Texto: Lucca Mendonça
Filho do 207 e neto do emblemático 206, um dos carros mais marcantes do mundo da virada do milênio, o Peugeot 208 agradou e fez relativo sucesso na sua primeira geração no Brasil, lançada em meados de 2013. Seus principais pontos fortes estavam na excelente dirigibilidade, bom conteúdo de série e, principalmente, design que encantava praticamente todo mundo.
A maior justificativa do sucesso desse primeiro 208 foi comprovada pelos sete anos que ele permaneceu à venda no mercado nacional, sobrevivendo por todo esse tempo apenas com algumas mudanças aqui e ali. Claro que não chegava a peitar os líderes de mercado, mas era um modelo bem aceito pelo consumidor brasileiro.
Pois bem, no segundo semestre de 2020, enquanto o mundo atravessava o auge de uma feroz pandemia, a Peugeot lançava no Brasil o inteiramente novo 208. O carro era literalmente outro, seja pelo desenho interno e externo, plataforma, tecnologia e muito mais. Agora ele passava a usar a nova plataforma CMP e recebia uma enxurrada de itens de série para lá de interessantes.
Outra mudança foi no seu local de produção: antes, na primeira geração, ele era feito na fábrica de Porto Real, RJ, mas agora passava a vir importado de El Palomar, na Argentina. Um automóvel diferenciado dos concorrentes
Duas coisas incomodaram nessa nova geração: preço elevado (indo de R$ 75 mil a quase R$100 mil) e a falta de uma mecânica mais moderna, já que ele manteve o antigo motor EC5, 1.6 16V de 115/118 cv e 15,4/15,5 m·kgf em toda a linha, enquanto na Argentina havia logo de início a opção do novo motor Puretech 3-cilindros turbo de 1,2 litro, 130 cv e 23,4 m·kgf. Não que o EC5 seja ruim, pelo contrário, é um bom e suave motor, mas ficou a sensação de termos ficado para trás.
De início só tinha câmbio automático, no caso o consagrado Aisin AT6 de seis marchas, mas, depois de alguns meses chegaram duas versões de entrada com câmbio manual de 5 marchas. Tudo na tentativa de resolver o problema do preço, já que a expectativa de vendas no lançamento não se cumpriu, e assim continuou.
Mas parecia que algo ia muito contra esse Peugeot: mesmo com preço básico reduzido e mais opções para o consumidor, ele simplesmente não embalava no ranking de vendas. Bom, bonito, muito bem equipado, cheio de tecnologias exclusivas e que, olhando seus antecessores, tinha tudo para decolar. Mas estava difícil: em outubro, seu primeiro mês cheio, foram apenas 494 unidades emplacadas, número que cresceu para 1.100 em novembro.
Parecia que o sucesso estava vindo aos poucos, mas era só impressão, já que depois disso ele não superou mais a casa dos mil carros/mês. Lembrando que seus principais rivais de preço, Toyota Yaris e VW Polo, vendiam até então, em média, o dobro e triplo do Peugeot 208, respectivamente.
A era Stellantis
A fusão da PSA (Peugeot, Citroën e DS) com a FCA (Fiat Chrysler Automobiles) gerou a Stellantis em janeiro do corrente ano. A partir daquele momento, Fiat, Jeep, Peugeot, Chrysler, Citroën e Ram, por exemplo, mais oito marcas totalizando 14, passavam a pertencer ao mesmo grupo, o que possibilitou várias mudanças e melhorias nas marcas mais necessitadas, como era o caso da PSA no Brasil, que trazia um histórico de baixas vendas e instabilidade financeira há algum tempo. Sem dúvida, essa fusão foi um alento para as marcas francesas não só no mercado nacional, mas também no restante do mundo.
A partir de maio último, os planos do grupo finalmente se uniram no Brasil, e foi aí que a majoritária (em mercado) FCA começou a agir sobre a PSA. O know-how da Fiat em seus quase 50 anos no mercado brasileiro foram indiscutivelmente úteis, e, no caso do 208, seriam necessárias apenas algumas mudanças para o cenário do modelo mudar por completo por aqui. No primeiro mês cheio, o compacto da Peugeot saltou para as 1.141 unidades comercializadas, o maior número desde seu lançamento, e em junho o 208 superou todos os seus recordes, emplacando nada menos que 1.738 carros. É mais que o dobro da média de vendas de 2020.
No início de julho, na linha 2022, a boa surpresa veio com o reposicionamento de preços do 208 no mercado nacional, que teve reduções de até R$ 7.800, resolvendo um dos seus principais problemas. Além disso, algumas versões menos vendidas saíram de cena, a exemplo da Active Pack das fotos. Menos preço para conquistar mais consumidores, e menos versões para facilitar o processo de importação e venda por aqui.
