São muitas as aberrações da legislação de trânsito, mas uma das mais grotescas é o sistema de pontuação no prontuário do motorista, para penalizá-lo ao atingir 20 pontos gerados por infrações do trânsito.
Uma das primeiras medidas do capitão Jair Bolsonaro ao assumir a presidência foi pedir providências contra punições estabelecidas pelo código de trânsito. Ele mesmo levou o projeto de lei à Câmara dos Deputados, há cerca de um ano. Aprovada, está agora no Senado. Se sofrer (mais) alterações, terá que passar de volta pela Câmara antes de ser sancionada pelo Executivo.
Pelas regras atuais, quando o motorista é “premiado” com 20 pontos em seu prontuário num prazo de doze meses, perde a habilitação e deve se reciclar, ou seja, presenciar palestras e fazer uma nova prova no Detran (foto de abertura).
Tomar a CNH do motorista é puni-lo para evitar que continue desrespeitando as regras básicas do código, tumultuando o trânsito e colocando em risco a segurança de todos. Tem, portanto, um caráter disciplinar. Mas existe uma óbvia aberração neste sistema com diversas infrações (e consequentes pontuações) que fogem rigorosamente deste conceito.
Um bom exemplo é do motorista que adquire um automóvel usado e tem prazo de 30 dias para transferi-lo junto ao Detran. Se o prazo é excedido, ele incorre numa infração administrativa e penalizado com uma multa pecuniária e …. cinco pontos no prontuário. Ora, se cometesse este deslize quatro vezes num ano, perderia a habilitação. Pagar pelo atraso é compreensível e cabe de fato uma punição pecuniária. Mas, o que tem isso a ver com o trânsito? O motorista representa uma ameaça por ter se esquecido ou enfrentado alguma dificuldade burocrática para efetivar a transferência de propriedade do veículo?
Mas é longa a lista das absurdas penalidades aplicadas aos motoristas. Outra é a infração por exceder o tempo permitido de estacionamento em via pública. O motorista dependurou o papel ou pagou online para ocupar a vaga por uma hora, mas só voltou 90 minutos depois. Se é flagrado, toma uma infração de trânsito, acompanhada de multa e “premiado” com pontos na CNH. Ou, no caso exclusivo da cidade de São Paulo, trafegar no horário “proibido” segundo a regra do imoral e ilegal rodízio que já dura 23 anos, infração média que leva a 4 pontos na carteira de habilitação.
Então, quando o presidente Bolsonaro sugeriu aumentar o limite para 40 pontos, ele apenas ouviu o galo cantar sem saber exatamente onde. Pois a distorção não está no número de pontos, mas no critério para atribuí-los.
Em outros países que adotam o mesmo sistema, o motorista paga por qualquer infração cometida, mas, os pontos, só no caso de infrações graves ou gravíssimas. Tais como avançar sinal vermelho, ultrapassar em faixa contínua, dirigir na contramão, exceder velocidade máxima, dirigir alcoolizado, etc. É correto, educativo, e não excede os princípios da razoabilidade.
Fosse mesmo propósito do presidente “arrumar a casa”, existem outros surrealismos inacreditáveis na nossa legislação de trânsito. Capitaneados pela notificação quando o dono do veículo comete uma infração mas o vende antes de acertar contas com o governo. Neste caso, por incrível que pareça, a notificação é enviada para o novo proprietário, que se torna responsável pela infração cometida por outro motorista.
Não adianta por a boca no trombone. O Contran, questionado, simplesmente sugere ao novo dono, prejudicado, que processe judicialmente o verdadeiro infrator. O prezado leitor se sujeitaria a toda uma complexa burocracia e custos advocatícios para ser indenizado em R$ 250?
Há cerca de 20 anos foi aprovado pelo Congresso um projeto de lei para acabar com essa imoralidade. Entretanto, acabou vetado pelo então presidente Luiz Inácio L. da Silva. A explicação para se manter essa imundície jurídica é simples: se o governo cobra do novo dono do veículo e ele não paga, terá dificuldades para circular com ele. Tentar receber do dono anterior é mais complicado, apesar de a autoridade de trânsito ter seu nome, endereço e CPF. Sem ter, contudo, o mais que eficaz argumento opressor, de não conceder o documento hábil para a circulação do carro… Outra imoralidade jurídica, diga-se de passagem.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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