Caldeira, um gentleman e ao mesmo tempo um figuraço, começou a andar tardiamente de moto, aos 44 anos de idade, quando comprou sua primeira moto, acredito que era uma Yamaha YA7, em 1970. Mesmo na época, esta Yamaha que vinha por importação independente já parecia mais antiga, algo dos anos 1950/60.
O cheiro do óleo 2T queimado e o prazer ao pilotar conquistaram Caldeira, que manteve esta primeira Yamaha até o final de sua vida (faleceu em 2018 aos 92 anos), ao lado de mais de uma dezena de motos altamente colecionáveis, como essas abaixo, extraídas da página do Veteran Motorcycle Club do Brasil no Facebook).
Com sua simpatia, Caldeira reuniu muitos entusiastas pelas antigas e fundou o Veteran Motorcycle Club do Brasil, uma associação de nome chique, mas muito ativo e divertido.
Na foto de abertura, dupla comemoração, 90 anos do Zeca Caldeira e 37 anos do Veteran Motorcycle Club do Brasil.
Sempre um pessoal que gostava de estrada, colocando todas as raridades para rodar. Claro, com as limitações da idade das motos, algumas até dos anos 1920. O Clube organizava passeios aos domingos, claro que curtos, saindo de São Paulo e indo até ao Pico do Jaraguá. No máximo iam até Cotia ou Embu das Artes, com ida e volta raramente passando dos 60/70 quilômetros.
Eu estava na revista Duas Rodas e ia a vários destes passeios, sempre um belo espetáculo visual: o cheiro do óleo queimado (não só dos 2T, mas também dos velhos motores 4T que sempre queimavam óleo), o visual daquelas velhas senhoras e muitos pilotos vestidos a caráter, alguns até com capacete de couro… Parecia uma volta no tempo.
Saiamos bem cedo, havia um belo almoço cheio de histórias (e algumas mentiras) e à tarde voltávamos felizes.
As vezes eu ia com uma Vespinha M3 (três marchas, 150 cm³, 2T, claro), que eu tinha na época, mas o pessoal já achava ela muito veloz, pois passava de 90 km/h nas descidas.
E o passeio acontecia a 30/40 km/h, em longas descidas chegava aos 60 km/h. Quando eu ia com alguma moto de teste que mal havia sido lançada, só era tolerado por ser jornalista e pelo fato de já ser amigo da turma. Com motos maiores, mal conseguia engatar a segunda marcha.
Quebrou? Ótimo!!!
Mas o ponto alto dos passeios do Veteran, além do almoço, era quando uma moto quebrava. E sempre quebravam. Em alguns passeios eram quase uma dezena de quebras ou paradas no acostamento. Era um espetáculo à parte: todos paravam rapidamente e a moto era rodeada por um monte de gente já com ferramentas na mão. O dono mal conseguia ficar perto de sua própria moto: “é magneto, está sem faísca na vela”. “Nada disso, enroscou a agulha do carburador”… Era uma briga de diagnósticos, enquanto dezenas de mãos disputavam espaço para mexer no motor.
O fato é que as motos voltavam a rodar, para felicidade geral. Não me lembro de nenhum passeio que alguma moto, por mais antiga que fosse, tenha voltado rebocada ou, vergonha maior, de carona em algum caminhão-guincho.
Eu escrevia a história do passeio na Duas Rodas, destacava alguma nova moto velha (desculpe, antiga) que apareceu e era um programa perfeito: trabalhava e me divertia.
Quando eu não podia ir e não havia nenhum repórter disponível, pedia para o Caldeira mandar umas fotos e a gente se falava por telefone na segunda-feira para construir a matéria. Nesse caso, o Caldeira, sempre madrugador, ligava para redação antes mesmo de eu chegar.
Um certo domingo, que não consegui ir no passeio do Veteran, quando cheguei na redação na segunda-feira, nada do Caldeira ligar. Esperei e logo depois do almoço liguei:
“E aí Caldeira, como foi o passeio?”
“Uma merda”, responde o educadíssimo e desolado Caldeira, que raramente usava palavrões.
“Como assim, teve algum acidente, qual foi o problema?”
“Você não vai acreditar, nunca aconteceu isso”, responde Caldeira.
“Mas, o que houve?
Diz o Caldeira: “Nenhuma moto quebrou. Todas foram e voltaram funcionando bem. Foi o passeio mais sem graça e idiota da minha vida. O gostoso não é só passear. É consertar moto no acostamento, ter assunto para o almoço, histórias para contar”.
Com o falecimento de Caldeira, o Veteran, do qual foi fundador e sempre presidente, passou por um período difícil, mas agora esta revivendo graças aos meios digitais, principalmente no Facebook.
JS
(N.d.A. As fotos que ilustram esta história são do arquivo pessoal do Paulo Bambirra, que trabalhava conosco na revista Duas Rodas. Claro, fotos merecidamente envelhecidas pelos anos. Bambirra era outro fanático por motos antigas e graxa, adorando “trabalhar” aos domingos só para ir aos passeios do Veteran. Sempre comparecia equipado com seu inseparável bloquinho de notas e, claro, um jogo de ferramentas na mochila. Não sem razão, era chamado na redação de “Babá do Caldeira” na segunda-feira)