado à exposição dos vários modelos Volkswagen. Não satisfeita, a administração da Guanauto prevendo um crescimento ainda maior para o início dos anos 1970, adquiriu um terreno de mais de 7.000 m2 junto ao Campo de São Cristóvão onde pretendia construir o que seria a mais moderna instalação de um revendedor Volkswagen na Guanabara e quiçá no Brasil.
Para facilitar a vida de seus clientes, a Guanauto possuía um serviço de condução gratuito circulando entre o centro da cidade, sua sede na Av. Brasil e sua oficina na Rua Bela. Uma Kombi lotação (seis portas) realizava esse serviço cujo objetivo era atrair a clientela que trabalhava na zona central da cidade. O porta-manual do proprietário trazia impresso o itinerário e os pontos de parada da Kombi além do mapa de acesso às duas instalações.
Abaixo um raro porta manual — brinde da Guanauto — contendo o itinerário do serviço de lotação, além do mapa de acesso para as instalações da Guanauto:
Com as vendas crescentes, a década de sessenta ia caminhando. O fornecimento para frotistas e órgãos públicos fazia parte do negócio, assim como a venda da linha de trailers Turiscar que chegavam diretamente da cidade de Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul. Veículos fora de série Puma, MP Lafer e até importados como a Variant alemã, além de uma linha completa de acessórios para equipar toda a gama de automóveis e utilitários, tudo isso era comercializado pela Guanauto Veículos S.A.:
Com as expectativas de mercado se concretizando, as obras de sua futura e suntuosa sede no Campo de São Cristóvão seguiam em ritmo acelerado. Na grande área adquirida, estavam sendo construídos dois blocos de edifícios, um deles com oito andares mais uma cobertura. Esta instalação abrigaria todos os departamentos em um só lugar, diminuindo a perda de tempo com deslocamentos e proporcionando mais conforto para clientes e funcionários.
Diferente do modelo usual de construção para esse tipo de negócio, ao invés de uma instalação plana, porém espalhada, optou-se pela concentração em dois prédios, sendo o maior deles atendido em todos os seus andares por um imenso elevador de carga que seria responsável pela movimentação dos automóveis por todos os andares. O planejamento indicava a inauguração logo no início dos anos 1970.
Finalmente, em junho de 1971 começou o processo de transferência para a nova sede localizada no Campo de São Cristóvão, 87. Projetada especialmente para abrigar todos os departamentos da empresa, sua grandiosidade provocou a admiração de clientes, funcionários, jornalistas e concorrentes.
Em agosto de 1971 foi publicada uma peça publicitária divulgando todas as facilidades da nova sede de 14.000 m2 de área construída, cujo prédio principal contava com nove pavimentos. O nível térreo e o segundo andar abrigavam imensos salões para exposição de veículos novos e usados. Distribuídos pelos demais andares ficavam os departamentos administrativos, a diretoria além do estoque de carros, boxes para manutenção e lavagem e no nono pavimento ficava a cobertura que era aberta. O prédio ainda contava com um auditório com capacidade para 160 pessoas onde seria possível a realização de conferências, cursos e até mesmo pequenos shows.
O complexo contava ainda com butique de acessórios para os veículos, recepção de oficina para atendimento de doze carros simultaneamente, um enorme estoque de peças e a oficina, moderníssima para a época, era dotada de dinamômetro para testes dinâmicos e um centro de processamento de dados ajudava a gestão das informações técnicas e administrativas.
Ainda havia disponível no interior do prédio, bar, cafeteria e um restaurante que comportava 350 funcionários. Sua infraestrutura contava com ar-condicionado central e para a movimentação interna foram instalados elevadores de passageiros e um elevador de cargas com a capacidade para transportar até duas toneladas a uma velocidade de 30 metros por minuto, ambos do fabricante Induco Dover.
Sua fachada tornou-se icônica por conter duas vigas de concreto engastadas na estrutura do prédio, em balanço, que suportavam qualquer modelo de carro da época, numa verdadeira exposição externa. Quem passava pela frente da loja tinha a impressão de que o veículo flutuava na altura do segundo andar.
Curiosa era a maneira de o veículo ser colocado nas vigas, já que um motorista não tinha como desembarcar, não havia espaço! O veículo era empurrado até topar nos anteparos nas extremidades das vigas, que tinham bordas internas altas, e parar, pois não havia ninguém a bordo para aplicar freio. Para trazê-lo de volta ao interior da loja era simplesmente tracionado, pelo para-choque, por outro veículo, era impossível entrar no veículo exposto..
Não havia exagero nos comerciais veiculados na época, a Guanauto tornou-se o “Salão do Automóvel no Campo de São Cristóvão” e consequentemente o “Primeiro Salão do Automóvel da Guanabara”.
Abaixo a peça publicitária institucional exaltando as novas instalações da Guanauto, chamando atenção para a modernidade que estava sendo oferecida ao seu público
Os dizeres desta propaganda são muito importantes para que os leitores e leitoras possam aquilatar a modernidade desta fase da Guanauto, sendo assim a propaganda foi dividida em módulos para montar um mosaico que poderá ser acessado individualmente para permitir a leitura dos dizeres:
Abaixo a peça publicitária da CEU – Construções e Engenharia Urbana S.A. empresa construtora do complexo informando sobre: “o projeto é o mais moderno em utilização no Brasil por um revendedor de veículos”:
Abaixo a peça publicitária da Induco, empresa fabricante dos elevadores, e seus dizeres são os seguintes:
“Cada vez que você for a Guanauto haverá inevitavelmente um elevador entre você e seu Volkswagen.
Por quê? Porque a Guanauto instalou em sua nova sede de São Cristóvão um verdadeiro salão permanente de automóveis e elevadores que operam dentro dos mais modernos padrões de técnica, conforto e segurança: Elevadores Induco.
Para chegar a seu carro ou para que seu carro chegue até você, haverá sempre um elevador Induco facilitando as coisas.
Vá a Guanauto e suba você também em nosso conceito.”
Na parte 2 vamos ver como esta história termina.
Apresento um testemunho de Ronaldo Berg, quando chefe regional de Assistência Técnica da Volkswagen, em que deu toda orientação à Guanauto, tanto na assistência técnica quanto no atendimento a clientes, quando a concessionária estava em seu auge.
Também veremos uma volta ao passado, conferindo o que da construção originalmente dedicada a ser uma megaconcessionária restou nos dias de hoje. Hugo Bueno visitou a empresa que atualmente ocupa o prédio da antiga Guanauto e produziu uma reportagem fotográfica com detalhes incríveis.
É uma complementação imperdível!
AG
Com este trabalho, o Hugo Bueno e eu, damos continuidade a colaboração que já resultou em matérias de qualidade e interesse para os leitores e leitoras desta coluna. Agradeço ao Hugo pela parceria e o parabenizo pelo trabalho.
Também agradeço ao Ronaldo Berg, amigo de longa data, por sua importante participação neste trabalho.
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