Essa questão do câmbio manual estar desaparecendo é assunto mais do que recorrente aqui no AE, e mesmo assim não dá para entender. Que fique bem claro que não tenho nada contra o câmbio automático, seja o epicíclico tradicional, seja o CVT. Tanto um quanto outro atingiram ótimo estágio de evolução, nada a ver com os de 15 anos atrás. Inclusive, por “recusarem” redução de marcha que resulte em rotação danosa ao motor, garantindo sua integridade. A “recusa” é feita pelo módulo de gerenciamento do câmbio, que “pensa, se eu deixar a marcha engatar o motor vai entrar em rotação destrutiva”. Aliás, o mesmo se dá com os câmbios robotizados que já tivemos aqui, reduções que resultem em rotação excessiva são recusadas.
É importante salientar que tal recusa foi um presente dos céus para os carros de corrida, talvez o maior contribuidor para acabar com as costumeiras quebras de motor na F-1 desde o surgimento dos câmbios robotizados em 1989 (Ferrari 640). Sem quebras de motor foi eliminado o quase certo e sempre perigoso derramamento de óleo na pista.
Por outro lado, foi pelo câmbio manual não recusar redução que me livrei de uma batida que poderia ter sido séria. Mil Milhas de 1973, eu e Jan Balder, Opala Divisão 3, dia já amanhecido, ficamos sem freio traseiro. Com isso o curso do pedal aumentou bastante, o freio dianteiro atuando praticamente no fim de curso. Saí da curva do Sol rumo à curva do Sargento (circuito antigo), o ponto de maior freada então. Ao frear o pedal foi ao fundo e lá ficou, impossível acioná-lo de novo. A única saída foi reduzir direto para segunda (vinha em quarta) mesmo sabendo que a rotação subiria para níveis de quebrar motor. A segunda entrou e houve a grande (e esperada) redução de velocidade que me permitiu fazer a curva, Por sorte o motor não quebrou e fomos ao final, terminando em quarto lugar.
Decisão estranha
Acho muito estranho as fabricantes aqui instaladas eliminarem o câmbio manual do portfólio ou quando não o fazem reservá-los às versões mais acessíveis. Já ouvi de várias a alegação de que “manual não vende, o mercado só quer automático”. Aí vale o mote dos biscoitos Tostines. parafraseando-o como “câmbio manual não vende porque não tem procura ou não tem procura porque não tem”?
Acho estranho porque para produzir o mesmo modelo com os dois tipos de câmbio não representa problema algum em qualquer fábrica. Sem nem mesmo no passado — falando de 40 ou 50 anos atrás — havia dificuldade, o que dirá hoje com a indústria rumando à 4.0? Havia casos de dois tipos de câmbio manual, como no Passat e Voyage/Parati, o 4-marchas plenas e o 3+E. Ou GM, no Chevette e no Opala, manual e automático. Exemplos desse tipo de oferta são vários.
Outra alegação das fabricantes é para cada tipo de câmbio ser necessário processo de homologação para obter o número Renavam e que isso custa cerca de R$ 1 milhão. Pode até sair caro, mas uma grande fabricante não poder arcar com essa custo foge-me à compreensão.
Muito se fala da comodidade do câmbio automático — não tem nada de conforto, diz-se muito, é comodidade mesmo — mas dizer que é incômodo acionar os leves pedais de embreagens e alavancas de câmbios cada vez mais leves e precisos, é um total exagero, Como eu já disse reiteradas vezes aqui no AE, trocar marchas é um ato tão automático quanto caminhar.
Há até um consenso de que câmbio manual é “coisa de pobre”, denotando tanto desconhecimento do automóvel quanto alienação do mundo real.
E tem a tão falada questão: se tem o mesmo carro lá fora com os dois tipos de câmbio, é porque é perfeitamente viável. Exemplo recente o BMW M3 Competition Track que testei pouco dias atrás, o comprador é que escolhe, não a fabricante como virou rotina no Brasil.
A derrocada do câmbio manual no Brasil pode e precisa ser interrompida. Antes de tudo, é dever da indústria automobilística.
BS