Não é segredo para ninguém que sou fã de Fórmula 1. Mas fã do esporte, não apenas de alguns pilotos – e já digo isso a título de habeas corpus preventivo. Não raro alguém me conta que deixou de assistir as corridas quando Ayrton Senna morreu. Outros dizem que pararam de ver nos últimos anos com o domínio da escuderia Mercedes. Há, ainda, os que acham que a tecnologia faz com que qualquer um pilote um carro de Fórmula 1.
Aos primeiros sempre respondo que se fizeram isso é porque eram fãs de Ayrton Senna, não da Fórmula 1, como escrevi aqui neste espaço.
Aos segundos digo que isso acontece recorrentemente. Na época de Senna e Prost na McLaren esse fato era mais do que comum. Em 1988, das 16 provas do campeonato, Senna ganhou 8 e seu colega de McLaren, Alain Prost, 7. Deixaram uma para Gerhard Berger da Ferrari só para que eu não pudesse escrever aqui que a McLaren dominou tudo sozinha. Mas certamente essas pessoas não achavam ruim ver um brasileiro no degrau mais alto do pódio, né? Eu mesma achava ótimo. Já na era de pulverização de recordes, em 2002 Michael Schumacher ganhou 11 de um total de 17 corridas – das quais 15 foram vencidas pela Ferrari (4 delas por Rubens Barrichello). Mas isto não é exclusividade da Fórmula 1. Acontece em todos os esportes. Quem não se lembra dos 102 títulos no ATP de Roger Federer? Ou dos 82 de Rafael Nadal?
Aos terceiros, digo que se tudo se limitasse à tecnologia na Fórmula 1 Hamilton e Bottas terminariam empatados todas as corridas – assim como Verstappen e Albon. É claro que o sujeito atrás do volante faz diferença.
Dito isto, vamos aos fatos. Não quero aqui invadir a seara do meu “primo” Wagner Gonzalez que tanto entende de Fórmula 1. Limitar-me-ei (fazia tempo que não usava uma ênclise ou uma mesóclise e nesta arrasei) à minha especialidade: lógica e números.
Se não houver alguma mudança, nossas manhãs de domingo ficarão mais vazias ou teremos que assinar algum serviço internacional para assistir às corridas, pois a TV Globo anunciou que não mais transmitirá as provas na tevê aberta nem nos seus canais por assinatura.
Há tempos critico muito a falta de cobertura por parte da televisão. Os treinos apenas são televisionados na tevê por assinatura, as corridas quase na largada, sem nada dos bastidores e sequer o pódio vemos agora. Isso para não falar da quase inexistência de reportagens sobre o assunto. Parece que a Fórmula 1 não interessa à emissora.
Tem gente que diz que isso é porque não há pilotos brasileiros no grid. Eu digo: bobagem. O Brasil é o maior público televisivo da Fórmula 1 no mundo, com 115 milhões de telespectadores ao ano — sim, a F-1 usa o critério de telespectadores somados e acumulados no ano, mas faz isso há anos e o mesmo serve para a audiência divulgada para os outros países. Como nação, é a maior audiência da categoria.
De uma forma em geral, o público da F-1 aumenta há dois anos depois de algumas quedas. Os fatores são vários, mas um dos problemas é a dificuldade em compilar dados, uma vez que à tevê aberta somam-se os públicos da tevê fechada e, mais recentemente, os serviços de streaming — legais ou não. E aí fica difícil computar a audiência efetiva, especialmente porque esses meios não divulgam dados sobre público. Apenas para efeitos de comparação, o recorde televisivo, com alguma diferença de metodologia, é o funeral da princesa Diana, com 750 milhões de pessoas vendo o evento. (ilustração 1)
O site oficial da F-1 afirma que entre canais de televisão e plataformas digitais, a Fórmula 1 alcançou em 2019 um total de 1,922 bilhão de espectadores. Novamente, de acordo com o critério que eles usam de números acumulados. Este foi o número mais alto desde 2012 e representa um aumento de 9% sobre os totais de 2018.
Os principais mercados em termos de público absoluto são, pela ordem: Brasil, Alemanha, Itália, Reino Unido e Holanda. Novamente, a teoria de ter um piloto do país com chances de ser campeão para alavancar a audiência fica comprometida, pois o Brasil há anos sequer tem piloto no grid. No caso da Alemanha, ninguém imagina que Vettel termine o campeonato entre os 5 pilotos com mais pontos e provavelmente não haja outro alemão na próxima temporada. O mesmo no caso da Itália — ou alguém acha que o Giovinazzi, o único italiano nas pistas, com seu Alfa Romeo conseguirá algum resultado expressivo? Ok, tem a Ferrari, mas ultimamente até esperar algo daqueles lindos carros vermelhos está difícil. Aí vem o Reino Unido — sim, talvez o quase heptacampeão Hamilton puxe audiência e ainda tem os promissores Lando Norris e George Russell mesmo que em carros pouco competitivos. Mas o fato é que seu país sempre teve tradição de público para a F-1. E Holanda, é claro, tem Max Verstappen, mas também tinha números de audiência significativos.
