Mecânicos argentinos se espantaram, na década de 1980, ao perceber que o motor do Ford Escort importado do Brasil era similar ao do Renault 12 fabricado lá. Aqui, o susto foi quando chegaram novos Mercedes com o motor 1,3 Turbo que também equipa o novíssimo Renault Captur.
Por que a indústria automobilística vive reestilizando seus carros, porém mantendo porém mesmos motores durante décadas? E fábricas sem nenhuma parceria societária dividindo motores?
Décadas sob o capô
Poucos imaginam que o custo de um novo motor pode superar o de um novo carro. Pois envolve centenas de projetos sofisticados para se obter máxima eficiência com menor custo. Em geral, na ordem de centenas de milhões de dólares. Por isso é raro o lançamento de um novo modelo com uma grande novidade sob o capô.
Outro fator importante: motor atrai o cliente?
A verdade nua e crua é que só mexe com meia dúzia de aficionados, engenheiros e outros especialistas. Por essas e por outras o carro vai evoluindo e o motor nem sempre. São dezenas de exemplos.
• O motor de uma marca produzida no Brasil no final da década de 1960 era originado de projeto americano da década de 1930. Era o Simca Chambord (foto de abertura): seu motor V-8 era o do Ford V-8 de 136 polegadas cúbicas (2.227 cm³) de 60 hp produzido na mesma época nos EUA.
• A Ford investiu para fabricar o Maverick no Brasil. Mas não no motor, que aproveitou do Aero-Willys. Já ao comprar a Willys, herdou o projeto de carro médio da Renault , o R-12, e batizou-o de Corcel. Que foi substituído anos mais tarde pelo Escort, mantendo o motor Renault. Exportado para a Argentina, os mecânicos se assustaram ao abrir o capô de um Ford e achar o mesmo motor do Renault 12 fabricado lá..
Batia o mesmo coração…
• Desenvolver um motor tem custos tão elevados que BMW e Chrysler fizeram uma parceria, em 1997, para a produção conjunta de motores 1,6-L só para exportação e equipar carros de ambas, o Mini, o PT Cruiser, Neon e outros.
O Brasil foi escolhido para sediar a fábrica, chamada Tritec Motors, construída em Campo Largo, região metropolitana de Curitiba, mas que não durou muito, pois a Daimler (Mercedes) comprou a Chrysler. e a BMW saiu do negócio — BMW e Mercedes sócias? Nem em sonho… Depois de meses fechada, foi adquirida em 2008 pela Fiat que lançou o motor rebatizado E-torQ e criou uma versão de 1,75 litro..
• Fiat e GM também se associaram em 2000, criando uma empresa global — a FGP (Fiat GM Powertrain) — para a compra unificada de componentes e produção de motores e transmissões. No Brasil, o motor Chevrolet 1,8 Família 1 foi utilizado também no Fiat Stilo, Siena e outros carros da marca italiana. A FGP foi desfeita em 2005.
• Mercedes e Renault nunca foram sócias, mas desenvolvem diversos projetos em conjunto. Os novíssimos Mercedes GLA, CLA e GLB são equipados com o motor 1,3 turbo de quatro cilindros, o mesmo do Renault Captur. Nos alemães, desenvolve 163 cv, com gasolina. No suve francês, foi modificado para ser flex e desenvolve 162/170 cv. Curiosidade: a Renault foi responsável pelo projeto da parte inferior do motor (para baixo do cabeçote) enquanto a Mercedes desenvolveu o cabeçote.
Outro desenvolvimento conjunto Daimler (Mercedes) com a Renault é o novo Smart que divide 60% de seus componentes (inclusive motor) com o novo Twingo. Enquanto isso, motores diesel da Mercedes equipam modelos Infinity, marca de luxo da Nissan (parceira da Renault).
• PSA e BMW – Franceses e alemães desenvolveram um motor (1,6 THP) chamado “Prince”, utilizado pela PSA (Peugeot e Citroën) e também aplicado no Mini de primeira geração entre 1994 e 2000.
• Quando a Peugeot iniciou a produção do 206 na fábrica de Porto Real, RJ, ela não tinha um motor 1,0 para se beneficiar do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) menor. Apelou para que outra francesa, a Renault, fosse fornecedora dos motores 1,0 16 V (o D4D do Clio). Negócios são negócios, concorrência à parte… E nunca mais a Peugeot teve motor de 1 litro.
Dezenas de outras parcerias do gênero foram estabelecidas no mundo. Uma delas que gerou enorme “troca-troca” de motores, câmbios e chassis foi o Premium Automotive Group (PAG) criado pela Ford em 1999 como divisão europeia de luxo com a aquisição das marcas Jaguar, Land Rover e Volvo. O PAG foi desfeito dez anos depois. Mas houve um grande intercâmbio entre elas além de motores e câmbios da Ford nos EUA.
Resultou em aberrações como um Jaguar baseado na mecânica do Ford Mondeo. E outras do gênero…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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