Na matéria “VW Käfer 1303-S GSR, um esportivo de fábrica” eu citei a Oettinger como sendo uma das possíveis empresas fornecedoras de motores preparados para estes carros, então vamos conhecê-la mais de perto.
Se o engenheiro Gerhard Oettinger (1920-1997), nascido em Friedrichsdorf próximo a Frankfurt, ainda estivesse vivo, ele certamente continuaria tendo hoje um papel pioneiro no desenvolvimento de motores esportivos da mais alta eficiência. A empresa que ele fundou continua a seguir o caminho que ele traçou tratando de motores antigos e contemporâneos.
Ele começou cedo o seu trabalho com a melhoria de rendimento dos veículos da época. Em 21 de agosto de 1946 ele abriu um escritório de engenharia automobilística que funcionava na garagem da casa de seus pais.
Mergulhando de cabeça na mecânica de automóveis, um de seus focos foi a melhoria do câmbio para carros de competição. Oettinger comprou Volkswagens acidentados originários das Forças de Ocupação Britânicas e iniciou os trabalhos em motores VW, antes mesmo que os primeiros sedãs Standard saíssem oficialmente da linha de montagem para os clientes civis.
Quando o Motorsport Club foi fundado em Wiesbaden em 1947, Gerhard Oettinger foi um dos membros fundadores. Ele era especialista em materiais e desenvolveu engrenagens que tornaram o Volkswagen apto para o automobilismo. No outono de 1951, os proeminentes pilotos Richard von Frankenberg, Walter Glöckler, Huschke von Hanstein, Petermax Müller e Hermann Ramelow correram atingindo novos recordes de classe com uma caixa de câmbio Okrasa em seu Glöckler Porsche no Autódromo em Montlhéry (França). O carro com caixa de câmbio esportiva foi então vendido e ganhou o campeonato americano de carros esporte três vezes consecutivas.
Por volta de 1948, o pioneiro Ottinger teve a visão para a preparação de veículos (Tuning na Alemanha). Sua obsessão com o automobilismo levou-o a também começar a fabricar seus próprios comandos de válvulas naquele ano.
E em algum momento, durante esse tempo, ele teve a ideia inovadora de “implantar genes do automobilismo” em veículos de rua — essa foi a primeira visão do que agora é chamado de preparação para veículos de rua.
Em 1951 ele funda a empresa de preparação de veículos OKRASA (que é o acrônimo de Oetingers Kraftfahrttechnische Spezial Anstalt – onde o “s” de Oettingers representa um possessivo). Só que, na escolha deste nome, que mais parece algo japonês, ele fez deliberadamente uma brincadeira com o nome de um remédio para aumento da potência masculina chamado Okasa, conhecido na Alemanha de 1926 até os dias de hoje! E isso também fazia sentido, pois, afinal de contas, Oettinger deu aos inúmeros “adormecidos” motores dos Volkswagens do pós-guerra um lendário aumento de potência, fato que estabeleceu a reputação da empresa, que se mantém até hoje.
Ele participou, em 1951, do primeiro Salão de Frankfurt dividindo o estande com a empresa Friedrich Rometch, fabricante de lindos veículos esportivos com carroceria de alumínio e mecânica Volkswagen. Oettinger foi bastante cauteloso, se limitou a distribuir folhetos no estande. Mas na área externa da exposição ele colocou um Volkswagen preparado por ele à disposição para percurso de teste, e nesta ele conseguiu 20 pedidos de preparação de carros — que foram executados em sua empresa na cidade de Friedrichsdorf, ao norte de Frankfurt em Hessen.
Apenas por uma questão de ordem: Karl Meier (da empresa Kamei), de Wolfsburg, mencionado em muitos meios de comunicação como o primeiro preparador alemão de veículos, apenas apresentou o primeiro defletor para o Fusca, conhecido como Tiefensteuer (medidor de profundidade em sentido figurado) dois anos depois no Salão de Genebra.
Pouco antes do final de 1951, um piloto da companhia aérea americana TWA visitou Oettinger em Friedrichsdorf e, cheio de entusiasmo, levou um sistema de carburador Okrasa TS completo, incluindo os cabeçotes do motor. Um relatório de teste subsequente nas revistas Hot Rod e Special Volkswagen desencadeou uma única onda de entusiasmo nos EUA. Uma grande parte dos 16.000 eficazes sistemas de dupla carburação Okrasa TSV produzidos a partir de 1955 foram vendidos nos Estados Unidos.
Daí em diante ocorreu uma reação em cadeia e a Okrasa passou a ser conhecida mundialmente. Seu grande revendedor nos EUA foi a EMPI (European Motor Products, Inc.)