Em 2018, os maiores públicos da Fórmula 1, segundo o site oficial da categoria foram: Brasil (115,2 milhões de telespectadores, mas nenhum piloto no grid); China (68 milhões de pessoas e nenhum piloto) e Estados Unidos (34,2 milhões e sem pilotos também).
E aos que ainda acham que piloto do país puxa audiência, me expliquem como é que o público grego aumentou 75% no ano passado, comparado com 2018. Ou o chinês, que subiu 5%. O norte-americano cresceu 7% — e nenhum desses três países tem um único piloto correndo. (ilustração 2)
Muito tempo atrás tratei desse assunto de audiência da categoria aqui neste espaço. Vale a pena dar uma lida naquela coluna pois pouca coisa mudou. Eu dava como exemplo o Japão, que nunca teve um campeão mundial e apenas três vezes um piloto deles (foram 21 desde o início da F-1) subiu ao pódio. O melhor resultado alcançado por um representante do país do Sol Nascente foi o terceiro lugar de Aguri Suzuki no longínquo ano de 1990. Na mesma corrida, Satoru Nakajima terminou em sexto lugar, mas de uma prova que terminou com apenas 10 carros. E mais: durante várias temporadas sequer houve um representante daquele país no grid — com ou sem chances de sequer pontuar. Isso num total de mais de 1.000 GPs já disputados desde o início da Fórmula 1 e com um fortíssimo fornecedor de motores e escuderia como a Honda. Ukyo Takayama disputou 97 corridas durante seis temporadas e marcou um total de… 5 pontos. Mesmo assim, o público japonês continua sendo dos mais fiéis em termos de audiência. Sou testemunha do fanatismo deles, pois tenho parentes enterrados próximo do túmulo de Ayrton Senna e não é raro que cheguem ônibus de turistas japoneses para conhecer o local — algo evitado com sucesso ultimamente pela administração do cemitério.
O mesmo podemos verificar em outros países que sequer têm pilotos na categoria — um que posso mencionar é a Argentina. Meus conterrâneos adoram corrida de carros e de motos em geral. Os públicos são muito consideráveis para o tamanho do país (pouco mais de 40 milhões de habitantes) e onde não se sedia um GP desde 1998. Ainda assim, o país foi palco de menos de um terço do total de campeonatos disputados desde o início dos tempos. Também não há pilotos patrícios meus desde a apagada passagem de Esteban Tuero pela modestíssima Minardi, em 1998, quando sua melhor colocação foi um oitavo lugar. Antes dele, a maior glória do automobilismo fora Juan Manuel Fangio com seus incríveis cinco títulos mundiais — mas o último deles foi em 1957. Depois dele, o melhor colocado foi Carlos “Lole” Reutemann que alcançou 12 vitórias e um vice-campeonato. Mas ele deixou as pistas em 1982. (Ilustração 3)
Temos ainda o exemplo da audiência na Alemanha em 2013. Naquele ano a F-11 registrou queda de 10% de público e um total de apenas (sic) 31 milhões de telespectadores. Naquele ano, além de uma escuderia entre as três melhores do ano, a Mercedes-AMG Petronas, o país tinha quatro pilotos correndo (Vettel, Nico Rosberg, Hulkenberg e Sutil). Vettel tentava (e conseguiu) seu quarto título mundial consecutivo. Somados, Vettel e Rosberg naquele ano ganharam 15 das 19 corridas. E mesmo assim o público de televisão foi menor.
Certamente as razões para a Globo desistir da F-1 são outras – se é que realmente não renovará o contrato, ainda que em outros termos. Aliás, é só fazer contas: em 2020 a empresa teria pagado US$ 80 milhões (os números são controversos, fala-se também em US$ 35 milhões) à Liberty Media para transmitir as provas – e recebeu R$ 494 milhões da comercialização de cinco cotas de patrocínio. Mas também há outras fontes de receita, como as que vem das demais plataformas do grupo – e é aí onde está o problema. Em todo caso, vou pesquisar alternativas e, eventualmente, a Sky Sports. Uma coisa é certa: eu não vou ficar sem assistir minha amada Fórmula 1.
Mudando de assunto: meus leitores mais antigos sabem que além de Fórmula 1 sou fã de rugby — especialmente das seleções da África do Sul e da Nova Zelândia, embora torça também para os Pumas, da Argentina e os Wallabies, da Austrália. Acompanho também alguns times, como o Crusaders de Christchurch, na Nova Zelândia, e sempre que posso partidas em geral, especialmente dos ingleses, irlandeses e franceses. Não perco uma Copa do Mundo há anos, apesar do sacrifício com os horários dos jogos e ainda vejo os dois campeonatos que reúnem os times do hemisfério Norte e os do hemisfério Sul. Imaginem então o meu sorriso quando meu marido me mostrou este vídeo. Quase o pedi em casamento!
P.S. concluo que um scrum (de apenas 8 jogadores) equivale a uns 750 hp.
NG