Um dia, qualquer um dos anos 70, logo no início, Sérgio Aparecido (o Serginho), chegou perto de mim na Redação e disse: vem comigo devolver um carro lá na Chrysler, em São Bernardo do Campo? É rápido (não pensei que seria tanto). O carro do jornal já saiu e nos trará de volta.”
O jornal é A Tribuna, centenário jornal santista, onde comecei minha vida profissional, ao lado do Serginho que, infelizmente, já nos deixou. Ah, também foi, A Tribuna, o primeiro jornal no Brasil a ter uma mulher, como editora-chefe, a minha querida amiga Miriam Guedes Azevedo.
Claro que aceitei o convite. E lá fomos nós. O carro era maravilhoso, um Dodge Charger R/T, vermelho¨(foto de abertura, ilustrativa), com detalhes em preto e um ronco embriagador, com seu motor de 215 cv (potência bruta), 42,9 m·kgf, câmbio manual de 4 marchas, tração traseira. Dentro, bancos em couro, uma alavanca de câmbio cromada, como as rodas, presas por enormes roscas cromadas (“que conferiam” poder” ao carro. Era maravilhoso e eu não via a hora de entrar e “voar” nele.
Antes de deixarmos Santos, Serginho parou em um posto, bem na saída da saída da cidade e mandou o tradicional “encha o tanque” (coisa difícil nos dias de hoje, não é?), claro que antecipado de um educado e gentil “por favor”, pois ele era um sujeito bem criado, boa gente, adorado por todo mundo. Era gasolina mesmo, pois nem se falava em álcool naqueles tempos.
Tanque no “gargalo”, primeira engatada, os pneus cantaram no asfalto. Naquela época ainda não existia a Imigrantes, apenas a Anchieta, tanto para subir quanto para descer. E também não existiam radares, apenas binóculos para uso dos policiais rodoviários flagrarem os abusos.
E como abusou o Serginho, que conhecia todos os pontos de cronometragem, bem como os horários em que os representantes da lei ficavam na campana para multar os faltosos. Então o Serginho usou e abusou da potência e torque do motor do R/T, andando sempre no giro máximo, ultrapassando outros veículos, principalmente caminhões, como se fosse uma flecha.
Foi quando eu, ainda que encantado por estar vivendo aquilo que sentia como se fosse uma aventura, percebi que o ponteiro do marcador de gasolina era mais rápido do que o do velocímetro. A cada retomada de velocidade, sempre com o pé embaixo, o beberrão do motor do Charger R/T fazia sua cobrança, acelerando o ponteiro do marcador.
— Serginho, acho que não vamos chegar. Acho que a gasolina acaba antes.
— Que nada, chicolelis, não se preocupe, vai dar e sobrar, E deu mais uma “estilingada”.
Já no planalto vi o ponteiro da gasolina passando da marca vermelha (entrando na reserva) e o pé direito do Sérgio, pisando sem dó nem piedade do acelerador. Fechei os olhos e pedi aos Céus que nos protegessem (naquele tempo não havia sistema de atendimento ao usuário e, até aparecer um socorro, demoraria demais) e que a “gasosa” fosse suficiente.
E foi, chegamos! Passamos pela portaria da Chrysler, paramos na vaga de Imprensa e… pane seca. A gasolina acabou e o Serginho se gabou:
— Eu não disse que dava?
E voltamos para Santos no VW Brasília do jornal que, serra abaixo, não gastou nem um quarto de tanque, com o comedido pé direito do Nilson, que também já nos deixou, ao volante. O Serginho? Bem, como monotonia não era com ele, viajou dormindo, deitado no banco traseiro.
CL