Recentemente lembrei de uma história que ouvi faz muito tempo, mas que sempre me vem à memória. Aquela que diz que havia dois sapos e cada um deles foi colocado numa panela com água — uma fria e a outra quente. Ambas foram colocadas no fogo lento até chegar à ebulição. O sapo que estava na panela inicialmente fria percebeu a mudança de temperatura e pulou para fora da panela assim que ela começou a esquentar. O outro, que entrara na panela com a água já morna, não notou o aumento de temperatura e morreu cozido. Qual é a lição a se tirar disto? Mudanças, quando feitas sorrateiramente, poucas vezes são percebidas. As mais gritantes, de supetão, podem gerar mais reações e são bem mais perceptíveis.
Essa fábula sempre me vem à cabeça quando vejo algo que é absurdo, mas que nos é imposto em meio a outras coisas e muitas vezes passa desapercebido. Outra tática muito comum e muitas vezes combinada com a anterior, é divulgar uma notícia bombástica — na linha “governo federal estuda aumento da alíquota máxima de imposto de renda na fonte para 50%” para, tempos depois, dizer que a nova alíquota será de “apenas” 45%. Os mais desinformados respirarão aliviados, enquanto os mais informados farão as contas e perceberão que passarão dos atuais 27,5% para 45%. É o tal bode na sala.
No caso dos veículos tivemos tantos que quando se passa um ano sem surpresas achamos ótimo, mesmo quando os bodes anteriores não foram retirados da sala. E assim continuamos aumentando a quantidade de bichos à nossa volta. Diria até que nem percebemos os mais antigos.
Cito como exemplo o famigerado rodízio de veículos na cidade de São Paulo. No lançamento, em 1997, foi dito que era “uma experiência” para reduzir os congestionamentos, mas planejar ou adotar outras medidas de melhoria do trânsito, nunca foram adotadas, pois como o Bob Sharp costuma sarcasticamente dizer, isso dá um trabalho danado. E os prefeitos que sucederam o “inventor” do rodízio, Celso Pitta, o mantiveram sem a menor cerimônia, mas os congestionamentos continuaram e continuam firmes e fortes — assim como a arrecadação com as multas decorrentes do rodízio.
Recentemente, com as medidas de isolamento devido à pandemia, a capital paulista chegou a ter uma semana de rodízio de dia inteiro, por final de placa do veículo. Números pares só podiam sair nos dias pares (segunda, quarta, sexta e domingo) e ímpares no dia ímpar. E durante o dia inteiro, incluindo sábados e domingos. Diante dos mais do que pífios resultados, voltou-se ao rodízio anterior, que estipula que segunda-feira não saem os carros com placas finais 1 e 2, terça os de finais 3 e 4 e assim por diante. Esta barbaridade vigora das 7h00 às 10h00 e das 17h00 às 20h00, de segunda a sexta. Sei de muita gente que suspirou aliviada e diria que até feliz em voltar ao outro rodízio — como se esse não fosse uma bobagem, quando na verdade é uma vergonha. Novamente, nos acostumamos com um zoológico inteiro na sala e já nem digo bodes, pois estão mais para mamutes.
Também surgem aquelas multas estranhíssimas por infrações estapafúrdias. Confesso que nunca tenho certeza de quais boatos são de geração espontânea dos grupos do Zápi e quais são verdadeiros balões de ensaio, jogados para avaliar a repercussão e depois se chegar a algo mais razoável e visto como algo negociado. De novo, tudo pela metade do dobro.
Tem também os casos de puro nonsense, como a troca dos extintores veiculares pelos do tipo ABC. Daquela vez eu já estava mais escolada e apenas fiquei esperando que alguma entidade entrasse na Justiça e derrubasse essa doideira da obrigatoriedade de extintor nos carros particulares, mas teve gente que saiu correndo para trocar a geringonça. Como naqueles tempos pré pandemia eu ia ao posto de gasolina a cada 4 ou 5 dias, lembro da absurda pressão que os frentistas exerciam sobre mim para que comprasse o extintor com a nova especificação. Aliás, o mesmo aconteceu com o kit de primeiros socorros, mas eu era mais jovem e mais ingênua e fui prontamente comprar um — na verdade, três pois comprei para o carro da minha mãe e o do meu marido também. Nora, sua tolinha…
A estratégia de ir empurrando bodes para a sala dos cidadãos funciona com os menos críticos ou menos observadores. Acabamos achando normal algo que não deveria e ficamos contentes quando não pioram ainda mais nossa condição de vida. E assim vamos dobrando as costas a cada fardo que nos é colocado. Acho até que já estamos muito, muito perto do nível do chão mesmo.
Mudando de assunto: fim de semana sem minha amada Fórmula 1, mas com várias outras corridas de destaque. Na Stock Car, fiquei feliz no sábado com a bonita vitória de Nelsinho Piquet, mas triste por ele com o abandono no domingo. Ainda assim, teve lances interessantes. A 500 milhas de Indianápolis é um ícone e a assisti domingo como sempre faço — mas com um pouco de má vontade pois foi essa corrida que acabou com os pés do meu ídolo Nélson Piquet, justamente no dia do meu aniversário 28 anos atrás, e o tirou das competições. Tenho verdadeira birra dessa corrida perversa e má — sim, além da Nora má tem uma Nora infantil dentro de mim que surge de vez em quando. Mas gostei muito de ver o Takuma Sato ganhar. Não apenas pela raridade de ver um piloto japonês no pódio, mas também porque o sujeito já fez algumas manobras bem legais na Fórmula 1 e na própria Indy, vencendo em 2017 — embora sem o talento de um campeão mundial, sempre demonstrou arrojo e por vezes habilidade.
NG