Uma das contribuições que acredito ter dado na minha carreira como profissional de imprensa, no caso assessor de imprensa da Ford, foi introduzir uma nova maneira de o jornalista avaliar um veículo e assim, poder perceber e transmitir muito mais informações para o seu leitor.
Até a minha ida para a Ford, em setembro de 1974, todos os test drives que tive a oportunidade de participar como profissional do Jornal da Tarde e do O Estado de S. Paulo se resumiam a pequenos passeios de normalmente um quilômetro.
Lembro que, em 1968, participei do lançamento do Ford Corcel, lançado inicialmente na versão sedã de 4 portas, mas que depois ganhou também o modelo cupê de duas portas, a perua ou station wagon, que recebeu o nome de Belina, um modelo esportivo e, finalmente, a picape denominada Pampa.
Além de incorporar novidades para a época, a linha Corcel foi o primeiro conceito de família na indústria automobilística brasileira, com modelos projetados com a mesma plataforma para diferentes aplicações.
Mesmo assim, a apresentação do modelo aos jornalistas especializados foi realizada nas proximidades do Jockey Club de São Paulo com test drive em um percurso formado pela parte final da Avenida Cidade Jardim e Avenida dos Tajurás, num trecho de pouco mais de um quilômetro que permitia aos profissionais apenas ter uma vaga ideia do que o automóvel representava. Possibilitava ao profissional dizer que dirigiu um Corcel e descrever a sua ficha técnica, fornecida no press kit, e algumas características e reações do veículo percebidas num passeio que terminava em 5 ou 10 minutos.
Participei também do lançamento do Dodge Dart, em 1967, com reunião dos diretores da Chrysler no elegante Clube Santa Paula, que existia à beira da represa de Santo Amaro, e test-drive num trecho asfaltado daquela represa (hoje Avenida Atlântica), com distância também em torno de um quilômetro.
O mesmo ocorreu com o lançamento do Dodge 1800, em 1973, no Parque Anhembi, e vários outros. No lançamento da Brasília, neste mesmo ano, a Volkswagen convidou os jornalistas para a entrevista de diretores no Hotel Jequitimar, no Guarujá, e test drive em percurso de aproximadamente 10 quilômetros entre o hotel e a balsa para Bertioga.
E foi em 1974, quando me transferi do Jornal da Tarde para a Ford, para cuidar do Departamento de Imprensa que, modestamente, consegui profissionalizar um pouco mais as relações empresa e jornalistas, entre elas o test drive.
Naquela época, organizamos para o lançamento do Ford Maverick com motor de 4 cilindros produzido na fábrica de Taubaté o primeiro test drive de longa distância realizado no Brasil, entre Recife e João Pessoa, capital da Paraíba, com distância total de pouco mais de 200 quilômetros.
Os jornalistas curtiram muito esse teste por todas as oportunidades e situações para conduzir e avaliar o veículo.
Naquela época tudo era diferente e confesso que, apesar do êxito, fiquei muito preocupado porque no almoço anterior à viagem, alguns exageraram na bebida e viajaram realizando ziguezagues pela estrada. Felizmente, nada aconteceu e todos chegaram muito bem, mas imaginem como seria isso hoje.
Depois dessa experiência bem-sucedida e elogiada, todas as fabricantes passaram a organizar test drives mais longos, mas nós da Ford fomos além e criamos as viagens internacionais.
Para incentivar o programa Proálcool, promovemos a primeira viagem de carros com motor a álcool, entre São Bernardo do Campo e Assunção, no Paraguai, com distância próxima a 2.000 quilômetros; depois, de Porto Alegre a Montevidéu, para o lançamento da picape Ford Pampa no Uruguai e várias outras, entre as quais, a primeira viagem de mil quilômetros entre São Paulo e Brasília também com carros a álcool.
Os longos testes foram adotados pela Ford também em lançamentos realizados em outros países, como a apresentação da picape Ford Ranger, nos Estados Unidos, e o Ford Ka, primeiro apresentando-o no Salão de Paris de 1996 e no dia seguinte o test drive na Sardenha, para onde levamos todos os jornalistas num Boeing 727 fretado.
O principal e mais longo foi o promovido entre Estocolmo, na Suécia, e Genebra, na Suíça, com distância de 1.800 quilômetros, para comemorar a vitória da Ford brasileira numa concorrência com operações da Ford de outros países para fornecer o Escort para os países da Escandinávia.
Nas rodovias alemãs, os jornalistas puderam viajar em velocidades acima de 140 km/h, o que não era permitido no Brasil, mas com atenção no espelho retrovisor para não atrapalhar motoristas de Mercedes-Benz, BMW, Porsche e até Ferrari e Lamborghini que ultrapassavam em velocidades bem acima de 200 km/h. Para os jornalistas, foi uma diversão inédita e inesquecível. E um útil aprendizado.
Hoje, a maneira de avaliar os veículos evoluiu muito e muitos recorrem aos autódromos e a sofisticados equipamentos de medição além, é claro, das imagens. Tudo gravado e colocado nos sites e nas redes sociais. Mas tenho certeza que a paixão e o prazer de conduzir os novos modelos e transmitir suas impressões e opiniões para os consumidores continuam fortes e fazendo com que os jornalistas se superem nas formas criativas e até divertidas de levar a informação ao público final.
LCS
*Luiz Carlos Secco é jornalista, começou no O Estado de S. Paulo em 1961 como repórter de Esportes cobrindo automobilismo, foi editor do Jornal do Carro, (caderno do Jornal da Tarde das quartas-feiras), passou a assessor de imprensa da Ford em 1974, em 1985 foi para a Fiat onde ficou um ano. Em 1986 entrou para a Autolatina, e em 1990 se aposentou aproveitando um PDV. Mas não parou, em seguida constituiu com seu filho José Carlos a Secco Consultoria de Comunicação, onde aos, 86 anos, e 60 de carreira, continua na ativa prestando assessoria de imprensa a empresas de grande porte do setor automobilístico fazendo o que sabe fazer com maestria ímpar, a ligação indústria-imprensa, além de ter um podcast.
AE/BS