Recentemente escrevi neste espaço sobre a questão de motos circularem, ou não, no corredor formado entre as faixas de rolamento. Pois bem, refletindo mais um pouco sobre isso, pensei que havia faltado eu abordar um ponto importante nessa questão. Como pessoa lógica que sou, me questiono: antes de discutir lei ou mesmo segurança de se transitar entre veículos mais pesados, temos no Brasil espaço para sequer pensar nessa possibilidade? Antes de uma análise mais profunda, já antecipo: rarissimamente.
Respondo diretamente aos leitores Yuri_RL e Renato Teixeira: temos pistas onde mal cabem carros (nem digo que mantenham distância lateral, pois nesse caso já seria quase um sonho), ônibus e caminhões simplesmente não cabem, buracos junto ao meio-fio que inutilizam parte da via… e aí achar que moto pode passar em segurança entre dois veículos que mal conseguem se manter dentro do espaço que lhes é destinado me parece perda de tempo.
O Código de Trânsito Brasileiro, no seu artigo Art. 201 que diz que é infração deixar de guardar a distância lateral de 1,5 metro ao passar ou ultrapassar bicicleta. Mas como fazer isso em pistas em que mal cabe um veículo, seja ele carro, ônibus ou caminhão? Em muitas e muitas vias não há espaço sequer para que transitem os veículos de quatro rodas, imaginem então que os de duas passem entre eles. Como já diz o princípio da impenetrabilidade da matéria, dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo.
No caso das estradas, há menos casos de pistas tão estreitas, mas ainda assim existem. De uma forma geral, os critérios são claros e não há lá maiores descumprimentos (foto 4) Já nas cidades, esta é quase a regra, especialmente nas vias de maior trânsito. Há até uma certa ginástica verbal para explicar isso.
O estreitamento de faixas faz parte de um procedimento que, como tantos outros, tem um nome bem marqueteiro. Ele foi batizado de “máxima utilização do leito viário” e segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego, no caso a de São Paulo) a medida ampliaria em 20% a capacidade da via, melhorando a fluidez, e reduziria os acidentes porque as motos não andarão em alta velocidade.
O artifício já foi adotado em grandes avenidas e pistas expressas de várias cidades. Em São Paulo vem sendo implementado em avenidas há anos, como na Radial Leste e na Rebouças.
Pelo padrão internacional, as faixas de rolamento costumam ter de 3,00 metros a 3,50 metros, mas especialistas avaliam que, dependendo da velocidade, pode haver redução em áreas urbanas — lembrando, claro, que em diversos países da Europa e em todos os estados dos Estados Unidos (exceto a Califórnia) é proibido que motos transitem pelo “corredor”. Ou seja, levar em consideração apenas a norma internacional sem mencionar que aqui temos outro tipo de veículo entre as pistas, é amnésia ou má-fé.
Também pouco tempo atrás escrevi sobre as novas ciclofaixas na avenida Rebouças, que estreitaram as outras pistas já que não havia como alargar a avenida. A título de atualização, desde que cometi aquela coluna, andei algumas vezes por esta avenida como passageira ou motorista e constatei que raríssimos são os ciclistas que a utilizam. Não vi mais do que 1 ou 2 em toda a extensão da avenida (4,1 quilômetros) nas vezes em que andei, apesar de horários e dias da semana super diferentes entre si. E isso considerando os dois lados, já que é uma ciclofaixa unidirecional, uma em cada sentido da avenida. Pessoalmente, nem culpo os usuários — com uma largura tão ínfima, cheia de buracos, eu jamais pedalaria naquela avenida, que está mais para armadilha do que para pista que proporcione qualquer tipo de segurança.
Só para lembrar, a largura das pistas da avenida Rebouças (foto de abertura) depois da implementação das novas (vá lá) ciclofaixas a largura total da avenida, que varia de 10 a 14,5 metros, comporta: uma faixa de ônibus, duas para carros/caminhões/motos/qualqueroutracoisaqueandepor lá (já que não há nenhum tipo de restrição de trânsito naquele lugar) e uma ciclofaixa.
“O problema do corredor é que o motociclista ocupa um espaço onde já não tem mais tempo de manobra”, disse Eduardo Biavati, consultor de segurança no trânsito e um dos autores do estudo. Ele foi assessor técnico da CET entre 2005 e 2009, integrando o grupo de segurança de motociclistas.
Vamos analisar um pouquinho a teoria: faixa de Tráfego é o espaço delimitado por onde um veículo tem condições de trafegar em condições seguras. Bom, aí nos deparamos com o primeiro problema, não?
Ao projetar uma via, as autoridades devem se basear em duas variáveis: o veículo e a própria via.
Os Detrans têm os dados sobre os tipos de veículo que são licenciados a cada ano bem como o histórico da frota. Se ano a ano aumenta o volume de carros maiores, tipo suves e picapes, esse dado deveria ser levado em consideração ao projetar uma via ou mesmo na hora de fazer algum tipo de renovação. E quando digo carros maiores me refiro à largura, mas também a altura para evitar que entalem sob viadutos ou dentro de túneis.
Quanto à pista em si, há de ser considerada sua declividade, a largura, o raio das curvas, a sinalização de cruzamentos, a correta drenagem para evitar aquaplanagens, e piso antiderrapante.
E então, já deram bastante risada da minha boa-vontade? Como eu disse, esta é a teoria, aquilo que deveria ser levado em consideração — se é ou não, já é outra história…
Voltemos, então, ao ponto um, os veículos. As normas técnicas, a legislação e as resoluções do Contran indicam largura máxima de 2,60 metros para os veículos comerciais e de carga. Deram mais algumas risadas? Eu sim. Quem, na prática, já viu veículos com esta largura? Novamente, a lei é contraditória, já que obriga os veículos pesados a terem o “espelho retrovisor externo principal”. Este item é obrigatório para veículos tipo baú, com carroceria, e, por óbvio, aumenta a largura necessária para que o caminhão se desloque:
Voltando ao exemplo da cidade de São Paulo, a avenida 23 de Maio passou há tempos, no longínquo ano de 2005, por um estreitamento de faixas que levou as até então confortáveis e seguras pistas de 3,50 metros para 2,65 metros e deixou as de ônibus com 3,20 metros — na teoria, pois o desnível com o meio fio e a quantidade de buracos impedem o trânsito em boa parte de sua extensão realmente por onde deveria. Resultado? Ônibus e veículos mais largos acabam ocupando mais de uma faixa.
E então? Aumentou em algo a fluidez do trânsito? Não. Novamente, os tais 20% de veículos a mais que a nova faixa permitiria ficaram só na prancheta de quem desenhou isto. Como diz a máxima, papel aceita tudo ou, modernizando a frase, programa de computador aceita tudo. A questão é nós todos aceitarmos essas barbaridades.
Mudando de assunto
Deejo a meus queridíssimo leitores e suas famílias um excelente Natal, com muita saúde, amor e paz.
NG