Kit TS-1200
O primeiro equipamento para aumentar a potência do motor de Fusca foi o TS-1200 que consistia de um par da cabeçotes Okrasa de dupla entrada de alta compressão com coletores de admissão duplos (a VW só oferecia cabeçotes de entrada única na época), dois carburadores Solex 32 PBIC como os utilizados nos primeiros Porsche 356, e todo o acionamento dos carburadores, tubos de compensação, etc. Opcionais extras incluíam o filtro de óleo Fram que podia ser instalado na carcaça da turbina de arrefecimento e o radiador de óleo da própria Okrasa que tinha tubos de cobre e ficava atrás da carcaça da turbina, de maneira a ser arrefecido pelo ar sendo aspirado. Os novos cabeçotes proporcionavam aumento da taxa de compressão de 6,6:1 para 7,5:1.
Abaixo um exemplo de motor com o kit Okrasa com o filtro de óleo e a serpentina de arrefecimento de óleo (não mostrada):
Nessa foto vê-se o tubo de cobre em espiral para ajudar no arrefecimento do óleo do motor instalado na admissão de ar frio gerado pela turbina:
Em sua edição de abril de 1957 a revista Hot Rod Magazine apresentou um gráfico comparando as curvas de um motor standard com a de um motor com o kit Okrasa, a diferença é grande:
No que a revista concluiu: “Um chute de verdade no encosto do banco é o que este gráfico mostra. Observe uma melhoria acentuada em relação ao VW de série quando o kit é usado. A coisa mais notável é a capacidade de ultrapassagem do carro, dada a aceleração fabulosa. Nenhum sinal de superaquecimento foi relatado, mesmo no deserto.”
Na Alemanha os motores com kit Okrasa recebiam uma plaquinha que dizia:
“ATENÇÃO Este carro é equipado com sistema OKRASA de alto desempenho”. Veja a plaquinha abaixo:
Já no motor a posição da plaquinha pode ser vista na foto de abertura, ela fica acima da bobina, que, devido ao espaço necessário para as hastes de acionamento dos carburadores e a tubulação de combustível, é instalada na horizontal.
Kit TSV-1300/30
Em 1953 foi desenvolvido o kit TSV-1300/30 que era bem mais completo, tinha as mesmas peças do TS-1200, mas incluía um virabrequim de cromo-molibdênio para curso dos pistões de 69,5 mm que dava uma cilindrada de 1.295 cm³ — o curso normal de então era 64 mm. O virabrequim tinha também 8 pinos na fixação do volante, uma melhoria usada até hoje nos boxers de alto desempenho. Era necessária alguma usinagem para evitar que as bielas interferissem com a árvore de comando de válvulas. Os coletores de admissão eram de aço e cromados com um pequeno niple em cada um para montar o tubo de compensação entre eles. Os carburadores eram Solex de 32 mm com filtros de ar Knecht.
Com o passar do tempo a Okrasa foi ampliando o seu leque de atendimento e passou a atender também aos veículos Volkswagen arrefecidos a água, bem como a carros de outros fabricantes, se bem que a ligação com a Volkswagen era prioritária.
Oettinger-Käfer diretamente do revendedor Volkswagen?
Em 1974, quando os últimos dos quase 15,8 milhões de Beetles produzidos na Alemanha estavam saindo da linha de montagem, os líderes do grupo Volkswagen abandonaram sua tradicional relutância em usar motores otimizados nos Beetles e chegaram a um acordo com a Oettinger. A partir de então, os novos veículos 1303 podiam ser encomendados como modelos especiais com os motores Oettinger TSV 1800 (70 cv) e TSV 2000 (85 cv) diretamente de concessionárias VW. Custavam DM 10.795 e DM 11.500. E pela última vez, os testadores de carros iriam entrar em êxtase nesta ocasião. Disse a revista Sport Auto em agosto de 1974, ao fim de um teste com instrumentação própria: “Os 85 cv fazem do Fusca, que pesa quase 1.100 kg com aparelhos de medição e passageiros, um veículo animado com o qual você quase pode se aproximar dos tempos do BMW 2002.”
Curiosidade: Oettinger e Puma
Quando os Pumas começaram a chegar na Europa a Oettinger fez os ajustes para a homologação do motor face à regulamentação europeia.
Em 1975, Oettinger construiu um motor para o esportivo brasileiro com o qual as normas europeias sobre emissões e ruídos eram atendidas.
A Oettinger otimizou motores (Jaguar) para barcos de corrida, preparou motores a ar para hovercrafts e até o pequeno helicóptero americano Skorpion de dois lugares. Também colaborou com a Porsche, a Volvo, etc.
O assunto Oettiger e Okrasa é muito vasto e pontilhado de superlativos. Nesta matéria comentamos os fundamentos que lastrearam o seu grande sucesso. Mas na próxima matéria abordaremos uma quebra de paradigma, em especial no Fusca, realizada pela Oettinger que poderá surpreender a todos.
AG
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