Poucas vezes uma temporada de F-1 inicia como a deste ano: há importantes mudanças quanto a equipamentos e profissionais. A partir de amanhã carros projetados e construídos de acordo com as normas de um novo regulamento entram na pista para três dias de testes no Circuito da Catalunha, em Barcelona, Espanha. Entre 10 e 12 de março a mesma agenda se repete no circuito do Bahrein, ocasião em que ficarão evidenciadas as qualidades e defeitos de cada um dos 10 modelos que serão usados nas 23 etapas deste ano.
A primeira delas é lá mesmo, no Bahrein, dia 20 de março. Muito além de chassis, motores e a nova aerodinâmica que limita ainda mais a criatividade dos projetistas, 2022 terá a atração extra de um triunvirato para atuar na direção das corridas. Como se não bastasse a “exumação” concedida a Michael Masi, a chegada de Herbie Blash como “orientador sênior permanente” para todos os GPs ressuscita ainda mais a influência de Bernie Ecclestone.
A maior parte da carreira de Blash na F-1 foi na Brabham e ele é considerado tão próximo a Bernie quanto Charlie Whiting, que faleceu em março de 2019, de embolia pulmonar, às vésperas do GP da Austrália. Blesh e Whiting eram mais que amigos e após Ecclestone se desfazer da equipe continuaram trabalhando juntos em atividades diversas na FIA (Federação Internacional do Automóvel). Some-se a este cenário o fato da esposa do dirigente, a brasileira Fabiana Ecclestone, ter sido eleita vice-presidente da entidade e mandatária para a região IV, onde estão agrupados os países da América Latina.
A maneira como o poder é construído nas esferas da FIA permite enxergar que Fabiana tem chances palpáveis de subir mais degraus na hierarquia do automobilismo a ponto de ser uma pioneira. Não bastasse tudo isso, o atual presidente Mohammed Ben Sulayem tem forte ligação com Bernie Ecclestone. Sulayem, eleito no final do ano passado como sucessor de Jean Todt, já havia tentado a presidência da federação anteriormente e ocupava um importante cargo na administração do francês. Construir um caminho que leve à primeira mulher presidente da entidade tem amplo potencial em sua agenda calcada na diplomacia.
Diplomacia, aliás, que foi notada na solução para a crise instalada na etapa final do Campeonato Mundial de F-1 de 2021, quando o australiano Michael Masi atuou de forma confusa e contribuiu, ainda que involuntariamente, para que o campeonato acabasse nas mãos de Max Verstappen e impedisse o sétimo título consecutivo de Lewis Hamilton. Não foi a primeira falha de Masi, porém, sem dúvida, foi a mais notória em sua carreira como sucessor de Charlie Whiting. O processo de fritura vivido nesse período foi reforçado com a inconstância em tratar de acidentes na pista e aplicar as penalidades com valores e procedimentos inconstantes.
Contribuiu, e muito, para seu afastamento o fato de a transmissão de TV mostrar as conversas entre ele e os líderes das duas principais equipes da categoria, Christian Horner, da Red Bull, e Toto Wolff, da Mercedes. A forma como ambos se dirigiam ao australiano — Wolff chegou a cobrar de Masi a leitura de um e-mail enviado durante o GP da Grã-Bretanha -— deixou claro que havia muita gente interessada em afastá-lo. Ao anunciar a nova formatação da direção de provas da F-1, Ben Sulayem ofereceu ao sucessor de Whiting uma posição na estrutura da FIA, forma de mostrar apoio ao australiano e reconhecer que, apesar de tudo, sua ascensão na estrutura da entidade tem seus méritos. O anúncio de que a partir de agora será adotado um sistema semelhante ao VAR do futebol (assistência ao juiz por vídeo) para julgar manobras suspeitas não chega a impressionar: o sistema já e usado há décadas na F-1.
Corrobora para tal o fato de que o descritivo de funções até então acumuladas por Michael Masi, a partir de agora será distribuído por três pessoas: o português Eduardo Freitas e o alemão Niels Wottich irão se revezar na posição de diretor de prova, sempre acompanhados de Herbie Blash. A exemplo de Whiting, Freitas iniciou-se no esporte a motor como mecânico, inicialmente no motociclismo, e desde 2010 atua como o diretor de prova do Campeonato Mundial de Resistência (WEC) e outras séries internacionais derivadas dessa categoria. Wottich já tem alguma experiência na F-1: como diretor de prova das corridas das fórmulas 2 e 3, ele atuou como assistente de Masi nas etapas disputadas dentro da programação da categoria principal. Em seu currículo consta ainda a atuação como diretor de prova do Campeonato Alemão de Carros de Turismo (DTM).
WG
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