No início dos anos 2000, os mais sofisticados Mercedes-Benz tinham no console um comando do tipo joystick com cerca de 600 funções. Pesquisa entre usuários revelou que desconheciam 90% delas….
Não há que discutir: palmas para a tecnologia que substituiu o execrável distribuidor e seu chiliquento platinado que viviam pregando peça no motorista. Desregulava, “colava” ou queimava. E a solução era parar no acostamento, e se a lixinha de unha não resolvesse, nada feito. Tanto ele como carburador foram — em boa hora — para o museu.
Motor, câmbio, freios, suspensão e direção de um automóvel moderno funcionam — em termos mecânicos – exatamente como há 50 anos. A notável evolução é que todos eles são agora gerenciados eletronicamente.
A eletrônica foi chegando aos poucos. Começou resolvendo problemas que atormentavam os motoristas (platinado, por exemplo…) e tornou o carro mais confiável e eficiente. Passo seguinte foi também valioso ao incorporar dispositivos essenciais para a segurança ativa e passiva, esta restrita durante anos aos cintos de segurança.
Daí para frente foi um verdadeiro festival de informatização capaz desde regular os amortecedores de acordo com o piso até chamar socorro no caso de um acidente. Informar o horário do avião ou reservar hotel.
O carro vai se sofisticando rápida e continuamente, incorporando novos dispositivos de segurança, conforto, eficiência, conectividade, informação e lazer. Por demanda do mercado, exigência da legislação ou… por imposição do fabricante.
Fato é que, seja lá como for, a eletrônica, restrita inicialmente a modelos mais sofisticados, vai tomando conta de toda a gama, desde o compacto até a limusine. E, paralelamente, a inevitável escalada dos preços.
Não bastassem as exigências da legislação que encarecem e tornam mais distante o acesso ao carro, as fábricas também “colaboram” e vão pressionando os clientes a levarem até equipamentos pelos quais não se interessam.
Outro dia eu dirigia um Volvo com todas estas novidades eletrônicas. Entre elas, um dispositivo que não deixa o carro sair de sua faixa sem que a seta direcional tenha sido acionada. Eu vinha pela esquerda, numa rua de mão única e, de repente, alguém decide descer do passeio (calçada…) e faz menção de atravessar pelo asfalto, mesmo sem faixa de pedestre. Eu dei um golpe no volante para a direita quando pressenti o perigo, mas o carro se aproximou da pintura no asfalto que divide as faixas e o sensor acionou o dispositivo que assume a direção e jogou-o de volta para a esquerda. Por um triz eu (ou o carro?) não o atropelei.
Este dispositivo previne acidentes ao impedir que o carro mude de faixa caso o motorista esteja desatento. Eu estava atento até demais, mas era impossível, naquela situação, acionar a seta…
É paradoxal, porém os modelos mais modernos são dotados de tecnologia que compensa a desatenção do motorista, provocada pela própria tecnologia: smartphone acoplado à tela, sistemas automáticos de prevenção de acidentes, GPS, Waze e outras amenidades.
Um dos problemas da eletrônica é que a fábrica vende “pacotes” de vários dispositivos e nem sempre permite que o freguês pague só o que lhe interessa.
Mas pelo menos ainda leva o que paga. Porque brevemente, vai pagar sem levar. Como assim?
A Volkswagen acaba de pôr a cereja neste bolo tecnológico e anunciar um “revolucionário” sistema em que o dono do carro, depois de adquiri-lo, terá que pagar pela ativação de softwares adormecidos. Ou seja, o freguês paga pelo hardware instalado no carro, mas só terá direito a utilizá-lo mediante módica “contribuição” adicional à fábrica. Pode?
Tenho muitos amigos entre apaixonados pelo automóvel e outros que apenas o utilizam no dia a dia. A maioria deles, assim como eu, considera essenciais os dispositivos de segurança ativa (ABS, ESP…) ou passiva (cintos, airbags…). Mas não concordam em pagar para lidar com a “revolucionária” tecnologia que lhes complica a vida.
Outro dia eu comentei da saudade que tenho dos rádios com dois botões giratórios, um para volume, outro para sintonizar as emissoras. E da antipatia pelos carros que insistem em se apoderar das funções do motorista. Meus amigos confessam exatamente o mesmo: também abominam a maioria dessas complexas modernidades…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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