A história viralizou e metade do Brasil viu o vídeo do 308 conversível (CC) com duas mulheres voltando da praia se beijando numa movimentada rua do Leblon, no Rio. E uma delas levando uma garrafada de uma terceira que não gostou do que viu.
Assista ao vídeo da confusão
Sob o aspecto moral, a garrafa voadora dispensa comentários. Mas à luz da legislação de trânsito, o Peugeot poderia ter levado quatro multas:
1 – As mulheres não usavam o cinto de segurança (Infração grave, 5 pt + R$ 195,23).
2 – Uma delas estava sentada na tampa traseira: proibido transportar passageiros no lado externo do carro (infração igualmente grave), com inexplicável exceção para políticos desfilando na caçamba de picape em época de campanha eleitoral.
3 – Infração cometida pelo “Wil” (motorista do Peugeot) permitindo embarque e desembarque de passageiro com o carro parado no meio da rua (média, 4 pt + R$ 130,16).
4- Esta foi cometida mas não poderá ser punida: o Wil insinuou ter ingerido bebida alcoólica antes do “desfile”. Mas, sem comprovação naquele instante, a multa não poderia ser aplicada.
Biquíni pode? Sim, pois a legislação de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro) é omissa quanto à indumentária de motorista e passageiros. Só proíbe sandália de dedo, pois o calçado do motorista deve estar preso ao pé. Nem permite salto alto, pois dificulta a operação dos pedais.
Descalça poderia? Sim, como não proíbe, então pode.. E nua? Nenhum problema com o código de trânsito, mas configura atentado ao pudor…
Sonzão pode? Depende do volume: se exceder os decibéis permitidos, é infração! Então o motorista poderia substituir os exagerados alto-falantes por discretos fones de ouvido? Também não: infração média com 4 pontos no prontuário e menos R$ 130,16 no saldo bancário….
Bancos infantis
Surrealismos e trapalhadas não faltam no nosso código de trânsito. Infração pelo não uso da cadeirinha infantil no automóvel esteve sendo discutida em Brasília, mas a obrigação acabou sendo mantida pelo Congresso. Só falta a sanção presidencial . Mas, mesmo tendo reduzido substancialmente os ferimentos e mortes de crianças em acidentes de trânsito desde sua obrigatoriedade em 2014, elas ainda não foram regulamentadas nos táxis, ônibus nem nas — acredite — vans escolares.
Extintor
Depois de exigidos durante anos, tornaram-se praticamente inúteis com o advento da injeção eletrônica. Sem carburadores e distribuidores, carro se incendiar tornou-se bastante improvável. Além do mais, motoristas sequer tinham ideia de onde estavam, no carro. Podiam até encontrá-lo, mas não sabiam manejá-lo. E, quando sabiam, de quase nada valiam para apagar o fogo…
Finalmente eliminados há cinco anos, o lobby de seus fabricantes voltou à carga. Pressionam o Contran, o Corpo de Bombeiros, médicos especializados em trânsito, acionam sua metralhadora giratória ($$$) para que retorne sua obrigatoriedade. Afinal, são bilhões de reais em jogo.
Mas nem o extintor escapou do surrealismo: ele só é obrigatório hoje em veículos comerciais. Mas caso ele esteja no automóvel particular sem cumprir as exigências técnicas, o motorista só evita a infração que leva à retenção do veículo para regularização por falta de equipamento obrigatório — que não é obrigatório! — , mais 4 pontos na CNH e multa de R$ 195,23, se numa blitz ou fiscalização individual desfazr-se dele antes de chegar aos policiais.
Rodízio de São Paulo
Nem vale mais a pena contestar essa ideia do rodízio adotada em São Paulo. Mas, como ela desafortunadamente existe, a legislação de trânsito é muito clara e objetiva: só se pode punir por desrespeito ao rodízio em vias devidamente sinalizadas e definindo claramente os limites em que os veículos não podem circular. Alguém já observou essas indicações em São Paulo?
Fora que, ao contrário do que muitos pensam, o rodízio não é lei. Esta apenas autoriza o Executivo a implementá-lo ao seu bel-prazer — como Nero vendo Roma pegar fogo….
Carro autônomo, invenção brasileira
Pela legislação vigente, quem comete infração não é o motorista, mas o automóvel. Pois se um carro é vendido depois de seu dono ter cometido uma infração, mas a autoridade de trânsito atrasou ao emitir a notificação, cabe ao novo proprietário pagar a multa de responsabilidade do ex-dono. Ou seja, no Brasil a lei se antecipou à era do carro autônomo e considera que ele é responsável pela multa, não o motorista…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
(Atualizado em 3/10/20 às 17h15, extintor vencido enseja retenção do veículo para regularização e não apreensão)
Mais Boris? autopapo.com.br