Recentemente, nosso colega de AE Gerson Borini me chamou a atenção para algo que eu não havia percebido. Surgiram à beira das estradas, no Estado de São Paulo, algumas placas com dizeres no mínimo estranhos: não soltem pipas nas proximidades da rodovia.
Como pessoa de bom senso, motorista cuidadosa e amiga de muitos motociclistas, sei perfeitamente os perigos de se soltar pipas perto de fios elétricos e, principalmente, daquelas com cerol ou linha chilena e outros absurdos que podem machucar ou até mesmo matar (tem acontecido) os próprios usuários e, pior ainda por serem inocentes, motociclistas e ciclistas por simples degola. Deveras assustador.
No entanto, não sei se esse seria o lugar correto para fixar esses avisos. Geralmente quem anda em rodovia é ciclista, motociclista ou motorista de veículo leve ou pesado — todos sabem sobejamente os perigos de se soltar pipas. Não seria mais producente colocar esses avisos onde, de fato, há ocorrência desse tipo de fato?
Participo de diversos grupos de WhatsApp (mais do que gostaria) e vejo frequentemente esse mesmo vício: pessoas que acham que quantos mais grupos receberem a mensagem, maior a efetividade.
Pois é, aí vai um espóiler: não, isso não acontece. Ao contrário, gera uma reação contrária. Você postar que abriu uma nova escolinha infantil no seu bairro no grupo de mães do seu condomínio faz sentido. Mas por que postar essa mensagem no grupo de “desapego”? Ou no de vizinhos com bichos de estimação? Só consegue irritar as pessoas pela constante repetição das mensagens.
O mesmo acontece com avisos, que podem até ser necessários, colocados no lugar errado. Alguém acha que faz sentido anunciar passagens aéreas promocionais para Mecca numa comunidade amish? Tudo tem seu meio específico e seu público específico. Qualquer coisa fora disso é desperdício de recursos e de tempo para o usuário. No caso das placas sobre pipas, até poluição visual.
O Gerson viu essas placas nas rodovias Anhanguera e Bandeirantes, mas elas apareceram em outras localidades também.
Desde o início do ano, a concessionária Nova Dutra tem campanhas sobre os riscos de soltar pipas às margens da rodovia. O slogan é ‘Aja com responsa. Pipas podem causar acidentes’ e foi focado na própria rodovia Presidente Dutra (BR-116).
Especificamente neste caso, eles distribuíram folhetos nas comunidades no entorno da rodovia – OK, isso faz sentido, pois esse é o público-alvo. Paralelamente, foram divulgadas dicas de segurança na programação da CCRFM 107,5. Não tenho certeza se o público correto seria o dessa rádio, mas vou supor que sim — embora crianças e adolescentes provavelmente não ouçam rádio alguma, com boa sorte seus pais sim e podem repassar ensinamentos. Mas também nesse caso a eficiência da mensagem é pouca. Campanhas desse tipo devem focar diretamente crianças e adolescentes, pois é sabido que pouco do que os pais proíbem deixa de ser feito por pimpolhos — geralmente, o que melhor funciona é convencê-los de que essa atitude está errada. Senão, ao menor descuido, muitos deles farão aquilo que lhes está vedado.
Outra coisa é quanto à abordagem. Vejam as dicas de segurança dadas pela Nova Dutra e, ao lado entre parênteses, meus comentários:
- Empine pipas longe da rede elétrica e da rodovia; (o que é “longe”? Crianças têm uma noção muito própria de distância. A propositura deveria ser afirmativa e clara. Por exemplo: Só empine pipas em lugares onde não há postes de energia elétrica e bem abertos. No mínimo, do tamanho de um campo de futebol)
- Procure espaços como parques, praças e campos de futebol; (OK)
- Cuidado com os ciclistas e motociclistas. As linhas podem não ser vistas, causando graves acidentes e até mortes; (como “cuidado”? novamente, a redação deveria ser direta. Por exemplo: Linhas de pipas não são vistas por ciclistas e motociclistas, por isso não solte pipas perto de ruas e estradas)
- Não suba em lajes de casas para empinar pipas. Distrações causam quedas; (aí vai meu lado montessoriano: dizer a uma criança que distração causa queda é contraproducente, pois ela vai subir na laje muitas vezes e na maioria, ou mesmo em nenhuma, vai cair. O texto poderia ser: Não suba em lajes de casas para empinar pipas, pois você pode cair. Solte pipas no chão)
- É proibido o uso de cerol ou de qualquer produto semelhante que possa ser aplicado em linhas de papagaios ou pipas (SP: Lei Estadual nº 12.192/RJ: Lei Estadual nº 8478/2019). (colocar o número da lei é inócuo e ninguém vai terminar de ler a sentença. Melhor explicar os riscos de forma simples. Como assim “qualquer produto semelhante”?. Por exemplo: É proibido o uso de cerol (mistura de cola e vidro) ou linha chilena em pipas, pois podem machucar quem empina a pipa e quem passa.)
Pessoalmente, acrescentaria outras recomendações:
– Se a pipa se soltar da sua mão, não vá atrás para recuperá-la. Você pode ser atropelado ao correr olhando para trás ou para o céu (foto).
– Nunca use fios metálicos ou papel alumínio nas pipas porque pode tomar choque.
– Solte pipas somente em dias de sol. Em dias nublados ou com chuva a pipa pode atrair um raio e você vai tomar um choque tão forte que vai morrer.
Outras concessionárias também têm campanhas semelhantes e às vezes me pergunto até que ponto vemos comportamentos combinados, numa união em prol de um bem comum, e quando apenas seguimos a manada — na maioria das vezes sem questionar os motivos e as táticas. Canso de ver isso nas mídias sociais. Basta surgir uma notícia — especialmente sobre um crime, de fato ou não — para que todos se sintam na necessidade de dar opinião e mostrar indignação. A maioria parece estar numa corrida para chegar primeiro ao muro da indignação, mesmo sem estar de posse de todas as informações para julgar.
O mesmo acontece com muitas empresas. Se uma toma uma atitude (especialmente aquelas consideradas “lacradoras”), outras saem correndo atrás mesmo que não faça o menor sentido. É uma necessidade patológica.
Recentemente vimos duas empresas anunciarem com grande alarde que deixariam de anunciar num determinado jornal por discordarem do comentário de um dos profissionais do veículo, que consideraram misógino. Claro que é um direito delas, mas por que ambas não deixaram de anunciar numa grande emissora de televisão na qual um dos diretores do núcleo humorístico foi acusado de abusar de diversas mulheres, colegas de emissora? — tão provado que ele mesmo reconheceu e acabou sendo demitido. Provavelmente porque o retorno comercial dessa emissora é superior ao investimento em publicidade e aí são capazes de relevar comportamentos misóginos. É cada uma que temos que tentar entender…
Mudando de assunto: adoro memes bem ridículos. Mas este une duas qualidades: é ridículo e verídico — ou seja, tristemente engraçado.
NG