A situação já mudava de figura, e o hatch compacto francês chegou até a figurar entre os 5 carros mais vendidos do mercado nacional na primeira semana de julho, fechando o mês com pouco menos de 1.700 emplacamentos. Foi uma queda de aproximadamente 6% quando comparado com junho, mas a instabilidade no ranking de vendas é totalmente aceitável no momento atual em razão de um problema que ninguém esperava, a falta de semicondutores que está afligindo a indústria automobilística mundial.
Mesmo assim, é extremamente promissor para um carro que mal emplacava 800 unidades/mês até um tempo atrás. No decorrer de agosto e setembro, as médias se mantiveram sempre ao redor dos 1.500 carros/mês, ou seja, sem quedas.
Segundo fontes confiáveis de dentro da Stellantis, as únicas mudanças realizadas pelo grupo com relação ao Novo 208 foram “em pessoas e processos”, ou seja, novo pessoal compondo o time da marca e mais eficiência nos processos de produção, importação, distribuição e vendas. O aumento das vendas diretas também acusa uma possível parceria maior com locadoras, área que a FCA já atuava com força com Fiat Argo/Cronos e Jeep Renegade/Compass. Novamente, o know-how provando seu valor.
Mas o carro é tão bom assim?
O Peugeot 208 segue a cartilha dos carros franceses, ou seja, aposta em algo diferente e exclusivo quando comparado com seus concorrentes. Podemos citar essa “exclusividade” no design interno e externo, posição de dirigir e conteúdo de série. Três pilares que, não por coincidência, são os principais argumentos de venda do 208. O i-Cockpit, que é composto pelo volante pequeno e “retangular” (350 x 340 mm) de dois raios, painel de instrumentos em posição elevada e multimídia no topo do painel, é um diferenciador e tanto, assim como o teto panorâmico disponível em algumas versões.
É um carro diferenciado também pela boa oferta de equipamentos em todas as versões, com direito até a alguns pioneirismos no segmento, como o leitor de placas de sinalização, acabamento interno em Alcantara e até mesmo o próprio teto panorâmico. Os “poréns” ficam pelo desempenho contido e espaço interno limitado para o porte do carro, incluindo um porta-malas de apenas 265 litros. Em compensação, ele consegue ser até mais econômico que alguns outros hatches com motor turbo, registrando médias de aproximadamente 12 km/l na cidade e 17,5 km/l na estrada (abastecido com gasolina e com modo ECO ativado).
De uma maneira geral, estamos falando de um ótimo produto em praticamente todos os sentidos. Algumas coisas pesam negativamente aqui e acolá, mas é uma excelente opção no segmento que ele atua.
Os planos para o 208 no futuro
Os planos são promissores. Fontes internas da Stellantis alegam que transferir a produção do modelo para o Brasil ainda não vale a pena, porque os números de venda, apesar de animadores, ainda são tímidos para o segmento. Para passar a ser fabricado novamente em Porto Real, o 208 teria que vender ao redor de 100 mil unidades por ano, o que ainda está bem longe de ser alcançado. Talvez, em um futuro não muito distante, essas metas sejam batidas, já que a intenção do grupo seja fazer o hatch Peugeot vender cada vez mais.
Por enquanto também não estão previstas outras mudanças na gama de versões do modelo, e o 208 elétrico (e-208 GT), disponibilizado para pré-venda no lançamento em 2020, está em processo de entrega aos proprietários.
A cereja do bolo deverá ser o novo conjunto mecânico, consertando o outro grande ponto fraco do hatch francês: desempenho contido. Trata-se da nova família de motores Turbo GSE desenvolvida pela Fiat, e que também vai equipar Argo, Cronos, Strada e o futuro Pulse, além do Jeep Renegade. No 208, teremos a variante 1-litro turbocarregado, com aproximadamente 125 cv e 20,5 m·kgf, e que deverá trabalhar com o mesmo câmbio automático Aisin de 6 marchas que temos hoje. Essa será outra alavanca de vendas do modelo, e o atual EC5 1.6 16V deverá sair de linha, matando de vez o rótulo de “manco” para o 208.
Pelo jeito teremos outra fase do hatch compacto da Peugeot no Brasil, muito mais promissora que a anterior. Preços e versões reajustados e a nova mecânica mais moderna deverão se aliar ao visual bem acertado, ótima oferta de equipamentos de série e dirigibilidade ímpar para tornar, quem sabe, o Peugeot 208 um dos queridinhos do mercado brasileiro. O plano está se concretizando, os “pauzinhos” estão sendo mexidos e os números de vendas já mostram os resultados práticos disso. A sorte está lançada, é esperar pra ver…
DM
(Atualizada em 20/10/21 às 15h50, correção da especificação da plataforma do novo 208)
A coluna “Perfume de carro” é de exclusiva responsabilidade do seu autor
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